Por José Coutinho Júnior da Página do MST
A elitização do ensino de medicina no Brasil é um obstáculo para jovens de baixa renda entrarem nas universidade e se formarem. Já os problemas nas provas de revalidação do diploma dificultam o exercício da profissão em território nacional pelos brasileiros que conseguiram se formar no exterior.
A elitização do ensino de medicina no Brasil é um obstáculo para jovens de baixa renda entrarem nas universidade e se formarem. Já os problemas nas provas de revalidação do diploma dificultam o exercício da profissão em território nacional pelos brasileiros que conseguiram se formar no exterior.
“Quem estuda medicina no nosso país são os filhos das elites, em sua
maioria. É uma afronta para a elite um negro, um pobre, um trabalhador
rual, filho de Sem Terra estudar medicina na faculdade, principalmente
pelo status conferidos por essa profissão”, afirma Augusto César, médico brasileiro formado em Cuba e militante do MST.
“Medicina cubana ensina a atender o povo com qualidade e humanismo”, afirma militante
Estudo do Ministério da Educação (MEC) aponta que 88% dos
matriculados em universidades públicas de medicina estudaram em escolas
particulares no ensino fundamental e médio. Os programas do governo de
acesso à universidade, como o Programa Universidade para Todos
(ProUni), ampliaram o acesso, mas ainda não conseguiram universalizar e
democratizar a educação.
“A maioria das pessoas que entram na universidade pública para cursar
medicina tem dinheiro para fazer um bom cursinho ou estudou o tempo
todo numa escola particular. Claro que há exceções, mas o ensino de
medicina do nosso país é altamente elitizado”, acredita Augusto.
“A maior parte das pessoas que tem acesso às escolas de medicina são de classe média e classe média-alta. Um pobre numa universidade particular não consegue se sustentar pelo alto preço das mensalidades. Sem contar que hoje temos mais universidades privadas do que públicas na área da saúde, dificultando ainda mais o acesso”, diz a médica formada em Cuba Andreia Campigotto, que também é militante do MST.
Revalidação
A necessidade dos médicos brasileiros formados no exterior e
estrangeiros passarem por uma prova para verificar se estão capacitados a
exercer a profissão é um tema frequentemente pautado pela comunidade
médica brasileira.
Independentemente do curso, todos os estudantes brasileiros que
realizam um curso fora do país precisam passar por uma revalidação do
diploma. No entanto, há falhas nesse processo no caso da medicina.
Um dos principais problemas é que não existe um padrão para o
conteúdo dessas provas. Cada universidade federal pode abrir sua prova
de reconhecimento de títulos no exterior. Com isso, o conteúdo não é
uniforme.
Além disso, o custo dessas avaliações é alto. A Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) cobra uma taxa de inscrição de R$1.172,20. Outras
universidades pelo país têm preços similares.
Preconceito
“As provas são injustas, porque têm um nível de médicos
especialistas, e não de 'generalistas', que é o que somos após nos
graduar. Isso causa uma desaprovação considerável dos estudantes que vem
de fora”, acredita Andréia.
“O que a categoria médica não divulga é que 50% dos estudantes da USP
reprovaram na prova feita pelo Conselho de Medicina de São Paulo. Foi
uma prova para médico generalista, muito mais fácil que a de
revalidação”, revela.
Para Andréia, há um “grande preconceito” por parte dos profissionais
brasileiros em relação aos médicos formados em outros países, o que
cria um entrave para a revalidação dos diplomas.
“Seria justo se os profissionais que se formam no Brasil fizessem as
mesmas provas que nós, para ver se realmente se comprova uma suposta má
formação de nossa parte, bem como discursa a categoria médica
brasileira”, observa.
Os dois médicos defendem a realização de uma avaliação dos
conhecimentos dos profissionais graduados no exterior, mas destacam que
as provas atuais não cumprem esse papel, porque não são aplicados testes
adequados para auferir o conhecimento.
“As provas teóricas e práticas atuais não levam em conta as
complexidades. Seria muito melhor colocar esse médico para trabalhar sob
um tutor e, a partir daí, se instaurar uma avaliação rigorosa e
permanente. Mas isso não tem sido pensado”, pontua Augusto.
Formação
A concepção de medicina ensinada nas universidades impede também que
os estudantes vejam a luta pela saúde além do tratamento de doenças.
“Nas universidades de medicina, só se vê doença. Não se fala em
saúde. Como você pode lutar pela saúde se só vê doenças? Também é saúde
lutar pelo direito à cidade e por um sistema público de saúde de
qualidade”, destaca Augusto.
De acordo com o militante, a concepção de saúde deve ultrapassar uma
formação técnica. “O médico deve exercer a medicina a favor da
construção de um país mais saudável, sem esperar que as pessoas ou uma
comunidade adoeça para depois intervir sobre ela, pois é o modo de vida
que vivemos que gera as doenças do país”, defende.
Andreia quer se tornar professora de medicina para colaborar para a
mudança da forma de ensinar das universidades. Ela se classificou na
primeira fase do concurso para lecionar na Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG).
Segundo ela, o campo da educação deve ser ocupado por aqueles que
querem democratizar a educação. “Precisamos formar profissionais com
um novo perfil, realmente voltados para atender o povo, para se fixar
nos locais de difícil acesso, não só nos grandes centros como hoje. É
um campo interessante de atuação”.
Essa matéria faz parte de uma série de reportagens com dois médicos que
analisam as diferenças entre os cursos e a concepção de medicina em
Cuba e no Brasil.
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