quinta-feira, 22 de julho de 2021

Por que a direita não ganha eleição em Cuba

Jovem cubana vota em referendo que aprovou a nova constituição de Cuba, em 2019 | Foto: UCI-Cuba

Por Hélio Doyle no Expresso 61

A oposição [direita] ao governo e ao socialismo em Cuba representa, aproximadamente, entre 20% e 25% dos eleitores. Não passa disso. É pouco, para os que acham que a maioria dos cubanos deseja derrubar o regime e voltar ao capitalismo. E, principalmente, que seja capaz de executar esse projeto.

O baixo índice de oposicionistas radicais não quer dizer que entre os 75% e 80% que querem manter o governo e o sistema não haja insatisfações, frustrações e críticas, algumas bem fortes — há, e muitas, mas são feitas nos marcos do sistema implantado em 1959 e não significam querer a sua derrubada. Como se diz em Cuba, o sistema tem de ser aperfeiçoado, não destruído.

Por ser pequena e espalhada em várias organizações com poucos membros e pouco enraizamento na sociedade, essa oposição antissocialista sabe que só conseguirá derrubar o governo cubano com a ajuda dos Estados Unidos. O plano não é original: sanções econômicas que provoquem uma situação de caos social que leve à repressão por forças policiais e militares e sirva como pretexto para uma intervenção “humanitária” de tropas estrangeiras.

Por isso, os oposicionistas radicais recebem ajuda financeira, material e ideológica do governo e de organizações estadunidenses, e de alguns países europeus, para se manter e provocar situações que criem instabilidade social e repercussão no exterior. E, em um país boqueado, atacado e hostilizado por uma potência estrangeira que assume declaradamente a intenção de derrubar seu governo, os oposicionistas alinhados a esse projeto são considerados inimigos, e não adversários.   

As eleições

Mas, como é possível avaliar esses percentuais se a oposição em Cuba não é institucionalizada, não há disputa entre partidos políticos e não se tem notícias de pesquisas de opinião? Resposta: analisando-se os resultados eleitorais. Sim, há eleições em Cuba, muito mais democráticas, em vários aspectos, do que as realizadas no Brasil e em outros países. É um sistema diferente do que a que estamos habituados, com defeitos também, mas que permitem avaliar com bastante precisão o apoio e a rejeição ao governo e ao sistema.

Para entender como é possível mensurar a oposição, é importante conhecer algumas características das eleições em Cuba, onde vigoram o parlamentarismo e o voto distrital, e não há partidos na disputa eleitoral — o Partido Comunista de Cuba, de acordo com o modelo leninista, tem papel dirigente da sociedade e não eleitoral.

Em resumo: 

— Os candidatos às eleições locais, para compor as assembleias municipais do Poder Popular, são escolhidos pelos moradores de cada área das circunscrições eleitorais dos 169 municípios, que se reúnem especialmente para isso. Todos os cidadãos residentes em cada área da circunscrição podem indicar candidatos ou serem indicados, sendo as candidaturas decididas pelo voto dos moradores. Os chamados delegados municipais são eleitos por maioria absoluta dos votos nas circunscrições eleitorais do município. Se nenhum consegue maioria absoluta, há um segundo turno uma semana depois.

— Os candidatos à Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP), com 605 deputados, são escolhidos pelos delegados municipais e pelas principais entidades da sociedade civil, entre as quais a Central dos Trabalhadores de Cuba, a Federação das Mulheres e as federações dos estudantes universitários e dos estudantes secundaristas. Metade dos candidatos à ANPP, em cada município, tem de ter sido eleita delegada municipal. O eleitor pode votar em todos os candidatos apresentados ou em um ou mais deles, deixando de votar em algum. O eleito tem de ter mais de 50% dos votos dos eleitores do município.

— A campanha eleitoral limita-se à apresentação do nome, foto e currículo do candidato em locais públicos, e nenhum candidato pode participar de uma reunião com eleitores sem a presença dos demais. O voto é secreto, sendo a cédula preenchida em cabines indevassáveis e colocado na urna, sendo a apuração feita no local de votação e aberta a quem quiser assistir.

Esse método explica porque a oposição não elege delegados municipais nem deputados nacionais. Para ser candidato a delegado municipal, o oposicionista teria de ser aprovado pela maioria dos moradores de sua área na circunscrição, o que nunca aconteceu, pois são minoritários. E para ser deputado nacional teria de já ter sido eleito delegado municipal ou indicado por uma das entidades nacionais de trabalhadores, estudantes, agricultores, mulheres e jovens, ou pelos Comitês de Defesa da Revolução em cada quadra — das quais os oposicionistas não participam, ou, quando participam, são minoritários.

A eleição

Com os números das eleições para a Assembleia Nacional em 2018 e do referendo para aprovação da nova Constituição, é possível mensurar o tamanho da oposição. É verdade que a oposição possa ter crescido devido à pandemia e à crise econômica, agravada pela covid e pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos. Mas certamente esse possível crescimento em 2020 e 2021 não muda muito a correlação de forças.

Em 2018, 85,65% dos eleitores participaram da eleição. Nem todos os que não foram votar podem ser considerados oposicionistas. Há os doentes, incapacitados, desinteressados e ausentes de seus municípios. Mas pode-se computar parte desses 15,35% que optaram pela abstenção como descontentes com o governo, ainda que não seja possível ter precisão.

Dos que votaram, 4,32% deixaram a cédula em branco e 1,26% anularam. O total de 5,58% pode ser considerado de oposicionistas radicais, cujas organizações pregam publicamente o voto nulo e em branco.  

Há um terceiro indicador, que é a possibilidade de votar fechado em todos os candidatos ou votar parcialmente, em um ou alguns dos candidatos. Os revolucionários — como são chamados os que defendem a Revolução de 1959 —pregam o voto em todos os candidatos, o que é uma maneira de referendar as escolhas dos delegados municipais e das entidades sociais.

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Dos 94,42% que votaram, 80,44% marcaram a chapa completa, e por isso podem, sem margem de erro, serem considerados leais ao governo. Isso representa 75,95% dos eleitores. Os 19,56% (ou 18,45% do total) que votaram em um ou mais candidatos, mas não em todos, não podem ser considerados oposicionistas, pois além de recusarem o voto nulo ou em branco, podem ter restrições a nomes indicados.    

O referendo

O referendo para aprovação da nova Constituição, em 2019, também é uma boa referência. O governo cubano trabalhou intensamente para a aprovação da Constituição, cujo anteprojeto foi submetido a 133.681 reuniões em três meses, com a participação de 8.945.521 cidadãos. Foram apresentadas 785.299 emendas, sendo cerca de 60% delas incorporadas ao projeto aprovado pela Assembleia Nacional.

Esse projeto foi submetido a referendo, no qual compareceram para votar 90,15% dos eleitores, mais do que nas eleições em 2018. Os votos válidos foram 95,85%, sendo 86,85% no “sim” ao projeto (78,30% dos eleitores) e 9% no “não” (8,11% dos eleitores). Nulos, com 1,62%, e em branco, com 2,53%, totalizaram 4,15%. Somados aos 8,11% do “não”, 12,26% que podem ser considerados contrários radicalmente ao governo e ao regime. A esses, pode ser acrescida uma parcela dos que não foram votar.

É razoável, assim, estimar a oposição ao governo e ao regime a essa faixa de 20% a 25% dos cubanos, podendo talvez chegar hoje, em função da pandemia e dos problemas econômicos, a pouco mais do que isso. Sem ajuda dos Estados Unidos e de seus aliados, será difícil derrubar o regime.  

Hélio Doyle é jornalista e membro do Núcleo de Estudos Cubanos da Universidade de Brasília.

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Um comentário:

  1. A questão não é o Socialismo em Cuba. O capitalismo sabe que o socialismo vai ser a salvação do nosso planeta. A Revolução vai ser de amplitude mundial e caráter permanente. Trotsky estava certo!

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