quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Saúde e educação evitam queda do PIB cubano em 2019

Leia entrevista com o ministro da economia de Cuba, Alejandro Gil!
"Tudo pela Revolução", mural da UJC | Foto: Cuba em Fotos
Por Yudy Castro Morales no Granma 

Dizer, mais uma vez, que a economia cubana em 2019 deve crescer cerca de 0,5% não é uma simples reiteração. O retorno a este número tem, neste caso, uma vocação de reconhecimento, embora visto dessa maneira, por si só, não diga muito, nem tenha um impacto apreciável na qualidade de vida dos cubanos.

Mas em questões econômicas, não ter recuado, apesar das fortes restrições que nos acompanharam, é a definição mais precisa de 2019. Ano extremamente tenso, de acordo com o Vice-Primeiro-ministro e titular de Economia e Planejamento, Alejandro Gil Fernández, que falou com o Granma Internacional acerca dos resultados dos últimos 12 meses, o impacto do bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA e das próprias deficiências na gestão do país e, acima de tudo, as perspectivas de desenvolvimento para este 2020.

"A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) fez uma estimativa do crescimento econômico da região na ordem de 0,1% em 2019. Nós prevemos 0,5%. Estamos fazendo os cálculos finais e devemos estar nesse nível".

"Esse resultado foi influenciado principalmente por setores sociais como Saúde e Educação, além de comunicação e construção, com as obras na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel (ZEDM), reparos durante o tornado, fabricação de 4.000 quartos para o turismo e a conclusão de mais de 40.000 casas".

"Estamos falando de crescimentos leves, que ainda não causam impacto na qualidade de vida; mas reiteramos que o mais significativo é não termos diminuído".

Embora o bloqueio tenha sido sempre o maior obstáculo na corrida com obstáculos da economia cubana, 2019 marcou um reforço notável do mesmo...

Como resultado da escalada agressiva do governo dos EUA, a partir de abril, começamos a enfrentar cortes de combustível, o que nos forçou a fazer ajustes nas estratégias de curto prazo da economia e a redesenhar os recursos do plano. Desde então, as sanções do governo Trump a empresas de transporte e seguradoras foram mantidas e aumentadas.

Em 2019, também foram aplicados os Títulos III e IV da Lei Helms-Burton, com impacto no turismo e no investimento estrangeiro; as viagens de cruzeiro foram eliminadas quando planejamos receber cerca de 800.000 passageiros no ano; os vôos diretos para as províncias do país foram suspensos recentemente, exceto para Havana. Por outras palavras, é uma soma de medidas destinadas a sufocar a economia e impedir o desenvolvimento.

O governo dos EUA insiste em dizer que o bloqueio não é contra o povo. Mas quem afeta mais, a não ser às pessoas, as limitações no transporte público, na eletricidade, na produção de alimentos...?

No entanto, no meio desse contexto, não tivemos apagões, por exemplo. Muitos maliciosos disseram que estávamos inevitavelmente em um segundo ‘período especial’; no entanto, naquela época complexa, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu mais de 30% em pouco tempo. Isso não aconteceu agora, nem acontecerá, porque sabemos como superá-lo.

Tivemos efeitos na produção e serviços, transporte, distribuição, fábricas; tivemos que desacelerar os investimentos. Mas conseguimos proteger o ritmo nas atividades fundamentais para a economia.

Fomos capazes de apoiar as principais demandas do verão e do final do ano. Hoje existe um nível razoável de suprimentos na rede de lojas de varejo, ainda melhor do que no início de 2019, e a cidade está comemorando a chegada do novo ano em condições relativamente normais, quando os inimigos esperavam um revés.

Acreditamos que isso tenha sido possível por causa do esforço de todos na busca de soluções e não de justificativas, devido à vontade política e de nossa história de resistência.

Diante de um cenário de maior hostilidade, quais são as estratégias de Cuba para continuar avançando na economia?

Temos que nos preparar, sem dúvida, para um cenário de maior bloqueio. Mas, independentemente do seu roteiro para nos sufocar, continuaremos com a atualização do nosso modelo econômico.

As 12 prioridades econômicas para este 2020 foram informadas na Assembleia Nacional e nessa direção avançaremos. Destacar, nesse sentido, as estratégias para aumentar as exportações, que constituem o caminho fundamental para avançar, ou seja, avançar rumo a uma ação exportadora profunda.

Na segunda ordem da relação, não prioritária, corrigir as deficiências no processo de investimentos, cuja solução depende de nós e nada tem a ver com o bloqueio.

E, em terceiro lugar, continuar fortalecendo a empresa estatal e o aprofundamento dos vínculos entre os diferentes atores econômicos: o setor estatal com o papel que desempenha e o setor não estatal com sua importante dinâmica de crescimento, a fim de conseguir que todos ajam em prol do desenvolvimento do país.

Essa é a nossa estratégia e não vamos alterá-la nem um milímetro, dependendo da agressividade do bloqueio. Esse ano de 2020 vai marcar uma profunda transformação na maneira como trabalhamos nessas atividades.

Em correspondência com essas estratégias, quais são as perspectivas de desenvolvimento para este ano?

Para este ano de 2020, aspiramos a um crescimento da economia da ordem de 1%, valor que consideramos objetivo, de acordo com as pressões do contexto nacional e internacional. E, nesse resultado, propusemo-nos dois crescimentos importantes: aumentar a circulação de mercadorias no varejo, ou seja, o fornecimento de bens e serviços à população; e o aumento do processo de investimento, questão de total relevância, pois nele reside o desenvolvimento econômico.

Para isso, é verdade, muitas coisas precisam ser feitas: promover os vínculos produtivos da indústria nacional com os exportadores, reduzir o componente de produtos importados na atividade turística e expandir as relações da economia com a ZEDM.

Também é necessário alcançar uma alocação mais oportuna de recursos, especialmente na agricultura e na indústria, para procurar que as empresas aproveitem mais as opções existentes para acessar às divisas conversíveis e fortalecer o vínculo entre a academia e o setor empresarial.

Objetivamente, estamos enquadrados na primeira etapa do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social até 2030, que abrange de 2019 a 2021. Nesse período, propusemo-nos taxas de crescimento moderadas, como esta de 1%. Mas, se conseguirmos o que está previsto nos investimentos e na circulação comercial do varejo, poderíamos falar, talvez, de um crescimento qualitativamente maior, que contribua mais para o desenvolvimento e a qualidade de vida da população.

Das 28 medidas aprovadas em 2019 para flexibilizar o desempenho da empresa estatal socialista, quais foram as que mais progrediram?

Dessas 28 medidas, nem todas se aplicam a todas as empresas. Existem medidas, por exemplo, destinadas aos exportadores, para que eles possam reter uma parte das divisas que entram no país para garantir seu reabastecimento.

Outra medida tem como fim aproximar os esquemas de financiamento fechados — que hoje estão no nível dos Organismos Superiores de Gestão Empresarial — às empresas, para que estejam mais próximos do local onde ocorre o processo produtivo e, assim, oferecer maiores benefícios aos produtores.

Também destaca, entre as estratégias de maior impacto, a possibilidade de transferir as divisas que o turismo atrai hoje para os produtores nacionais, que possam atender às demandas dessa atividade e, assim, substituir as importações.

Mas, neste caso, é preciso ter uma visão otimista e favorável da produção nacional e nem sempre olhá-la com um olhar crítico, porque a indústria cubana só vai se desenvolver trabalhando.

Hoje temos que conseguir, com os mesmos dólares que entram no país, aumentar o lucro líquido da economia, sem diminuir as ofertas ou afetar a qualidade dos serviços. Trata-se de apoiar, cada vez mais, a demanda do turismo com produções nacionais, de forma competitiva e de qualidade.

Infelizmente, as medidas, algumas mais do que outras, foram aproveitadas lentamente. Os empresários estão acostumados a que as divisas conversíveis lhes sejam atribuídas, não gerenciadas e mudar essa mentalidade demora um tempo.

No entanto, este ano exige maior uso de tudo o que foi aprovado, porque, caso contrário, o crescimento esperado de 1% não poderá ser alcançado.

Além dessas medidas e de sua implementação limitada, também se fala em continuar flexibilizando a administração da empresa estatal. Estão sendo avaliadas as próximas medidas?

Estamos estudando alternativas que incluem, ainda, como o setor empresarial vai se relacionar com o plano da economia. A dependência da alocação de recursos ainda é muito alta e podemos dar passos nessa direção.

Também é avaliada a forma como o setor de negócios está estruturado hoje, a busca de incentivos para estimular as exportações e que estes cheguem aos produtores, bem como a simplificação de indicadores gerenciais, com o objetivo de proporcionar às empresas maior abrangência na avaliação, para que possam decidir com base na demanda, até territorial.

Mas com todas as medidas, precisamos ter algo claro: nada na economia pode funcionar sob o conceito de risco zero. Em 2020, temos que realizar uma profunda transformação na operação da empresa estatal, em direção a uma maior autonomia gerencial, apesar das restrições que ainda persistem na ordem financeira e material.

Depois da abertura da MLC, foi questionado se a medida implicava uma dolarização da economia. Por que não estamos enfrentando um processo dessa natureza?

Perante essa matriz de opinião, nós defendemos várias premissas. Que o dólar não esteja circulando em dinheiro; que esteja orientado para um segmento muito específico do mercado, com oferta de produtos de médio e alto alcance, que até então não eram comercializados, e a nossa política monetária não pretende substituir nossas moedas (CUP e CUC) pelo dólar.

Cuba tem o direito e o dever, de acordo com suas condições, de adotar as disposições mais favoráveis ​​à população e ao desenvolvimento do país.

A medida foi bem recebida e chegou a resolver um problema que tivemos em termos de atração de divisas. E, como todas as decisões que tomamos na economia, é a favor da unificação monetária e cambial.

Essa medida também tinha como objetivo redirecionar as divisas para a indústria nacional, para sua integração progressiva. Pouco mais de dois meses após a aplicação da medida, que impactos foram obtidos nesse sentido?

Sem dúvida, um dos objetivos mais importantes dessa medida é a canalização das moedas capturadas para o setor. Mas a prioridade, neste momento, é o suprimento e não podemos ter uma quantidade considerável desses recursos para pré-financiar o setor, porque os níveis de suprimento seriam afetados.

A estabilidade dos suprimentos no início depende muito das importações. Mas estamos criando a base para a indústria nacional poder produzir e ir, gradualmente, oferecendo mais produtos sem afetar a sustentabilidade das ofertas.

Este é o segundo passo. Neste ano 2020, devemos ter uma maior presença de sortimentos, com um maior nível de integração da indústria nacional, principalmente de partes e peças das famílias automotivas e dos eletrodomésticos.

Entre as prioridades de 2019, apareceu fortalecer os vínculos produtivos com o setor não estatal. Quanto progresso foi feito e onde estão as principais dificuldades?

Faltam avanços nas alianças entre os setores estatal e privado. Este ano, por exemplo, foi autorizado que empresas estatais pudessem pagar a empresas privadas em CUC, ou seja, medidas foram tomadas, mas são insuficientes.

Cuba ainda aposta no setor não estatal. De fato, é aquele com o crescimento mais dinâmico do emprego. Em 2019, o emprego no setor estatal cresceu em 12.500 funcionários e no setor não estatal, em 20.000.

Ou seja, o país continua promovendo esse setor, onde seja mais conveniente para a economia e, ao mesmo tempo, temos que avançar no modelo de gestão estatal, pois é necessário buscar maior correspondência entre as formas de atuação nos dois setores.

Porque algo é verdade, eficiência e qualidade não são exclusivas de um tipo de propriedade ou de outra. Em breve, no aprimoramento da empresa estatal, devem ser implementadas transformações no setor gastronômico, a fim de obter maior flexibilidade e ajustá-lo mais à demanda, com ofertas de bens e serviços de qualidade.

Não há intenção de desacelerar o setor não estatal. E estamos trabalhando em uma estratégia que gere mais oportunidades, tanto para o setor estatal como o não estatal, para que ambos se juntem no crescimento econômico do país.

Com a aprovação das diretrizes em 2011, Cuba iniciou o processo de atualização de seu modelo econômico, quanto progresso foi feito?

Os avanços fundamentais estão na coordenação das políticas macroeconômicas do país, fiscais e monetárias, que nos colocam em um cenário mais favorável ao planejamento a médio e longo prazo.

A isto se soma todo o trabalho realizado em relação ao Plano de Desenvolvimento Econômico e Social até 2030, junto com as transformações de curto prazo, que incluem o que foi feito para desencadear as forças produtivas, especialmente a empresa estatal.

Muito se fala nas ruas hoje em dia sobre a unificação monetária. Em que estágio está o processo e quais são, a partir de agora, as tarefas mais complexas?

Tal como afirmou o presidente da República, a reorganização do sistema monetário está em fase avançada de estudo e aprovação, e a integridade do processo e sua complexidade são confirmadas. Além disso, ratificamos que os depósitos bancários serão garantidos; bem como dinheiro nas mãos da população, e todas as medidas serão oportunamente informadas ao povo.

Precisamente por isso, não se justifica que em certos lugares começassem a rejeitar o CUC ou a impor taxas de câmbio mais baixas do que as estabelecidas oficialmente, porque, como temos afirmado, aqueles que possuam CUCs não serão afetados.

Outra das nossas prioridades é parar a espiral do endividamento do país. Como se comportou 2019 nesse sentido?

Em termos práticos, interromper a espiral de endividamento do país significa manter uma correlação adequada entre a quantidade de créditos e financiamentos que a economia recebe e os que podem ser pagos; e isso foi realizado.

Ou seja, durante 2019 foi mantido o controle do novo financiamento, para que o país não aumentasse seu endividamento externo.

Mas isso não significa que as dívidas com os fornecedores estejam atualizadas. Estamos com pagamentos em atraso, associados à situação financeira do país; mas reiteramos nosso compromisso e agradecemos a compreensão dos credores que, apesar dessa situação, continuam confiando em Cuba.

Um dos problemas mais graves da economia está associado às deficiências do processo de investimentos. Em 2019, como foi essa variável?

Infelizmente, não há muito progresso nessa questão e, como reiteramos: para a economia isso é questão de vida ou morte. Porque não se trata somente de que os investimentos não produzam apenas o que está registrado nos estudos de viabilidade, mas o problema parte do próprio estudo, muitas vezes como ato formal, sem objetividade, como forma de aprovar o investimento e, portanto, são projetados indicadores que apenas aparecem nos documentos. Este é um problema sério.

Quando o crescimento do processo de investimento não consegue ser amortizado com seus rendimentos ou não atinge os níveis esperados de viabilidade, empobrece o país, embora possa parecer contraditório.

Um dos aspectos que mais ilustra as deficiências do processo de investimento é que a dinâmica do crescimento do investimento nos últimos anos é maior que a do PIB.

Além disso, o controle do processo de investimento tem sido associado às etapas de construção e montagem e não aos retornos. Pelo menos na modificação desses conceitos, fizemos progressos este ano. Mas também precisamos que os trabalhadores se envolvam nessas análises.

E outro problema é que muitos dos investimentos realizados dependem da importação para sua sustentabilidade. Desde a concepção dos trabalhos é necessário analisar, o que eles vão consumir e quem o garante. Pode ser a empresa estatal, a não estatal, o investimento estrangeiro, mas deve ser um ator nacional com um mínimo de importações.

Perante a escassez de combustível, Cuba tentou mobilizar todas as suas reservas de poupança e vários resultados foram obtidos. Como, então, a partir do planejamento da economia, alcançar a sistemática dessas boas práticas?

Devemos reiterar o conceito de economizar, às vezes distorcido. Não se trata de reduzir os níveis de atividade, mas de mantê-los ou aumentá-los com menos recursos, com base em um gerenciamento mais eficiente. Isso é economizar.

Sob esse conceito, este ano conseguimos implementar um conjunto de medidas, que não são as únicas, e devemos mantê-las sem pensar que estamos saindo da ‘situação conjuntural.

De fato, o plano foi emitido com níveis de atividade, que sustentam um crescimento de 1% do PIB, com menor consumo de combustível, ou seja, o plano foi desenhado com poupança.

As medidas aprovadas nos colocam em posição de assumir este ano 2020 com certeza de que está em nossas mãos cumprir o plano, independentemente das pressões do governo dos EUA.

Mas há um grupo de nossos próprios problemas, que precisamos resolver: as deficiências do processo de investimento, desencadear as forças produtivas, em particular a estatal, e aumentar e diversificar as exportações. Disso depende entrar em uma fase de crescimento econômico mais rápida, como parte da segunda etapa do Plano de Desenvolvimento Econômico e Social, a partir de 2022.

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