Cuba hoje é um pais com necessidades materiais, mas não é um pais pobre

Mural homenageia Fidel Castro em Serra Leoa | Foto: Enrique Ubieta Gómez

Por Pedro H C Pessanha

Não pretendo aqui fazer uma defesa cega da forma cubana de organização de sociedade, pois sei que está longe de ser perfeita, e muito menos fazer uma análise imparcial dos fatos, como diz fazer hipocritamente a grande mídia brasileira.

As conquistas da Revolução Cubana não são puramente estéticas, ou seja, não são tão perceptíveis a primeira vista. Portanto é super natural que uma visão formada pela mídia burguesa, principais expoentes da revista Veja e Rede Globo, só enxergue contradições no modelo cubano.

Um exemplo, algum brasileiro procurando o que comer no lixo da porta de sua casa é naturalizado, já não gera indignação. Quando um Brasileiro (que geralmente possui boa situação financeira, já que pode viajar ao exterior) formado pelos meios de agitação e propaganda da burguesia nacional vai a Cuba, fica procurando contradições em toda esquina.

Contradições estas que obviamente existem e necessitam ser superadas, mas se vistas sobre um referencial, no caso o Brasileiro, tornam-se fúteis. Como comparar a violência em Cuba e no Brasil, ou a desigualdade social, ou a fome, o analfabetismo, a condição das cadeias e presídios. Torna-se ainda menor quando contrapomos a riqueza econômica de Cuba uma ilha com economia frágil, sem grande desenvolvimento industrial, sem muitas matérias primas ou mesmo rios volumosos para a produção de energia hidrelétrica, e o Brasil que é a 8ª economia em termos de Produto Interno Bruto (PIB) e 70ª quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano.

A queda da URSS agrava a situação econômica de Cuba e começa a faltar alguns produtos básicos que eram importados da Rússia Socialista como; papel, alguns alimentos e produtos de limpeza pessoal. Cuba também foi afetada pela atual crise mundial e ainda é atingida por catástrofes naturais como tornados.

Além disto há o bloqueio estadunidense, que supera a situação de embargo, uma vez que tem como objetivo o isolamento, a asfixia, mantendo Cuba sitiada e sua população em estado de sitio. O bloqueio é um ato de guerra que contradiz o direito internacional (inclusive contradiz a bandeira neoliberal de livre mercado). O bloqueio tem como objetivo a coerção pela força ou pela fome, uma vez que cuba não representa nenhuma ameaça militar aos EUA, além de ferir o direito a soberania do povo Cubano fere também a de outros povos que tem ligações com a economia dos EUA.

“Um dia de bloqueio são 139 ônibus”.

Esta situação econômica criou a necessidade de uma maior racionalização da distribuição dos recursos para a população e de abrir o país ao turismo como forma de adquirir recursos. Os turistas trouxeram dinheiro, mas também trouxeram alguns vícios capitalistas e o ressurgimento da prostituição, principalmente nas cidades mais turísticas, e algumas diferenças salariais entre os trabalhadores que estão em contato direto com os turistas e os que não estão.

Portanto, infelizmente Cuba vive um estado de sitio e constante guerra ideológica contra os meios de comunicação estadunidense (que sintonizam às vezes melhor em Cuba do que nos EUA) e o inevitável financiamento de grupos contra revolucionários por estes.

De volta à economia, para Cuba o desenvolvimento econômico não deve ser mais importante do que o desenvolvimento social. Comparado com a América do Sul e com a Cuba pré-revolucionária, Cuba hoje é um pais com necessidades materiais, mas não é um pais pobre. E tem uma política de incentivar o trabalho e não os negócios como fonte de riqueza.

O seu ainda baixo desenvolvimento econômico não impede determinantemente um bom desenvolvimento da justiça social. E esta maior justiça ofende o conceito de liberdade capitalista, que é a liberdade individual no sagrado direito de propriedade privada dos meios de produção, baseado na sonegação do usufruto desse direito à maioria. Liberdade de explorar a força de trabalho daquele que é obrigado assim a se vender. Liberdade de consumo, porque você apenas viaja, propagandeia massivamente um pensamento, se dispor de meios econômicos para exercitar seu direito.

Os liberais vendem a liberdade de o capital entrar em Cuba e fazer o que quiser. A liberdade de expressão no capitalismo só não apenas é para poucos como só vai até onde a vontade popular não fere os interesses econômicos da burguesia nacional. Vide o exemplo das ditaduras capitalistas em toda a América do Sul.

A imprensa não faz alarde quando um Mexicano ou mesmo um cidadão de Governador Valadares, MG, atravessa o deserto para os EUA (direito de ir e vir novamente ofendido), mas quando um cubano atravessa 120 km para a maior economia do mundo a mídia alardeia e transforma motivos econômicos em motivos puramente ideológicos.

Democracia é mais uma consequência de um povo culto e de um pais justo socialmente. Para José Martí "A melhor maneira de ser livre é ser culto". A os representantes das instituições representativas de Cuba são eleitos desde a base, dividida por zonas de poder popular, ate as instancias mais nacionais. Inclusive Fidel Castro tem de se submeter à votação popular de no mínimo 51% de votos. O partido comunista cubano não apresenta candidatos, os candidatos são indicados pela população de acordo com sua historia de vida. Não há propaganda eleitoral de milhões de dólares e o voto não é obrigatório, é secreto e direto. (“As eleições não são um carnaval”).

A democracia não acaba nas eleições, o eleito que recebe o mesmo salário que tinha antes da eleição e tem o cargo revogável a qualquer momento, tem de reunir semestralmente com os eleitores. As leis podem ser sugeridas pela população assim como as de interesse nacional tem de passar por esta.

Assim como no Brasil, Cuba também teve quase que completamente exterminada sua população indígena, e para trabalho escravo os espanhóis trouxeram grande contingente africano. Culturalmente Cuba tem grandes proximidades com o Brasil, principalmente nos estados de maior influencia negra, como a Bahia. A alimentação arroz e feijão e a expansividade e forma expressiva de agir e falar. Falam mal ou bem de Cuba abertamente. Em um país vivo e pulsante, com música alta nos carros, nos ônibus nas ruas de Havana, aonde se pode comprar em bibliotecas livros novos por 50 centavos de reais.

Em Cuba há uma grande valorização de sua historia e seus personagens como: Fidel Castro, Ernesto Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Julio Antonio Mella, José Martí, etc. Um acontecimento da historia cubana que garantiu os ganhos revolucionários foi a unidade dos movimentos e organizações revolucionárias. Ouvi de um personagem cubano; “Qualquer idiota pode dividir, mas a missão do revolucionário é somar, multiplicar”. O que vai de encontro à tática imperialista de dividir para dominar.

Também lutam para fortalecer a ALBA (Alternativa Bolivariana das Américas) como união da América latina, alternativa ao projeto imperialista da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Fortalecendo o caráter nacionalista e ao mesmo tempo internacionalista da revolução Cubana.

“Pátria é humanidade” José Martí.

As lutas atuais do povo cubano giram em torno da retirada de Cuba da lista dos 14 países denominados terroristas, visto que este é vitima do mesmo. Por exemplo, sofreu introdução na ilha do vírus de Peste Suína, o que comprometeu toda a produção de carne de porco cubana, base da alimentação dos cubanos, o terrorismo de estado Estadunidense e as torturas do maior contingente de presos político na prisão de Guantánamo sem direito a julgamento. Também denunciam, e exigem a libertação dos 5 heróis cubanos que foram presos nos EUA quando lutavam contra o terrorismo Estadunidense.

Saúde, educação está na ponta da língua de todo político na época de eleição há mais de 100 anos. Cuba tornou realidade um país livre de analfabetismo, e saúde gratuita e de qualidade para todos. Que o Brasil tenta copiar com o SUS e o projetos de universidade para todos, sem sucesso devido principalmente ao forte interesse dos investimentos privados.

Estes breves apontamentos estão aqui para levantar alguns pontos sobre minha vivencia em Cuba e para que não se caia no erro de transferirmos mecanicamente o conceito de liberdade do liberalismo capitalista (em que os direitos legais são arbitrários, de acordo com o poder econômico) a Cuba, que é o pais que faz o maior esforço a uma democracia participativa e justa (o que justifica o seus 50 anos de revolução) apesar de ter de se defender das investidas contra revolucionárias. Depois de meio século de resistência no quintal do mais poderoso império capitalista, de resistir à queda da URSS, em meio ao grande dissenso dos movimentos populares, potencializado pelas ditaduras em toda a América Latina, Cuba segura entre os dentes a primavera.

“No mundo, dormem nas ruas 200 milhões de crianças. Nenhuma delas é cubana”.

Pedro H C Pessanha é professor.