quinta-feira, 19 de abril de 2018

Miguel Díaz-Canel: filho de um povo corajoso e de uma revolução

Novo presidente em evento sobre cultura digital, realizado ano passado| Foto: Radio Reloj
 Por Gustavo Veiga no Sul 21

Cuba construiu um épico de sua revolução. Os barbudos de Sierra Maestra lhe deram sua mística. A geração que conduzirá o país a partir de agora terá que conservá-la no século XXI. Fidel morreu em novembro de 2016 e Raul deixa o cargo máximo no governo. Não haverá um Castro no poder pela primeira vez em quase 60 anos. Miguel Díaz Canel, o novo chefe de Estado praticamente eleito, tinha pouco menos de um ano, quando as FAR (Forças Armadas Revolucionarias) rechaçaram a invasão mercenária de Playa Girón. A aventura foi planejada nos Estados Unidos, financiada e preparada com recursos da CIA.

O passado e o presente da ilha não podem ser compreendidos sem aquela subjetividade revolucionária. Se embasa na resiliência de um povo e seus dirigentes. De duas gerações que agora se fundem em uma. A que se vai já transmitiu seu legado e co-governou nestes anos com o até hoje primeiro vice-presidente Díaz Canel, o chanceler Bruno Rodríguez Parrilla e o ministro da Cultura Abel Prieto, entre outros. Se o processo que está nascendo na Assembleia Nacional do Poder Popular se mantém no futuro, a revolução cubana terá dado outra mostra da sua força. Uma mais para incômodo de seus detratores e energia revitalizada para seus seguidores.

O engenheiro eletrônico Díaz Canel não poderá substituir o carisma de Fidel, nem a experiência negociadora do seu irmão mais jovem. Raúl Castro permanecerá à frente do Partido Comunista Cubano (PCC), como garantia de que a revolução seguirá seu rumo. Mesmo com 86 anos, ele se mantém vital, como outros comandantes que sairão do Conselho de Estado. Serão substituídos por homens e mulheres que não viveram como adultos o desembarque de Granma ou a crise dos mísseis. Aquele mundo bipolar já não é o mesmo, mas está sujeito a novas perseguições. Não existe mais a União Soviética e os mísseis deixaram de apontar da ilha para os Estados Unidos. Vladimir Putin não é Nikita Kruschev e as bombas hoje caem na Síria ou no próximo país que será carimbado de terrorista. A lista de Donald Trump, o novo führer planetário, segue alargando-se com inimigos. Cuba a integra e sua geração nascida durante a revolução deverá saber o que fazer com ela, como fizeram aqueles que a precederam na condução do país.

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O ministro de Relações Exteriores Parrilla já deu um sinal na última Conferência das Américas em Lima, Peru. No seu discurso – uma resposta muito firme ao vice-presidente dos EUA, Mike Pence – declarou: “Hoje existe o perigo do retorno do uso da força, a imposição indiscriminada de medidas coercitivas unilaterais, inclusive, de golpes militares sangrentos”. Não parece o caso de Cuba que sobreviveu a guerra fria, a Playa Girón, às dezenas de tentativas de assassinato contra Fidel Castro, a um embargo unilateral dos Estados Unidos que é rechaçado todos os anos na ONU por uma maioria esmagadora. Somente votam a favor Estados Unidos e Israel, seu corpo policial no Oriente Médio.

“Cuba é respeitada” costumam dizer os cubanos com orgulho. Do oriente ao ocidente, de Guantánamo a Pinar del Río. Um trabalhador da colheita de cana e um gerente de hotel. Um motorista de guagua (os ônibus que percorrem a capital do túnel da baía de Havana ao arborizado bairro de Miramar). Uma mulher contemporânea de Fidel, que chorou sua morte como a de um filho. Um jovem que atende na própria barbearia. Um vendedor de hortaliças no mercado público de Habana Vieja. O sentimento patriótico que expressa cada cubano não se acomoda nos símbolos, nem é pose para impressionar os outros. Se percebe na naturalidade com que um pai conta que seu filho se incorporou ao serviço militar obrigatório por dois anos. Um fato que seria um drama em qualquer outro país latino-americano.

Días-Canel junto a Fidel Castro em Holguín. Foto: Archivo/ Ahora. 
Essa Revolução Cubana, que conseguiu articular o pensamento martiano com o marxismo leninismo, foi dando indícios nos últimos anos de quem daria sequência à obra forjada pelos combatentes de Sierra Maestra. A epopéia de Fidel, Che, Camilo Cienfuegos e Raúl Castro. O novo chefe de Estado não usa uniforme verde oliva, nem barba, nem o cabelo comprido como na sua juventude em Santa Clara. É um homem alto, grisalho, que veste terno ou jaqueta elegantes e parece comedido na maneira de andar e nas palavras.

Sinais de que seria um possível eleito estavam visíveis há um bom tempo. Em 6 de março de 2013, Canel viajou a China onde se encontrou com o presidente Xi Jinping. Esteve na entronização do Papa Francisco, em Roma. Sua trajetória endossava especulações de que teria futuro como chefe de Estado. Se ofereceu como cooperador humanitário internacional na Nicarágua, para apoiar o sandinismo na década de 80. Ocupou o cargo de primeiro secretário da União da Juventude Comunista em Villa Clara, posto que repetiu depois no PC cubano daquela, sua província natal e da provincia de Holguín. Foi ministro de Educação Superior em 2009 e, desde 2012, vice-presidente do Conselho de Ministros, cargo que ocupa até hoje.

Nesta quarta-feira, os 604 deputados presentes na Assembleia Nacional do Poder Popular aplaudiram Díaz Canel em pé, logo depois de terem ovacionado Raúl Castro. O novo presidente cubano não deve ser analisado isoladamente, como um militante que tem seus méritos e seus defeitos. Foi elevado ao lugar pelo qual ficará na história – como o chefe de Estado que sucedeu a Fidel e seu irmão – porque se trata de um quadro político que é filho de um povo corajoso e de uma revolução que triunfou há quase 60 anos. Que segue em pé, como “A muralha”, aquela do poema de Nicolás Guillén: “Para fazer esta muralha, tragam-me todas as mãos: os negros, suas mãos negras, os brancos, suas mãos brancas”.

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