quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Podemos aprender com Cuba sobre agricultura, ambiente e energia

O artigo abaixo, assinado pelo economista Ricardo Coelho e publicado originalmente no site português Esquerda.Net, é interessante por que traz em seu seio o debate entre agroecologia X monocultura industrial. No entanto, o Blog Solidários não concorda com alguns conceitos utilizado pelo autor. No lugar de “ditadura”, sugerimos para nosso leitor que substitua por democracia, assim como no lugar de “regime” por governo (com legitimidade constitucional e soberania popular).

Também achamos que no texto termos como “homofobia” e “repressão” são usados de forma exageradas. Entendemos que na sociedade cubana exista homofobia e que o governo revolucionário tem usado em alguns casos a repressão para atingir seus objetivos, no entanto, não de forma majoritária como coloca o autor.
 

Como o blog solidários tem entre seus objetivos principais o combate ao terrorismo midiático em relação a Cuba não poderíamos de deixar de fazer essa pequena observação sobre o texto a seguir.



Agricultura, ambiente e energia: o que podemos aprender com Cuba 

O nome Cuba traz consigo uma série de associações, tanto com as coisas boas da vida (praia, charutos e serviços públicos de qualidade) como com as coisas más (homofobia, repressão e ditadura). Passando por cima dos estereótipos e dos elementos mais visíveis do governo, contudo, podemos ver alguns desenvolvimentos positivos que acontecem pelo poder que emerge quando as pessoas se unem por um objetivo comum. Um destes desenvolvimentos, a expansão da agricultura ecológica, é particularmente relevante para um país como o nosso, dependente energética e alimentarmente do exterior.

Até à queda da URSS, Cuba tinha a sua subsistência assegurada pelo Pacto de Varsóvia. Cuba enviava rum e açúcar para a URSS e em troca recebia petróleo, máquinas, agro-químicos e cereais. Mas este modelo envolvia uma dependência absoluta em relação a um único país. Quando a URSS colapsou, Cuba foi arrastada para o abismo.

De um momento para o outro, não havia petróleo para pôr os tratores a lavrar ou os automóveis a andar, não havia pesticidas e herbicidas para espalhar nos campos agrícolas e não havia como escoar a produção intensiva de cana de açúcar. O declínio na produção agrícola levou a uma perda de 9 kg no peso médio dos cubanos entre 1990 e 1994. O modelo cubano tinha fracassado.

Foi então que começou uma revolução na agricultura cubana. Uma aliança entre cientistas e camponeses lançou as bases para uma mudança radical no modo de produção de alimentos, guiada pelos princípios da agroecologia. Em vez de monoculturas dependentes do uso de máquinas e de químicos, Cuba passou a ter cada vez mais policulturas onde o uso de máquinas é mínimo e os químicos são substituídos pelo uso das leis da natureza. Em vez de usar nitrogénio para fertilizar as terras, os agricultores começaram a usar estrume ou cultivo de feijão. Em vez de usar pesticidas para eliminar insetos, os agricultores começaram a recorrer à “guerra biológica”, atraindo certas espécies de insetos que se alimentam de outros insetos. E por aí em diante.

A revolução foi facilitada pela mudança no modo de gestão das terras. Embora a terra agrícola continue a ser propriedade do Estado, tornou-se possível a cooperativas ou indivíduos terem direitos de usufruto de um pedaço de terra, dando-lhes maior controlo sobre o seu destino.

Outro elemento facilitador foi a expansão da agricultura para dentro das cidades. A falta de alimentos acendeu um movimento de criação de hortas urbanas, tendo todos os pedaços de terra livres em Havana sido convertidos em hortas.

Mas o mais importante elemento (além do poder da comunidade, é claro) foi a redução drástica no uso de energia, facilitada pela difusão da permacultura. Este modo de gestão da produção agrícola permite obter uma produtividade elevada com um uso restrito de recursos, tendo chegado primeiramente a Cuba nos anos 1990 através de um grupo de voluntários da Austrália.[1]

O esforço de redução no consumo de energia foi, naturalmente, expandido a outras áreas. O uso do transporte público aumentou, assim como a partilha de automóveis. O país encheu-se de bicicletas, quando anteriormente havia ainda poucas em circulação. Aparelhos eletrónicos ineficientes foram banidos, como as lâmpadas incandescentes, e as pessoas adaptaram-se a um modo de vida menos intensivo em energia. Projetos de micro-geração usando energias renováveis surgiram por todo o país.

Com a reconversão da agricultura para modos de produção ecológicos, a produção de vegetais, leguminosas e tubérculos aumentou para o dobro ou o triplo entre 1988 e 2007, apesar de uma queda de entre 55 e 85% no uso de agroquímicos. Em Havana e outras cidades, mais de 70% de vegetais consumidos são cultivados em hortas urbanas. Cuba ainda não é auto-suficiente, mas as importações de alimentos têm vindo a descer continuamente e hoje é o país da América Latina e Caraíbas que regista maior ingestão de calorias per capita.[2]

O sucesso do modelo agroecológico cubano é inegável, tendo mesmo inspirado um documentário com fama internacional.3 Mas este modelo pode estar em perigo. Muitos oficiais do regime persistem em querer voltar ao modelo antigo, de monocultura industrial, e o governo tem negociado acordos com a Venezuela para obter o petróleo e os agroquímicos necessários. Culturas de alimentos geneticamente modificados, incluindo uma variedade de milho transgénico cubano, estão a expandir-se, apesar da oposição de muitos agricultores e cientistas.

O exemplo cubano mostra-nos como é possível reorganizar a nossa agricultura de forma a reduzir o uso de energia e de químicos, preservando os solos e libertando a produção de alimentos da dependência do petróleo. Mas também nos mostra como essa reorganização tem sido feita sobretudo à custa da força coerciva exercida pelo fim do acesso aos recursos. Daí que seja necessário sobretudo promover uma mudança consciente, envolvendo a população e o governo. Caso contrário, mudaremos apenas quando for absolutamente imperativo e aí já teremos de lidar com danos ecológicos irreversíveis.

[1] Ver entrevista com o permaculturalista Roberto Pérez Rivero.

[2] Miguel A. Altieri e Fernando R. Funes-Monzote, “The paradox of Cuban agriculture”,Monthly Review, Janeiro 2012.

Ricardo Coelho é economista e especializado em economia ecologica.

2 comentários:

  1. "Mudar quando for imperativo", eis a questão. Acho ingênuos esses comentários de alguns deslumbrados com a agroecologia em Cuba, como se eles praticassem a agroecologia porque querem, e não por não ter escolha! Pra mim, a maior prova do fracasso dessa "agroecologia" atual é o fato de que ela, mesmo amplamente disseminada, não consegue suprir nem metade das necessidades de um país - e estamos falando de de um país "pequeno", com uma população menor do que São Paulo!

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  2. E a monocultura indistrial que o economista é contra consegue anônimo?

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