"Viva a Revolução Cubana", faixa em rua de Cuba | Foto: EFE |
Do Opera Mundi
Logo nos primeiros anos após o colapso da União Soviética, em dezembro de 1991, algumas medidas centrais foram adotadas pelo governo cubano para resolver o descalabro econômico e resolver o gargalo de abastecimento, que dependia da obtenção de divisas para importação de bens e serviços.
A posse de dólares e outras moedas estrangeiras foi legalizada, bem como seu uso corrente em qualquer transação realizada na ilha, com a liberação para operações de câmbio em bancos e hotéis. As cooperativas camponesas receberam 58% das terras do Estado em usufruto gratuito, para produzir e vender livremente parte de sua produção, em mercados cuja formação de preço não era mais regida pelo poder público. O orçamento foi adequado a um plano de prioridades, com drásticos cortes que afetaram todos os setores, particularmente a burocracia estatal, mas arranharam menos as rubricas de saúde e educação.
A política monetária definiu um controle estrito dos gastos e da emissão de dinheiro. Alguns bens e serviços ficaram mais caros – principalmente os não essenciais, como cigarro e bebida. O emprego por conta própria – em pequenas firmas nas quais só podiam trabalhar familiares – ganhou estímulos. Permitiram-se restaurantes (chamados de “paladares”), carros de praça e oficinas de reparo, por exemplo, que não eram estatais. O turismo foi fixado como setor prioritário, graças às possibilidades de atrair pronta liquidez em moeda forte. Uma lei para investimento estrangeiro, aprovada em 1995, admitiu a associação do capital internacional com o Estado em diversos projetos, com exceção da educação, saúde e segurança.
“Não tínhamos outra saída se não criar uma economia dual”, afirma o economista Lazaro Pena, pesquisador do Centro de Investigações de Economia Internacional, vinculado à Universidade de Havana. Ou seja, “um setor tradicional, dirigido pelo plano estatal e circunscrito à moeda nacional; outro setor que opera fora do plano, de propriedade privada ou mista e que negocia em dólares”. Para organizar o câmbio, foi criada uma nova moeda, paralela à antiga, para compra e venda de divisas estrangeiras, chamada CUC, o peso conversível cubano, obrigatório em transações de estrangeiros a partir de 2004.
Impactos
Os resultados não tardaram a aparecer. O PIB (Produto Interno Bruto) de Cuba, entre 1995 e 2000, cresceu a uma média anual de 3,6% – contra 3,2% do conjunto da América Latina – e deu um salto de 6,2% em 1999, enquanto a região não passou de 0,2%.
A moeda nacional recuperou valor com a entrada massiva e o livre curso do dólar, que paulatinamente baixou a uma cotação entre 20-25 pesos, depois de chegar a 120 pesos no auge da crise. A nova taxa cambial barateou os produtos que eram vendidos nos mercados desregulados. O padrão alimentar subiu para 2,4 mil calorias diárias. O consumo geral cresceu a uma taxa anual de 4% a 6% a partir de 1995, até o início do novo século.
A dualidade econômica agrediu alguns dos postulados da revolução. Um deles foi o da igualdade social. Os cubanos com acesso a divisas e ao CUC – principalmente através do turismo e das remessas provenientes de familiares que vivem nos EUA – conquistaram poder aquisitivo superior aos demais cidadãos. Estabeleceu-se uma lógica perversa: profissionais com maior nível de formação perderam renda para carregadores de mala, vendedores de pizza e garçons. Os salários em Cuba são fixados em peso nacional, mas a possibilidade de receber uma gorjeta ou um pagamento extra em peso conversível ou moeda estrangeira faz uma enorme diferença.
Outro custo importante foi o fim do pleno emprego. Muitas fábricas e empresas fecharam durante o período especial. As autarquias do Estado tiveram que reduzir seus gastos e cortaram pessoal. Uma parte dos demitidos encontrou nova perspectiva trabalhando por conta própria no setor não estatal. Outra teve a oportunidade de uma recolocação a partir da reativação econômica. Mas passaram a existir desempregados vagando pelas ruas.
Educação e saúde
No entanto, nem mesmo as dificuldades pós-soviéticas desestruturaram os principais orgulhos da Revolução Cubana: os setores de educação e saúde. Ou sequer provocaram uma queda da classificação do país nos indicadores mundiais. Relatórios da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), sobre o padrão sanitário, continuaram a mostrar os cubanos na frente de toda a América Latina e entre os dez países mais s audáveis do planeta. O critério adotado foi a mortalidade infantil até os cinco anos de idade. Cuba apresentou oito mortes anuais para cada mil nascidos em 1999. Dez anos depois, havia caído para 4,9 – a menor de todo o continente americano, incluindo Canadá e EUA.
Cuba continuou entre os 70 países que ostentam alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), acima de 0,800. Em 2007, o IDH foi de 0,838 (51° lugar). Na América Latina, só ficou aquém do Chile (40º lugar), Uruguai (46º) e Costa Rica (48º). A nação caribenha ostenta o maior gasto mundial relativo com educação, atingindo 8,96% do PIB, seguida pela Dinamarca (8,51%) e pela Suécia (7,66%).
“Sem a revolução, não passaríamos de um Porto Rico”, declara Peña. “Se tivéssemos seguido o rumo dos russos [ou seja, caminhado para a volta do capitalismo], estaríamos pior do que o Haiti”. Os compatriotas de Fidel aparentemente aceitaram os sacrifícios do período especial para preservar uma maneira diferente de viver. Mas enfrentam situações dramáticas, algumas delas surgidas das contradições engendradas pela política de sobrevivência adotada para preservar seu sistema social.
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