segunda-feira, 11 de julho de 2011

Gabriela Mistral: "Sempre Cuba... em minha vida..."


Havana, (Prensa Latina). "Cuba está entre os povos que mais amo por causa do que devo a seu escritor fundamental e também porque seu povo sempre me acolheu generosamente", disse a escritora chilena Gabriela Mistral (1889-1957) para confirmar sua presença no ato oficial comemorativo pelo centenário do natalício do José Martí em Havana, em 28 de janeiro de 1953 (Carta de Gabriela Mistral, 1952).

O comentário resume os dois pilares fundamentais que sustentaram o vínculo de Gabriela com este país, iniciado em 1921 com colaborações nas revistas Cuba contemporânea e Social.

Em primeiro lugar está seu reconhecimento sempre presente à obra poética de José Martí -a qual colmou inquietudes estilísticas e conceituais da autora de Lagar-, e ao pensamento do herói cubano, que ultrapassou as fronteiras nacionais para se instalar definitivamente no âmbito continental, ideário por ela lido e relido até atravessá-lo com novas iluminações.


Aludiu em um segundo momento à amabilidade sentida em atos públicos, conferências, recitais de poesia e outras apresentações, e às gentilezas dos intelectuais cubanos, interessados desde cedo na poesia mistraliana, merecedora de artigos que desde 1926 destacaram a intensidade do amor e do desprendimento de seus versos, entretanto abria inesperadas condutas ao ser americano, ao signo de identidade regional, e a um trabalho de aproximação dos povos da área mediante a cultura e pela justiça social.

Ao fervor martiano, ao agradecimento aos leitores e devotos de seus escritos em geral, e à comunhão de interesses e afinidades com figuras da cultura e o magistério, uniu-se -como um terceiro assentamento- a atração pelo país propriamente dito; não só a motivou o conhecimento de lugares da capital usualmente frequentados, senão percorreu do ocidente ao oriente da ilha, das vegas de Pinar del Río à cidade de Santiago de Cuba, sem desdenhar a formosa praia de Varadero.

Por isso disse no final de 1952, três décadas após sua primeira estadia neste país, visitado em quatro oportunidades, que "Cuba sempre esteve presente em minha vida apesar dos anos. Ela é inesquecível" (Carta..., 1952)

ESCRITOR FUNDAMENTAL

Os melhores ensaistas de Cuba destacaram os fundamentos mistralianos a respeito da originalidade de Martí sustentada no tom, o vocabulário e a sintaxe; Gabriela realçou também em 1931, em Cuba, as virtudes do orador, assentadas no impulso da expressão, a vitalidade, e também o "desatado luxo metafórico" (Mistral, 1934) que ela relacionou com a efusão e a abundância do trópico.

A que chegaria a ser o primeiro Prêmio Nobel de Literatura da América Latina, em 1945, ponderou sete anos antes, em 1938, em Havana, os Versos singelos de Martí, "semente genuína do ser" deste homem excepcional, estrofes nas que observou profundidade e trascendência emanadas de uma poesia próxima à tonada popular (Mistral, 1939).

Sobre o primeiro destes ensaios, "A língua de Martí", o escritor cubano Jorge Mañach, autor por sua vez de uma importante biografia sobre o Apóstolo, elogiou o "silêncio fundo" e os "pontos tão bem escolhidos" (Carta de Jorge Mañach..., 1932).

Outro autor cubano, Juan Marinello, acreditou ser um "achado supremo" de Gabriela sua proposta de que no escritor fundamental "o importante, o ímpar, é o tom" (Carta de Juan Marinello..., 1940).

O estudo dos Versos Singelos, de 1938, foi catalogado em Havana como peça antológica da América ("José Martí...", 1939).

Para Gabriela, o herói cubano é um provedor de conceitos "mas como lhe sobra energia, ele pode se ocupar de regar sobre a ideologia um jato de bravura, um caminho de metáforas que não lhe acaba nunca", como forma de ressaltar, antes de mais nada, os ideais do Apóstolo, apresentados em uma senhorial estrutura, e sobre o tema disse: "Martí conserva sempre sob o floreado o osso do pensamento" (Mistral, 1934), corpo de significados e formas que ela considerou ser seu "mestre e guia".

ACOLHIMENTO GENEROSO

Desde a primeira visita a Cuba, em 1922, até a última, em 1953, Gabriela deixou registro da amabilidade com a qual foi recebido, e a qual agradeceu com palavras esplêndidas.

Durante o acolhimento de intelectuais em 1922, no hotel Inglaterra, em Havana, afirmou que não tinha como sentir nostalgia no meio de uma luz que banha para possuir, e no meio de pessoas cuja simpatia penetra e acende como a própria luz " ("A Mistral em...", 1922).

Recebeu, durante a estadia de 1938, uma homenagem memorável no anfiteatro de Havana, ao qual foram mais de seis mil pessoas, reconhecimento que se multiplicou em importantes cidades do país: Santiago de Cuba, Santa Clara, Cienfuegos, Trinidad... (Roque, 2011)

De Nova York, em março de 1953, Gabriela anunciou -como Cônsul de livre eleição- que assumiria o consulado do Chile em Santiago de Cuba, anseio de anos anteriores nesses momentos de possível realização, mas pouco depois decidiu permanecer nessa cidade norte-americana e assim os intelectuais cubanos perderam a oportunidade de tê-la entre os seus.

CUBA, INESQUECÍVEL

Gabriela sentiu-se próxima de intelectuais cubanos, cujos encontros em Havana, em qualquer cidade do país antilhano ou em outras partes do mundo dão fé da proximidade espiritual mantida pela autora chilena durante décadas com estes escritores, artistas e professores.

Irmã de mais de vinte anos chamou a autora chilena a poeta, desenhista e conferencista cubana Dulce María Borrero ("A plática de...", 1938) e na despedida ao narrador, dramaturgo e diplomata cubano Alfonso Hernández Catá -depois do acidente de aviação no qual este perdeu a vida-, Gabriela se referiu ao escritor, ao jornalista, em seu trabalho de cooperação intelectual das Américas e também ao amigo (Mistral, 1941).

Esta presença inesquecível de Cuba em Gabriela teve sua reciprocidade na nação caribenha, com ensaios perduráveis sobre a obra mistraliana; a lembrança desta autora, sua vida e sua obra incitam hoje em Havana novas buscas e achados.

* Autora do livro Com espumas de sinais: Gabriela Mistral e Cuba (Santiago de Chile: Novo Extremo, 2011), apresentado em 30 de junho na Casa do Escritor da Sociedade de Escritores do Chile. Estas palavras foram um pedido da embaixadora de Cuba nesse país, Ileana Díaz-Arguelles Alasá.

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