sexta-feira, 29 de abril de 2011

Cuba: VI Congresso do PCC e as mudanças necessárias

por Narciso Isa Conde
Adaptado para português - Brasil por Solidários

 
As tendências da política econômica e social apresentados originalmente à sociedade cubana para ser considerados pelo VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, foram sensivelmente modificados nos seus aspetos mais negativos, pelo que a sua emenda e aprovação constituem um significativo passo de avanço em relacionamento com as propostas iniciais.

O mérito nesses resultados há que atribuí-lo à inteligência coletiva das bases do partido e da sociedade cubana, à sua intelectualidade revolucionária e aos seus melhores quadros políticos; como também à receptividade da sua atual direção em frente à avalanche crítica provocada pelas propostas mais incompatíveis com a necessária reafirmação da orientação anticapitalista e pró-socialista da revolução iniciada há 50 anos.

Inclusive antes do Congresso recém concluído, as medidas mais questionadas, algumas delas em processo de execução, foram sabiamente detidas para ser reformuladas.

O Relatório ao VI Congresso do PCC a cargo do comandante Raúl Castro revelou a riqueza do debate previamente realizado, ainda com os seus limites quanto à expressão nos meios de comunicação de massas; bem como as mudanças positivas introduzidos ao documento original, finalmente aprovado com todas as emendas assinaladas nesse relatório.


Avanços pontuais

A supressão dos empregos estatais super-numerários e a passagem desses trabalhadores/as do setor público ao conta-proprismo já não se realizará em prazos compulsivos. O cronograma de execução será revisto e se dará uma maior ênfase nas garantias econômicas e sociais que possibilitem o seu eficaz cumprimento sem afetar as condições de vida dessa significativa parte da população cubana.

A gradualidade e as garantias aprovadas permitiram ainda debater e examinar o tema para além da simples proliferação da propriedade individual, criando espaços para contemplar posteriores modalidades associativas nesse setor.

Um tratamento gradualmente prudente recebeu o sensível tema da supressão do caderno de racionamento.

A abertura à exploração do trabalho assalariado por proprietários privados foi felizmente descartada, dado que poderia constituir-se em uma via de restauração e avanço do capitalismo privado.

A criação de "zonas especiais" para o investimento estrangeiro (tipo China) não aparece já entre as resoluções. Igual sorte, ao que parece, tiveram as anunciadas concessões para a instalação de campos de golfe, residências para milionários do exterior e projetos turísticos incompatíveis com a segurança ambiental e a soberania.

A abertura à diversidade de "formas não estatais" de propriedade fica muito melhor delimitada, com ênfase no conta-proprismo, a pequena propriedade agrária, a concessão de terra cultivável em usufruto, as cooperativas e as empresas mistas (estado-investidores) bem reguladas.

Reafirmação e limitações

A descentralização e relativa autonomia das empresas do Estado contida na proposta original, foi reforçada; embora perdura a resistência à sua socialização, ao seu traspasso aos trabalhadores, à autogestão operária e a co-gestão entre trabalhadores e Estado.

A propriedade estatal baseada na exploração do trabalho assalariado segue sendo denominada "empresa estatal socialista" e erroneamente considerada como a principal modalidade do sistema de propriedade na transição ao socialismo; o que sem dúvida é uma má herança - com pretensões de ser reformada e melhorada, em tanto forma descentralizada - do velho estatismo transplantado dos colapsados regimes da Europa Oriental.

O documento fica curto assim que economia política, especificamente no tema da identificação e ensaio de variadas formas de propriedade social e/ou coletiva (auto-gerida, co-gerida, autárquica, setorial, comunitárias, associativas); capazes de suplantar propriedades e gestões estatais geradoras de burocracia, tecnocracia e elitismo.

A referida formulação sobre planejamento e mercado, requer de maiores precisão quanto ao tipo de planejamento e ao tipo de mercado.

A planificação precisa ser desburocratizada, democratizada, convertendo-a em produto da participação de todos os sujeitos que intervenham na produção, distribuição e consumo.

Os orçamentos requerem ser participativos, desenhados em função do sentir e a necessidade da sociedade e os seus componentes.

Em determinadas fases da transição socialista os mercados - diferentemente do existente no capitalismo neoliberal - poderiam constituir em um cenário de concorrência regulada entre as empresas estatais autonomizadas, as de variadas formas de propriedade social e os proprietários individuais. Mas ao mesmo tempo deveria repensar-se sobre a maneira de introduzir concomitantemente em determinadas áreas da economia fórmulas como as propostas pelo Che (sistema orçamentar de financiamento) e ir substituindo progressivamente a economia de mercado baseados em preços pela economia de equivalências baseada no intercâmbio de valores calculados pela força de trabalho manual e intelectual investida na sua criação.

Metas pendentes

O VI Congresso do PCC foi concebido para se concentrar no econômico e social, e postergar as necessárias mudanças no sistema político e jurídico-institucional. Essa foi, a meu entender, uma das suas grandes limitações, embora não necessariamente inamovível; já que o debate segue e está fixada uma Conferência Nacional do PCC para janeiro de 2012, que poderia abordar algumas vertentes deste importante problema.

A democratização em grande do sistema político e das instituição segue pendente, com o fator positivo da crescente participação, mais ou menos soterrada, mais ou menos aberta, das bases da sociedade e do partido por vias tanto regulares como de fato.

Na minha opinião a socialização do estatal e a democratização de todas as expressão do poder político, social, cultural e comunicacional, devem ir de mão e se acompanhar de plano progressivo que contemple a maneira de extinguir o Estado a favor do poder da sociedade; um programa que precise como o fazer a médio e longo prazo, sem afetar o seu papel coercitivo e transformador na transição do capitalismo para o comunismo.

Notas relevantes e destacáveis

Ora bem, para dizer a verdade, embora tenha faltado economia política e democratização política em sentido geral, o tema de qualquer jeito impactou para além do previsto originalmente. O debate forçou a tê-lo em conta e provocou reflexão e decisões relevantes parcialmente contidas no discurso de Raúl.

Nessa ordem reveste muita importância tanto a resolução sobre o tempo limite (dois períodos, dez anos máximo) para os servidores públicos eleitos no partido e o Estado. Isto, se for cumprido, será um passo transcendente para evitar no futuro a eternização dos dirigentes nos cargos públicos. O sinal seria mais preciso se desde agora se tivessem feito seleção mais equilibradas a favor dos setores relegados.

Também são alentadoras as reflexões preliminares sobre a separação dos papéis e cargos do partido e do Estado e sobre os métodos condução e relacionamento com a sociedade, embora desde já, para ser mais convincente, deveu-se evitar a sobreposições de cargos nas alturas. A distância entre palavras e fatos não poucas vezes criou insatisfações evitáveis.

Colocou-se o dedo em várias feridas significativas quando o camarada Raúl, em forma valente e autocrítica, considerou "uma vergonha" que após 50 anos de revolução as mulheres, a juventude, os/as negros/as e mulatos/as não estejam devidamente representados/as nos órgãos de direção, decisão do processo.

Essa expressão bate nos seus eixos resistentes as "culturas" machista, racista e adulto-central, mais lá dos direitos formalmente consagrados. Ignorou, no entanto, o relativo à liberdade de opção sexual e aos direitos de homossexuais e lesbianas.

Lástima que a posterior conformação dos órgãos dirigentes por este Congresso não fosse coerente com essa transcendente autocrítica com respeito à débil representação das mulheres, os jovens e os negros nas instâncias de decisão do partido!

O anti-imperialismo e o anticapitalismo encharcaram o debate pré-congresso e em conseqüência em vários espaços no discurso do camarada Raúl Castro expressou-se com renovados azos. Daí, e pelo descarte da privatização empresarial capitalista, as inconformidades da direita mundial.

Falta, no entanto, a partir dos diferentes papéis do Estado, governo, organização sociais e partido, a definição do novo internacionalismo revolucionário para evitar que os interesses de Estado e as políticas circunstanciais do governo, primem sobre o interesse da revolução continental e mundial e sobre a necessária solidariedade com os sujeitos sociais e políticos transformadores na luta do trabalho contra o capital e dos povos oprimidos contra o atual imperialismo senil e pentagonizado (da sede militar ianque).

Resta ver a evolução do processo anteriormente a estes acordos congressuais e especialmente a resistência da burocracia como "classe imprevista" aos seus melhores conteúdos; conglomerado social capaz de camuflar-se e aprovar, para depois bloquear. A briga não concluiu nem sequer em relação com o formalmente atingido. Está só em fase inicial.

Confiamos de qualquer jeito nas grandes reservas revolucionárias desse povo fraterno e das suas forças de vanguarda.

Enfim, o "sazoncito" chinês com que se contaminaram inicialmente as "reformas" propostas, foi sensivelmente neutralizado, embora não totalmente eliminado; dado que não poucos revolucionários/as cubanos e do mundo o objetamos de maneira firme e persistente, impactando nas decisões congressuais.

Saudamos esse passo de avanço, sem depor a ideia de que precisa ser aprofundada e completada!

Até a vitória sempre!

P.S. Esta análise não se esgota aqui, já que será preciso conhecer e examinar nos seus detalhes os documentos finais do referido Congresso, aos quais ainda não tivemos acesso após emendados. A sua versão original foi publicada na Revista La Época, publicada semanalmente em La Paz, Bolívia.

24 de abril 2011

Santo Domingo, RD

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