O Blog Solidários publica a seguir série de reportagens produzidas pelo enviado a Havana Luís Fernando e publicadas no jornal angolano "O País". Aprecie:
O trunfo das conquistas sociais
Serão muito poucos, no mundo, os países que dispondo de uma população a roçar os 12 milhões de habitantes, podem contar com tão elevado número de médicos – 80 mil a prestar-lhes formidáveis cuidados de saúde.
Cuba é, definitivamente, um caso à parte, uma excepção. Dir-se-á melhor, um extraordinário caso de sucesso! Uma realidade feita de números e factos, que não tem política hostil que a escamoteie, e que permite à Ilha caribenha erguer a cabeça para defender o que assume como justo e acertado no modo de gerir as opções de um Estado.
Do cidadão enfiado no povoado mais recôndito à Organização Mundial da Saúde, passando pelos laboratórios da CIA ou os feudos da incendiária corrente de cubanos anti-castristas em lugares como Miami ou Tampa, nos Estados Unidos da América, não há quem deixe de reconhecer as performances fabulosas obtidas no país no capítulo da saúde, sem dúvidas uma das opções que estenderam largamente a base de apoio popular à Revolução de Fidel Castro e companheiros.
A Ilha tornou-se com o passar dos anos numa espécie de paraíso do bem físico, onde maleitas antigas como varíola, difteria, sarampo, poliomielite, rubéola, tétano e febre amarela foram erradicadas e o aumento constante da esperança de vida dos cidadãos ocupou a primeira linha das prioridades, ao mesmo tempo que as valências da ciência abriram caminho a um ousado programa de investigação com a biotecnologia como porta-estandarte.
Infância segura e chegar a super avô Colossais recursos foram aplicados no esforço por tornar Cuba num país de população saudável e livre de mortes evitáveis, que resultou em pleno e projectou os indicadores entre o melhor do melhor que as nações do Hemisfério Ocidental podem exibir.
Na infância, a probabilidade de se morrer antes de atingir os cinco anos ficou reduzida a um número record de 7 crianças por cada mil, cifra que bate os Estados Unidos da América (8) e o Brasil (33) e que só perde a favor do Canadá, onde o índice está fixado em 6. Com uma infância cuidada, rodeada de vacinas de rigoroso seguimento e uma política de prevenção de doenças nunca deixada ao acaso, os resultados repercutiram-se de forma inevitável na idade adulta, onde em média os homens morrem só depois de chegarem aos 75 anos de idade e as mulheres quatro anos mais tarde (79). O país encheu-se por isso de anciãos, o que qualquer olhar displicente de transeunte comprova, nas varandas das vivendas ou nos parques arborizados, onde os superavôs queimam tempo jogando ao dominó.
Terra de descobertas científicas
A biotecnologia, desafio que não são muitos os países que a ele se podem lançar, virou uma espécie de moda desde a década de 90, com experiências das mais variadas e resultados que ruborizam os colegas em laboratórios sofisticados de países como França, Japão, Alemanha ou Estados Unidos da América.
Praticamente tudo se investiga em Cuba, dos produtos de origem animal à combinação molecular mais complexa na Natureza, sem esquecer elementos da flora como a abóbora, o mel e a omnipresente cana de açúcar, cuja cera permitiu, na década de 90, o primeiro grande grito “eureka!” na procura de respostas para um dos mais temidos handicaps da população adulta masculina: a falta de erecção. O PPG, nome comercial de um medicamento que bem poderia ser considerado como o antecessor glorioso da milagrosa pílula azul da multinacional Pfizer, o Viagra, levou a Cuba gente de diferentes recantos do Mundo ao longo daquela década, para recuperar o velho sonho de ser feliz em conseguidos empenhos de alcova.
Como o PPG, vários outros hits memoráveis fizeram a história das ciências cubanas no campo da biotecnologia, sendo certo que hoje o país exporta uma eficiente vacina contra a Hepatite B para mais de 30 países do Mundo. Além disso, possui mais de seiscentas (600) patentes registadas de drogas novas como proteínas, anticorpos monoclonais, vacinas e sistemas de diagnósticos.
Educação : todos a ler e escrever
Antes da chegada dos “barbudos” ao poder, em cada universo de cem “guajiros” (camponeses), 40 deles não sabiam ler nem escrever. Um desastroso estado de iletracia que nas cidades encontrava um ligeiro alívio mas, ainda assim, não permitia ao país exibir taxas que o retirassem da vergonha: 23% do total da população cubana era analfabeta antes de Janeiro de 1959.
Cinquenta anos depois, não há analfabetismo em Cuba. A própria CIA, quando há quatro anos publicou uma espécie de foto real do mundo sem desfoques da política – o volume The World Factbook 2007 – confirmou que 99,8% da população cubana acima de 15 anos de idade, sabe ler e escrever.
Será esta provavelmente a frente melhor conseguida na Revolução e no sonho quase quixotesco de um homem da burguesia latifundiária que largou mordomias para se aliar aos deserdados da Humanidade, Fidel Castro Ruz. Num país em que todos lêem e todos escrevem; num país em que se deve chegar, por obrigação constitucional, até à 9ª classe como mínimo do esforço individual; num país em que da pré primária à Universidade o acesso ao saber não custa um único centavo às famílias, estão criados, em tese, os alicerces para se produzir o progresso sustentado, sem temor a que se lancem, todos os dias, reptos novos porque estão lá as competências humanas.
Todos os outros domínios em que Cuba se fez grande, rivalizando com gigantes que o deveriam olhar de soslaio – como no desporto e algumas manifestações da cultura universal, balett, música, literatura, pintura – devem a caminhada à mais do que acertada ideia de se investir fortemente na escola.
A inevitável rota do turismo
Do mesmo jeito que Fidel Castro se defende, filosoficamente, que caiu no regaço da ideologia comunista porque os Estados Unidos da América com a sua política de persistente acosso e má vizinhança não deixou outra alternativa à “sua” Revolução nos primeiros anos da década de 60, também se pode dizer que as dificuldades acrescidas que surgiram no começo dos 90 empurraram Cuba na direcção do turismo de massas, com todos os riscos de contágio inerentes à guinada em nome da sobrevivência.
À luz do recato ideológico, foi pelos vistos uma medida difícil de adoptar, mas face à verdade dos tempos, quando a União Soviética tinha deixado de garantir o suporte que sempre havia sido para Cuba, acabando ela própria por não poder sequer ajudar-se a si mesma desfazendo-se em fanicos, o turismo como alternativa salvadora chegou à paisagem cubana do modo mais natural e pacífico. Como então por diversas vezes Fidel Castro anteviu em pronunciamentos públicos (finais da década de 80 e primeiros anos da seguinte), a indústria do lazer tinha condições adequadas para ser facilmente assimilada e desenvolvida no país, partindo-se da certeza de que Cuba dispunha de milhares de jovens com sólida formação académica.
Seria tudo uma questão de os reconverter, preparando-os para as especificidades da arte de acolher viajantes e ajudar-lhes a desfrutar do sol e das praias, da música e do tabaco lendário, da comida e dos mitos erguidos à volta de uma imensidão de factos e realidades, como a própria Revolução e seus dirigentes mais emblemáticos, a começar pelo próprio Fidel. Mas não foram poucos os percalços até ser estruturada uma verdadeira cultura de turismo no país. Para muitos, a utilização intensiva da Ilha para demonstrações de boa vida – que é isso, no fundo, o turismo na sua concepção mais básica – remetia ao passado de gangsters e mafiosos das décadas de trinta, quarenta e cinquenta do século XX, tempo em que, para os americanos a apenas 90 milhas de distância, ganhava-se dinheiro em casa para gastá-lo no quintal das traseiras, Cuba.
Além disso, estava também muito presente o conflito das ideologias, pois o turismo com todos os seus riscos periféricos – prostituição, corrupção, desigualdades, subornos – valia para tudo menos para ajudar a consolidar a pureza mental em tempos de formação do chamado “homem novo”. Os jovens, eles sobretudo, viram-se num repente lançados para o epicentro de uma disputa de interesses, que por um lado considerava a necessidade urgente de se conseguirem recursos financeiros para se não perderem as conquistas mais caras à nação – ensino gratuito, saúde gratuita, cultura em expansão e desporto de campeões – e, por outro, achava abominável a promiscuidade entre o Socialismo e os sintomas de um capitalismo combatido a tempo inteiro em manuais escolares e na prática quotidiana. Como lidar com as lacras inevitáveis da abertura turística, o surgimento de um lumpenato alimentado à sombra das gorjetas do turismo, os vícios impossíveis de travar ligados aos subterrâneos da chamada indústria sem chaminé? Inquietações agudas que tomaram de assalto as ruas, os corredores das universidades mas, sobretudo, as assembleias da organização dos jovens, a UJC, canteiro dos futuros quadros e dirigentes do Partido Comunista Cubano (PCC).
Nem respostas definitivas nem consensos fáceis mas apenas a certeza, para radicais e moderados, que Cuba não tinha outro caminho a seguir que não fosse a abertura das fronteiras ao turismo. O tempo deu razão a todos, porque rapidamente o sector se converteu na principal fonte de divisas para a economia nacional, sem indícios de deixar de sê-lo tão cedo, num tempo em que os outros produtos de cotação internacional – o açúcar e o níquel – andam com preços de baralhar as contas e os planos de quem governa: muito baixos!
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