terça-feira, 2 de novembro de 2010

Guillermo Fariñas e o Prêmio Sajarov

Por Salim Lamrani* no site kaosenlared

Tradução de Sturt Silva do Blog Solidários

No  dia 21 de outubro de 2010, o Parlamento europeu anunciou o vencedor do Prêmio Sajarov 2010, atribuído por "espírito de liberdade" ao "dissidente" cubano Guillermo Fariñas Hernández. Segundo a instituição européia, este se inscreve "em uma longa linhagem de dissidentes, defensores dos direitos humanos e de liberdade de pensamento.”. O presidente do Parlamento, Jerzy Buzek disse que o adversário do governo de Havana "estava pronto para arriscar suas vida e saúde para mudar as coisas em Cuba". Esta é a terceira vez em nove anos que um dissidente cubano recebe esta distinção, depois de as Damas de Branco em 2005 e  de Oswaldo Payá em 2002. [1]

É preciso falar sobre o perfil  de Guillermo Fariñas e como se deu sua  entrada no mundo dos dissidentes em Cuba, antes de debater a politização do Prêmio Sakharov.

Guillermo Fariñas

Nascido 03 de janeiro de 1962, Guillermo Fariñas é um ex-soldado que serviu em Angola, em 1981, na luta pela independência da nação africana, contra o regime racista da África do Sul. Por muito tempo foi um fervoroso admirador do processo revolucionário cubano, sendo que seu pai teve participado na luta contra a ditadura de Fulgencio Batista, ao lado de Fidel Castro. Após a queda do Muro de Berlim em 1989 e o surgimento das primeiras dificuldades econômicas em Cuba, abandona a Juventude Comunista, sem tomar no momento, uma posição política contrária ao governo em Havana. [2]

Foi somente em 2003, que ele fez uma mudança ideológica de 180 graus e da às costas para as idéias que defendia anteriormente. Junta-se os dissidentes e fundam a agência de notícias Cubanancan, financiada por "anti-castristas cubano-americanos", segundo a agência estadunidense de notícias .[3] O Parlamento europeu diz que ele é "defensor da não-violência", e fez "pelo menos  23 greves de fome para chamar a atenção para a opressão aos dissidentes e reivindicação pela falta de liberdade do acesso à Internet. " Salienta também que foi condenado a onze anos de prisão, na verdade nove, porém ficou detido por  pouco mais de um ano ,sem ter conhecimento das razões das condenações.[4]

Em nenhum momento, os organismos europeus disseram que sua estadia na prisão  foi devido a seus delitos comuns, e sim  há atividades políticas. A decisão do Parlamento Europeu sobre ocultação do registro criminal  de Fariñas é compreensível porque seus atos criminosos desacreditariam a alegação de "não violentos"  do Prêmio Sakharov 2010. [5]

Na verdade, Fariñas tem graves antecedentes criminais.  Em 1995, ele foi condenado a três anos de prisão  e uma multa de 600 pesos após agredir violentamente uma mulher, colega do Instituto de Saúde, que ocupava uma posição, como psicólogo, causando vários ferimentos no rosto e nos braços. Em seguida, fez sua primeira greve fome. [6]

Em 2002, na cidade de Santa Clara, na província de Lãs Villas, Fariñas agrediu um homem idoso com uma bengala. O velho homem ficou gravemente ferido, foi levado ao hospital onde se submeteu a uma cirurgia de emergência para remover o baço. Depois do crime, foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão.  Mais uma vez realizou uma greve de fome e foi concedida uma licença de extra-penal  em 05 de dezembro de 2003, por razões de saúde.[7]

Neste sentido, a agência de notícias EFE, noticiou apenas que ele foi condenado "a acusação de conduta desordeira e atentado ao publico", sem fornecer mais detalhes. [8] Enquanto isso, a Associated Press é mais explícita e aponta que "alguns dos seus problemas jurídicos são devido à agressão de um colega e  um comportamento violento ".[9]

Em 2005, Fariñas começou outra greve de fome e exigindo que o governo cubano fosse instalar internet em  sua casa. Ele se reuniu com a representação diplomática americana, Seção de Interesses, que financia suas atividades em Havana. O jornal francês Libération disse "Fariñas nunca se recusou a receber" doações "do S. I. para adquirir um computador e fazer o seu trabalho de" periodista independente “na Internet”. [10]

Mas Guillermo Fariñas foi realmente noticiado a partir do dia 24 fevereiro de 2010, quando começou, em casa, uma greve de fome, que durou até 8 de julho de 2010, para exigir a libertação dos chamados "prisioneiros de consciência”, referindo-se aos opositores condenados por aceitar o financiamento dos EUA. [11] Por outro lado, a este respeito, a USAID , no âmbito do governo federal dos EUA, admite que financia a oposição cubana. [11] Segundo a Agência para o ano de 2009, o montante da ajuda aos dissidentes cubanos ascendeu a 15,62 milhões de dólares. "A grande maioria deste dinheiro vai para os indivíduos que estão em Cuba. Nosso objetivo é maximizar uma maior quantidade de apoio a partir de beneficio aos cubanos na ilha". [12]

A organização governamental também enfatiza o seguinte ponto: "Nós temos treinado centenas de jornalistas durante um período de dez anos, cujo trabalho foi publicado nos principais meios de comunicação internacionais". Esta declaração destrói as alegações sobre a natureza independente dos jornalistas da oposição em Cuba. Treinados e financiados pelos Estados Unidos, estes respondem principalmente aos interesses de Washington, cujo objetivo é, como indicado pelos registros oficiais do Departamento de Estado, uma "mudança de regime" no ilha.[13]
 
Do ponto de vista jurídico, esta realidade está realmente dissidente para aqueles que aceitam a remuneração oferecida pela USAID, em situação de agentes a serviço de uma potência estrangeira, o que constitui uma violação grave do Código Penal em Cuba, mas também há qualquer país do mundo. Questionada sobre isso a Agência  apenas ressalta que "ninguém é obrigado a aceitar ou ser parte de programas de governo nos Estados Unidos”. [14]
 
O mais recente protesto de Fariñas afetou seriamente sua saúde e só sobreviveu graças aos cuidados médicos fornecidos pelas autoridades cubanas. Felizmente, ele não hesitou em expressar a sua gratidão à equipe médica que cuidou dele durante uma entrevista à televisão espanhola, enquanto ainda estava no hospital. [15]
 
Guillermo Fariñas nunca teve dificuldade para expressar as suas opiniões sobre o governo cubano. Ele gozou a respeito de uma liberdade total de expressão. Para demonstrar isso, basta dar uma olhada em uma das suas declarações feitas durante a greve de fome recente.[16] Durante a sua estadia no hospital, regularmente concedeu entrevistas aos meios de comunicação ocidentais, e atacou violentamente as autoridades da ilha.  Aqui estão alguns trechos de uma entrevista com os Repórteres Sem Fronteiras em 08 de abril de 2010: "O regime de Fidel Castro está completamente atrasado, arcaico, com uma total falta de flexibilidade de humanismo, marcado com uma crueldade que deixa seus oponentes publicamente morrer ".Farina não hesita em referir  ao  regime cubano como "totalitário" denunciando "a crueldade, abuso, tortura" que seriam cometidos na ilha.[17]
 
Fariñas não está livre de contradições. Embora altamente crítico do regime cubano e compara a vida na ilha a um inferno, se recusou a emigrar, apesar de uma proposta bem acolhida pela Espanha. [18] De fato, é curioso ver a recusa a viver na nona  potência econômica  do mundo do que  preferir um pequeno país do Terceiro Mundo que sofre com inegáveis dificuldades econômicas agravadas pelo embargo imposto pelos Estados Unidos e pela crise global.  Há uma razão para isso.Se sair de Cuba, Fariñas não receberá mais qualquer ajuda financeira dos os Estados Unidos ou da União Européia.

A politização do Prêmio Sajarov
 
O Parlamento Europeu escolheu, pela terceira vez em nove anos, um dissidente cubano, para o Prêmio Sajarov, apesar da qualidade dos outros dois pretendentes, como a ONG israelense "Quebrando o Silêncio" e a opositora etíope Mideksa Birtukan. [19]

Quebrando o Silêncio foi criada por soldados israelenses e antigos combatentes e "mostra ao público israelense a realidade de sua ocupação, visto através dos olhos dos soldados, colocando um debate sobre o impacto da ocupação prolongada dos territórios palestinos" de acordo com o Parlamento. Em relação à Birtukan Mideksa, trata-se de é uma política e juíza etíope, líder da oposição, condenada à prisão perpétua em 2008 por denunciar a prisão de dissidentes em seu país, que foi depois liberada em outubro de 2010. [20]

Não se trata de criticar Guillermo Fariñas por sua ação. É preciso certa dose de coragem para arriscar sua vida por greve de fome. No entanto, as eleições do Parlamento Europeu é discutível na medida em que  usa em primeiro lugar parâmetros políticos. Na verdade, dominado pela direita, o fato de recompensar outra vez a oposição cubana, em detrimento de todas as pessoas que arriscam suas vidas no mundo real por causa dos direitos humanos e das liberdades, não pode ser aleatória. [21]

Além disso, essa distinção aparece enquanto o governo cubano procedeu à libertação de quase todos os presos chamados de "políticos" listados pela Anistia Internacional. Os treze últimos, após a liberalização de 39 pessoas desde julho de 2010, serão liberados antes do final de 2010, segundo o acordo entre Havana e a Igreja Católica Cubana. [22] Assim nota que a decisão do Parlamento é baseado especialmente em critérios ideológicos e lança uma sombra sobre a credibilidade dos objetivos oficiais do Prêmio Sakharov, com a defesa dos direitos humanos.

Alguns deputados europeus criticaram esta decisão, tomada em comissão limitada a portas fechadas, durante a  Conferência dos Presidentes, e não em sessão plenária, na presença de todos os membros. O deputado Willy Meyer, do grupo Esquerda Unitária lamentou a opção "política não tem nada a ver com a proteção dos direitos humanos no mundo, num momento de guerra e graves problemas que milhares de ativistas de direitos humanos são perseguidos no mundo, enquanto os seus trabalhos não são reconhecidos ou ocultados”. [23] Por sua vez Maria Muñiz, porta-voz dos socialistas espanhóis na Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu, lamentou que os outros candidatos têm sido ignoradas e que "liberação gradual dos dissidentes cubanos presos" não foi levado em conta.[24]

Conclusão

Guillermo Fariñas decidiu, como  oposição cubana, mediado pela mídia ocidental, sobre a atividade dissidente, cujo houve oferecimento de inegáveis perspectivas financeiras com padrões de vida muito superior aos dos cubanos que tem um contexto marcado por dificuldades econômicas e materiais. O Prêmio Sakharov não é apenas um honorário. É também uma recompensa financeira de 50.000 euros. Representa uma soma considerável, especialmente para os cubanos, quando conheces a realidade do sistema social na ilha.Como exemplo, Fariñas não teve que pagar um centavo para a sua permanência no hospital, de vários meses, e nem na sua própria casa, como  85% dos cubanos,e beneficiou na obtenção de comida de graça.

Guillermo Fariñas tem todo direito de expressar abertamente seu desacordo com um sistema político que defendia há 30 anos. Ele não deve ser criticado por isso. Também não se deve esconder seus antecedentes criminais. No entanto, é difícil acreditar, ao ver a poderosa mídia ocidental e os interesses políticos que o apóiam, que sua ação é verdadeiramente independente e voltada para a questão dos direitos humanos. Ao aceitar os elementos de Washington, que apóia publicamente a oposição cubana - está a serviço de uma política destinada a derrubar o governo cubano.

Notas

1 Parlamento Europeo, «  Gros plan sur les droits de l'homme  : le Prix Sakharov 2010  », 21 de octubre http://www.europarl.europa.eu/news/public/focus_page/015-84708-274-10-40-902-20101001FCS84570-01-10-2010-2010/default_p001c004_fr.htm
2 Ibid. ; EFE, «  Fariñas, el rostro de la huelga de hambre por los presos políticos cubanos  », 21 de octubre de 2010.
3 Associated Press, «  EU Rights Prize for Cuban Dissident Farinas  », 21 de octubre de 2010.
4 Parlamento Europeo, «  Gros plan sur les droits de l'homme  : le Prix Sakharov 2010  », op. cit.
5 Ibid.
6 Alberto Núñez Betancourt, «  Cuba no acepta presiones ni chantajes  », Granma, 8 de marzo de 2010.
7 Alberto Núñez Betancourt, «  Cuba no acepta presiones ni chantajes  », op. cit
8. EFE, «  Fariñas, el rostro de la huelga de hambre por los presos políticos cubanos  », op. cit.
9 Associated Press, «  EU Rights Prize for Cuban Dissident Farinas  », 21 de octubre de 2010.
10 Félix Rousseau, «  Fariñas, épine dans le pied de Raúl Castro  », Libération, 17 de marzo de 2010.
11 Salim Lamrani, Cuba. Ce que les médias ne vous diront jamais. Paris, Estrella 2009, p. 79-105.
12 Along the Malecon, «  Exclusive  : Q & A with USAID  », 25 de octubre de 2010. http://alongthemalecon.blogspot.com/2010/10/exclusive-q-with-usaid.html (sitio consultado el 26 de octubre de 2010).
13 Ibid.
14 Ibid.
15 59 segundos, «  Cuba  », 12 de abril de 2010. http://www.youtube.com/watch?v=RRxzicTmWz8 (sitio consultado el 26 de octubre de 2010).
16 Mauricio Vicent, «  Hay momentos en la historia en que tiene que haber mártires  », El País, 2 de marzo de 2010.
17 Reporters sans frontières, «  Interview de Guillermo Fariñas  », 8 de abril de 2010. http://fr.rsf.org/interview-de-guillermo-farinas-08-04-2010,37147.html (sitio consultado el 26 de octubre de 2010)
18 Juan O. Tamayo, «  Fariñas no acepta la oferta de recuperarse en España  », 30 de marzo de 2010.
19 Parlement européen, «  Présentation des trois finalistes 2010  », 1 de octubre de 2010. http://www.europarl.europa.eu/news/public/focus_page/015-84708-274-10-40-902-20101001FCS84570-01-10-2010-2010/default_p001c003_fr.htm (sitio consultado el 26 de octubre de 2010).
20 Ibid.
21 Agence France Presse, «  Los tres premios Sajarov de la oposición cubana  », 21 de octubre de 2010.
22 EFE, «  Damas instan al gobierno a cumplir plazo de excarcelaciones  », 25 de octubre de 2010: Andrea Rodríguez, «  Anuncian liberación de presos no incluidos en acuerdo  », 10 de octubre de 2010.
23 Willy Meyer, «  El premio Sajarov queda hoy tocado del ala  », Izquierda Unida, 21 de octubre de 2010. http://www1.izquierda-unida.es/node/7945 (sitio consultado el 27 de octubre de 2010).
24 Associated Press, «  División de opiniones en España tras premio europeo a cubano Fariñas  », 21 de octubre de 2010.

*Salim Lamrani, professor encarregado de cursos na Universidade Paris Descartes e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée; jornalista francês, especialista nas relações entre Cuba e EUA.  Acaba de publicar Cuba: Ce que les médias ne vous diront jamais.

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