Por Gilson Caroni Filho na Carta Maior
Fidel Castro e Cuba se entrelaçam em uma metáfora perfeita. Como impossibilidades que se reinventam, desafiam analistas e inimigos políticos. Ao completar 84 anos, na sexta-feira passada, o líder cubano voltou a se dedicar ao que parece ser seu passatempo predileto: desenganar os que o desenganam. Há quatro anos quando, por motivos de saúde, teve que se afastar do poder, não foram poucos os que lhe davam como um homem morto.
Neste agosto de 2010, Fidel reapareceu em público, retomando a real e vigorosa crítica da política internacional, ao advertir sobre o grave perigo para a paz, caso Estados Unidos e Israel lancem ataques a instalações iranianas. Analisando o Oriente Médio, o Comandante volta a propugnar por mudanças radicais que permitam ao homem entrar na posse de sua dignidade. É na práxis, e não no isolamento de conspiratas, que o verdadeiro humanismo se reafirma. Sua estatura histórica é universalista por excelência.
Em 1991, com o colapso da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a gigantesca máquina de propaganda estadunidense prognosticou o fim do regime cubano. Passados 19 anos, Cuba, apesar do bloqueio econômico e comercial mantido pela potência imperialista, apresenta o menor índice de mortalidade infantil até o primeiro ano de vida, na América Latina. Além disso, registrou, em plena crise econômica mundial de 2009, aumento do PIB per capita.
Somando-se a estes índices a vantagem de um modelo societário que reconhece legal e concretamente o direito à educação e saúde para todos de maneira gratuita, estará descortinada a mais bela obra que uma sociedade pode desejar: uma nação independente e soberana.
Compreende-se a dificuldade de uma crítica individualista ao lidar com formação política em que o “dar-se à sociedade” ocupa o lugar mais alto em uma escala de valores morais. A tomada do poder em 1959, pelos guerrilheiros de Sierra Maestra, foi o meio para revolucionar as estruturas cubanas. Não foi um golpe de Estado para troca de guarda; para troca de grupos privilegiados, tão comuns na América Latina. Aqueles homens estavam dispostos a mudar as condições de vida da maioria absoluta da população, do amplo contingente desprovido de direitos.
É claro que modificar um país, organizado para servir aos interesses estrangeiros e a uma exígua minoria da sociedade nativa, acarreta toda sorte de problemas e um grande descontentamento nos que perdem privilégios atávicos. A execução dessas transformações – já difícil em circunstâncias normais – sob o bloqueio econômico tornou-se árdua e dependente de uma grande dose de sacrifícios.
Com Fidel aniversariaram as adolescentes que em 1961, ano em que a revolução se declarou socialista, subiram à serra para alfabetizar camponeses. Entoando versos como “Somos la Brigada Conrado Benítez, somos la vanguardia de la Revolución…” lembravam um mártir e, talvez sem entender muito bem tudo o que estava acontecendo, deslancharam o processo educativo da nova Cuba. Além delas, outros homens e mulheres, que viveram a história como fé apaixonada na capacidade do homem de lutar contra a injustiça, também festejaram a sexta-feira.
Aos que lutam pelo respeito aos direitos humanos, é bom recordar que a cultura é o que humaniza o homem. E nós só o humanizamos quando o colocamos no centro dos debates fundamentais, elevando sua qualidade de vida. As crianças reunidas no Parque Lênin, em Havana, não cantaram parabéns apenas para o líder cubano. Pessoas que viveram os tempos capitalistas e outras que nasceram após a revolução têm consciência das dificuldades a serem enfrentadas. Mas continuam acreditando no legado revolucionário por se sentirem participantes ativas do processo.
Como povo esclarecido, bem informado e politizado, o cubano é o verdadeiro crítico do seu regime. Critica e aponta saídas. Sabe que é preciso lutar para ampliar a esfera pública, mas tem consciência de que a propaganda orquestrada contra o governo socialista acaba por criar, como subproduto previsto e planejado, uma imagem distorcida de sua realidade. A volta ao capitalismo é impensável. Por isso cantam parabéns para a vontade férrea de não esquecer o significado de cada conquista. Na estreita vinculação, que deve existir entre os interesses do indivíduo e os da sociedade, permanece atual o que vinha escrito nas boinas dos pequenos “pioneros”: “seremos como el Che”. Uma promessa de renascimento permanente.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.
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