Pedro Monzón: Cuba e Venezuela são dois "maus exemplos" que EUA quer eliminar | Foto: Luiza Castro/Sul21 |
Por Marco Weissheimer no Sul 21
A ofensiva desencadeada pelo governo de Donald Trump contra a Venezuela, o endurecimento do bloqueio econômico contra Cuba e o apoio dos Estados Unidos a forças de direita e extrema-direita em vários países do continente fazem parte de um movimento mais amplo que tem como objetivo apagar do mapa todo movimento progressista na América Latina. A avaliação é do cônsul geral de Cuba em São Paulo, Pedro Monzón, que esteve em Porto Alegre no final de semana para participar da XI Convenção Gaúcha de Solidariedade a Cuba, realizada pela Associação Cultural José Martí, no Memorial Luiz Carlos Prestes.
Em entrevista ao Sul21, Monzón falou sobre as novas medidas anunciadas pelos Estados Unidos para tentar asfixiar a economia cubana e o impacto delas na vida de seu país. Após um relaxamento do bloqueio durante o governo de Barack Obama, os Estados Unidos voltaram a apostar no bloqueio para tentar derrotar a Revolução Cubana. Cuba e Venezuela, observa o diplomata, são hoje dois maus exemplos que Washington quer eliminar. “Esses dois países são exemplos de como se pode ser independente e ter uma política independente, não subordinada aos Estados Unidos”, afirma.
Monzón também destaca que as relações privadas entre Brasil e Cuba se mantêm e a esperança é que se desenvolvam. “Há interesses mútuos. O Brasil é um dos principais mercados da América Latina. Há mais de 100 empresas brasileiras mantendo negócios com Cuba, algumas delas há 15 ou 20 anos, e querem seguir com essa relação”. Ele acredita que o processo de direitização na America Latina é provisório e pode ser revertido: “O que aconteceu na América Latina nos últimos anos com os movimentos progressistas deixou uma marca nos povos. Já não é mais a mesma América Latina do passado. Todas as coisas positivas que foram feitas estão agora nos genes desses povos”, afirma.
Sul21: Como Cuba recebeu a notícia das novas medidas de bloqueio anunciadas pelo governo Donald Trump?
Pedro Monzón: Cuba está submetida a um bloqueio dos Estados Unidos há mais de meio século, desde o momento em que decidimos ser independentes em 1° de janeiro de 1959. No governo anterior, Obama decidiu que o bloqueio não era o caminho para destruir a Revolução Cubana. Ele relaxou o bloqueio e estabeleceu relações mais ou menos amistosas conosco, não com o propósito de aceitar a existência da revolução, mas sim de buscar outro caminho, mais inteligente, para tentar acabar com a Revolução Cubana. Para nós, mesmo assim, foi positivo, pois o bloqueio é terrível, afetando não só as relações entre Cuba e os Estados Unidos – o que, por si só, já seria importante -, mas também as relações de Cuba com o mundo inteiro.
Se um país qualquer, nosso amigo, quiser fazer comércio conosco, corre o risco de submeter-se à lei do bloqueio e sofrer sanções. Há companhias financeiras internacionais sancionadas em milhões de dólares por terem mantido relações com Cuba. Nenhuma companhia do mundo pode, por exemplo, comprar o níquel de Cuba, pois esse comércio está proibido pelos Estados Unidos. O turismo nunca foi permitido também, com exceção de algumas categorias especiais que poderiam viajar a Cuba por razões religiosas e acadêmicas, entre algumas outras razões. Agora os cruzeiros que saem dos Estados Unidos foram proibidos também.
O governo Obama permitiu que os cubanos que vivem nos Estados Unidos pudessem enviar remessas em um volume maior que o previsto pelos governos anteriores, sobretudo o governo Bush, que as limitou muito. Obama iniciou um processo de normalização e disse, em mais de uma ocasião, que era preciso esquecer a história e que tudo seria diferente daqui pra frente. Mas todo cubano é culto, tem cultura política e sabe que é impossível esquecer a história. Isso não tem nenhum sentido. A história pesa sobre o presente, sobretudo sobre o presente das relações entre nações. A vitória de Trump demonstrou que não é possível esquecer a história. O novo presidente começou a dar marcha ré em todas as iniciativas de Obama e a tomar medidas muito reacionárias e danosas, além de contar histórias fantasiosas.
Sul21: Que medidas foram essas?
Pedro Monzón: O governo dos Estados Unidos acusou Cuba de promover “ataques sônicos” contra seus diplomatas, como se fôssemos capazes de ter uma arma com essa tecnologia quase sideral. Oxalá fosse assim. Se tivéssemos armas sônicas, poderíamos atacar certos tipos de câncer, usá-las para o bem estar da humanidade, não para causar danos. Vários cientistas já disseram que isso é uma mentira. Alguns inclusive disseram que os sons gravados eram de grilos, na verdade. Pois usaram essa mentira como pretexto – coisa comum na política dos Estados Unidos – para começar a desmontar a embaixada que havia sido reaberta no governo Obama. O consulado que cuidava dos vistos para viagens de cubanos aos Estados Unidos desapareceu, a embaixada foi reduzida ao mínimo e dez funcionários da embaixada cubana nos EUA foram expulsos.
O último capítulo foi a ativação de dois capítulos da Lei Helms-Burton, aprovada em 1996 e patrocinada pela ultra direita cubana e dos Estados Unidos, que estabelecem que qualquer norte-americano, incluindo alguns que eram cubanos antes do triunfo da revolução, possam demandar judicialmente qualquer empresa estrangeira que estiver operando em propriedades que foram de norte-americanos ou cubanos antes da revolução. Cuba, antes da revolução, era uma espécie de apêndice dos Estados Unidos. A maioria das escolas cubanas ocupou as grandes mansões que a alta burguesia tinha em Cuba. Quando a revolução triunfou eles foram embora esperando que ela fracassasse em algumas semanas. Mas a revolução nunca fracassou.
O porto de Santiago de Cuba, antes da revolução, era de propriedade privada, assim como o aeroporto. Vários hotéis eram de propriedade privada também, alguns deles pertencendo à máfia norte-americana. Nós indenizamos vários proprietários canadenses, mas os Estados Unidos não aceitaram as indenizações achando que a revolução não iria durar muito tempo, além de já estarem planejando a invasão fracassada da Baía dos Porcos. Isso criou uma situação sem saída e o assunto ficou trancado. Podemos discutir esse tema das indenizações, mas também queremos discutir quanto nos devem pelos danos causados pelo bloqueio, o que certamente eles não vão aceitar.
Sul21: Como o bloqueio imposto pelos Estados Unidos segue impactando a economia cubana?
Pedro Monzón: Cuba acumula bilhões de dólares em prejuízos causados pelo bloqueio. Temos que negociar com países muito distantes e pagamos preços muito mais caros pelos produtos. Os países e companhias que negociam com Cuba cobram uma comissão pelo risco que correm de sofrer alguma sanção. Nós não aceitamos essa lei extraterritorial, que afeta muitos países que têm investimentos em Cuba, como a Espanha, que tem mais de vinte hoteis. Uma lei dos Estados Unidos não pode violar a soberania de Cuba ou de qualquer outro país.
Os países e companhias que já mantém negócios com Cuba dificilmente vão romper essa relação por conta da ativação desses capítulos. A Europa já protestou massivamente contra essa medida, assim como outros países como Canadá e México, que anunciaram que criarão leis antídoto, por meio das quais, se um empresário canadense, por exemplo, aceitar uma sanção de uma lei americana, o governo canadense também sancionará esse empresário. Nós estamos acostumados a resistir e seguiremos resistindo. Estamos dispostos a resistir eternamente. Quando um povo conquista a dignidade e a liberdade é muito difícil que renuncie a elas. Não vamos nos submeter às decisões dos Estados Unidos nem nos submetermos novamente ao domínio estadunidense.
Sul21: Qual o estágio atual das relações econômicas entre Brasil e Cuba?
Pedro Monzón: As relações privadas se mantêm e nossa esperança é que se desenvolvam. Há interesses mútuos. O Brasil é um dos principais mercados da América Latina. Há mais de 100 empresas brasileiras mantendo negócios com Cuba, algumas delas há 15 ou 20 anos, e querem seguir com essa relação. O que falta muitas vezes é crédito. Está sendo criada uma câmara de comércio Brasil-Cuba e há todo interesse em fazer essa relação avançar. Cuba tem coisas interessantes a oferecer. No terreno da biotecnologia, por exemplo, temos produtos exclusivos como a vacina contra o câncer de pulmão, que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Há empresas dos Estados Unidos que têm negócios com Cuba para aproveitar as vantagens da vacina cubana. Ainda no terreno da saúde, temos um produto que se chama Heberprot-P, que ajuda a evitar amputações de pessoas com diabetes. A medicina é uma das áreas onde temos mais a oferecer e vocês aqui no Brasil puderam aproveitar isso durante algum tempo. Nossa educação também tem um desenvolvimento alto e sofisticado.
Há razões suficientes para nossos países manterem boas relações comerciais. Não queremos interferir nem mudar os critérios políticos ou ideológicos de nenhum país. Cada país tem o direito de fazer suas escolhas. O que nos interessa é estabelecer relações normais entre nossos povos e nossas empresas.
Sul21: Falando em escolhas políticas e ideológicas, como o senhor avalia o avanço conservador que ocorreu nos últimos anos na América Latina e, em especial, a situação vivida pela Venezuela hoje?
Pedro Monzón: Há um processo de direitização, no qual os Estados Unidos desempenham um papel importante. O que vemos hoje, de modo mais geral, é um processo de fascistização aguda da política dos Estados Unidos. Isso não tem a ver somente Cuba. Um dos argumentos utilizados contra Cuba para ativar capítulos da Lei Helms-Burton é que seríamos a única explicação para que o governo de Nicolas Maduro se mantenha em pé na Venezuela. Supostamente, teríamos milhares de militares e agentes de inteligência que estariam mantendo o governo Maduro vivo. É uma mentira imensa, uma prática muito utilizada pela política norte-americana.
O governo de Nicolas Maduro se mantém porque tem o apoio da maioria do povo e do Exército. Se não fosse assim, já teria caído. A ofensiva dos Estados Unidos contra a Venezuela é brutal, sendo apoiada por países subordinados a Washington como os que integram o Grupo de Lima e outros. A razão dessa ofensiva é que a Venezuela tem recursos muito importantes e é um mau exemplo, assim como Cuba. Esses dois países são exemplos de como se pode ser independente e ter uma política independente, não subordinada aos Estados Unidos. Por isso querem fazer desaparecer o projeto venezuelano e submeter esse país à situação de pobreza e desprezo pelo povo que existia antes do governo chavista. Maduro se mantém porque o chavismo tem predomínio na Venezuela.
Nossa solidariedade se dá nos terrenos da saúde, da educação e da cultura. A maioria das mais de 20 mil pessoas que mantemos na Venezuela atuam na área da Saúde: são médicos, enfermeiras, técnicos de laboratório, técnicos de radiologia, educadores. Essa é a nossa “invasão” na Venezuela. Além de atacar Venezuela e Cuba, querem seguir com Nicarágua e com a Bolívia. Os Estados Unidos querem apagar do mapa todo movimento progressista na America Latina. Já conseguiram vitórias em alguns países, mas acreditamos que a história se mede em períodos largos e essa situação é provisória.
O que aconteceu na América Latina nos últimos anos com os movimentos progressistas deixou uma marca nos povos. Já não é mais a mesma América Latina do passado. Todas as coisas positivas que foram feitas estão agora nos genes desses povos. O neoliberalismo não permite o desenvolvimento de políticas públicas. Tudo fica submetido ao mercado e o mercado não leva em conta os interesses da humanidade. O mercado é inevitável, mas não se pode subordinar o desenvolvimento de um país aos seus desígnios. Isso não convém aos povos da América Latina. É preciso unir todas as forças progressistas e conscientizar o povo. Há projetos que beneficiaram o povo economicamente, mas é preciso beneficiá-lo também na consciência, com desenvolvimento da educação, da cultura geral e da cultura política. O povo tem que ser capaz de interpretar os fenômenos que se produzem na economia, na política, nas relações internacionais. Caso contrário, a memória histórica se perde.
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