sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Brasileiros se despedem de cubanos em Porto Alegre: "Pacientes pediam para eu não ir embora"

Associação Cultural José Martí homenageou cubanos no aeroporto | Foto: Guilherme Santos/Sul 21
Por Débora Fogliatto no Sul 21

Centenas de médicos cubanos que atendiam no Rio Grande do Sul se despedem do Estado entre esta quinta-feira (6) e sábado (8), após o fim do acordo que os permitia trabalhar como parte do programa Mais Médicos. Segundo a Associação Cultural José Martí, focada nas relações entre Brasil e Cuba, serão 452 profissionais que deixarão o país nos próximos dias. A entidade preparou um ato de despedida aos médicos no Aeroporto Salgado Filho, os recepcionando para agradecer pelos serviços prestados.

“Há cinco anos, estávamos nesse mesmo aeroporto recebendo esses médicos que deixaram suas famílias, seu país e vieram para cuidar dos brasileiros menos favorecidos. Achamos importante agradecer em nome da parcela do povo brasileiro que vai ficar desassistida”, explica a presidente da José Martí, Marajuara Azambuja. Integrantes da fundação e apoiadores levaram cartazes com dizeres como “gracias Cuba, hasta luego”, além de bandeiras do Brasil e de Cuba.

Eles agradeceram aos profissionais e conversaram com eles, perguntando as cidades onde estavam e como foram recepcionados pela população. “E daí reafirmamos que a gente só tem a agradecer a solidariedade do povo cubano em vir até aqui e auxiliar a população mais pobre do nosso país. A gente sempre comenta que do bloqueio para cá, só mentira sai. Tem muita mentira [sobre Cuba] na mídia por desconhecimento, pelo próprio bloqueio, que não é só político, econômico, mas também midiático, e as pessoas não conhecem a realidade cubana”, afirma Marajuara.

Assista na reportagem da TVT:

Pelo menos cinco dos médicos que embarcaram nessa quinta às 16h para Brasília, onde fazem escala antes de partir para Havana, trabalhavam em Caxias do Sul, na serra gaúcha. A cidade recebeu sete cubanos, dos quais dois atuavam em postos onde eram os únicos médicos. Um deles era Carlos Alberto Cáceres Gonzalez, que trabalhava em duas unidades básicas de saúde, a Parque Oásis e a Fátima Baixo, cada uma em um turno. “Quando eu cheguei lá, a Fátima Baixo estava há cinco meses sem médico”, conta.

O jovem médico formado em 2014 se mostrava menos cabisbaixo do que as outras profissionais, em sua maioria mulheres, que embarcaram para Brasília às 16h desta quinta-feira. Mesmo assim, afirmou que já sente saudades dos pacientes. “Estávamos gostando muito do trabalho e agora eu sinto muita saudade, como também os pacientes sentem. Eles eram para mim já como uma família, sempre chegavam brincando, falavam que parecia que eu não era médico, era irmão, parente”, relata. Segundo ele, os médicos cubanos colaboraram muito para melhorar a saúde da cidade, e agora vão embora com a sensação de “dever cumprido”.

Ele estava em Caxias há um ano e cinco meses, e assim como os colegas, foi pego de surpresa pelo fim do acordo entre os dois países. “No primeiro ano fazemos um curso de especialização e a gente fez o curso, fez o TCC e achava que tudo estava dando certo, e agora temos que voltar. Mas voltamos com a satisfação de que pudemos ajudar o povo brasileiro”, afirmou.

Isnayana Barrero também trabalhava em Caxias do Sul e conta que no início a adaptação foi difícil, não por causa dos pacientes mas sim da equipe de trabalho, que não se mostrou muito receptiva. “Teve gente que não gostava muito. Mas os pacientes eram sempre muito agradecidos, e antes de eu ir embora me perguntaram o que iam fazer sem a sua doutora que olhava para os olhos do paciente, que escutava o que o paciente falava. A população aceitou bastante e vai sofrer muito sem nós”, destaca, acrescentando que criou um carinho pelos pacientes e irá sentir falta deles.
A médica Irisandra| Foto: Guilherme Santos/Sul21
Da mesma forma, Irisandra Leyva Hechavarria se mostrou triste por estar deixando a população de Capão da Canoa, onde atuou por 15 meses. Ela conta que teve uma experiência muito boa na cidade litorânea, onde fez amizade com os pacientes, vizinhos e colegas. “Quando comecei o atendimento, as pessoas gostaram bastante, não queriam ir com mais nenhum médico. Minha agenda ficava muito cheia, porque pediam para a recepcionista para serem atendidos pela ‘médica cubana’”, lembra.

Ao receberem a notícia da partida dos médicos cubanos, os pacientes a abordavam para pedir que ficasse. “Todo mundo ficou triste, mandavam mensagem pedindo para eu não ir embora”, relata Irisandra. Ela lamenta a visão que alguns brasileiros têm da forma como funciona a sociedade e a medicina cubana. “Isso que falam de escravidão não é certo. Sempre estamos dispostos a ir para outros países ajudar quem precisa, é uma coisa de humanidade. Estou disposta a ir para onde precisar”, afirma, contando que há muitas diferenças no sistema de saúde brasileiro e cubanos.

De acordo com Irisandra, em Cuba cada médico atende cerca de 800 a 900 pacientes, enquanto aqui ela trabalhava com 8.000. Na ilha caribenha, também há muito menos espera para ser atendido, segundo a profissional. “Em Cuba a saúde, como também a educação, é totalmente gratuita. O paciente para ir numa consulta não precisa agendar, ou se agenda não vai demorar tanto. Aqui, eu ficava com dor às vezes por não conseguir fazer mais do que estava fazendo, quando via a situação dos pacientes que ficavam esperando”, conta a médica, que planejava ficar no Brasil por três anos.

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