Fidel Castro: "Lutar contra o impossível e vencer" |
Por Eva Golinger na RT/ Tradução de Eduardo Vasco
Em 17 de dezembro de 2014, grande parte do mundo escutou atentamente os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciando em discursos simultâneos uma reconciliação no conflito de mais de meio século entre Estados Unidos e Cuba. Suas poderosas e inesperadas palavras vieram acompanhadas da libertação de Gerardo Hernández, Ramón Labañino e Antonio Guerrero, que haviam sido presos injustamente por mais de 16 anos nos EUA. Alan Gross, um contratista da USAID, detido em Cuba por tentativas de subversão, também foi libertado, junto com Rolando Sarraff Trujillo, um agente duplo cubano que trabalhava para a CIA.
A troca de prisioneiros e reaproximação declarada era só o começo. Semanas mais tarde, a meados de janeiro, Obama diminuiu as restrições sobre as viagens a Cuba para os cidadãos dos EUA e colocou em prática uma série de medidas que abriram a porta para permitir que empresários estadunidenses explorem oportunidades em Cuba. Durante seu discurso do Estado da Nação, pediu o levantamento do bloqueio contra Cuba e reiterou as medidas concretas que seu governo estava tomando para restabelecer relações com o governo de Castro. Em março, o primeiro voo direto em décadas do aeroporto JFK em Nova Iorque até Havana começou a operar e logo já não se encontrava mais nem uma casa vazia na capital de Cuba.
Altos funcionários de Washington e Havana continuaram as negociações durante a primavera e acordaram detalhes para a próxima grande etapa da reconciliação: a reabertura de embaixadas e a formalização de relações diplomáticas. Ainda que fortes discrepâncias e diferenças ameaçassem impedir o progresso, ambas as partes estavam decididas a seguir em frente. Confirmaram a data para abrir as embaixadas de Cuba e EUA em Washington e Havana, e começaram os preparativos.
Exatamente à meia-noite do dia 20 de julho foram oficialmente restauradas as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos e suas respectivas embaixadas começaram a funcionar. Conrad Tribble, o segundo da Embaixada dos Estados Unidos em Havana, tuitou quando ao toque da meia-noite:
“Fiz a primeira chamada telefônica ao Departamento de Estado a partir da Embaixada dos Estados Unidos em Havana. Não existia desde janeiro de 1961”.
Minutos depois, a conta de Twitter @USEmbCuba escreveu:
“Olá, Amigos! Saudações desde a Embaixada dos Estados Unidos em Havana, Cuba”.
Mas foi somente horas mais tarde que as verdadeiras celebrações começaram, mais de mil milhas ao norte da capital de Cuba, em Washington.
A multidão começou a se reunir pouco depois do amanhecer em frente ao edifício histórico na Rua 16 no bairro de Adams Morgan na capital estadunidense. Centenas de jornalistas buscavam os melhores lugares para sua cobertura exclusiva de um dos eventos mais esperados em décadas, enquanto a polícia de Washington e os oficiais do Serviço Secreto colocavam barreiras ao redor da entrada de 2630 16th Street NW. Filas de distintos convidados começaram a se formar envolta ao edifício, todos tentando escapar do sol e do calor tropical que deu ao dia uma sensação real de estar em Cuba. Famosos jornalistas mostravam suas credenciais tentando convencer o protocolo cubano para deixá-los entrar antes dos demais, para que pudessem obter a primeira exclusiva. Senadores, congressistas, celebridades e executivos de negócios estavam esperando na fila, junto aos amigos e aliados de Cuba, enquanto formavam-se gotas de suor em suas frentes e a antecipação dos acontecimentos da manhã se fez mais forte. Havia um nervosismo no ar, um sentimento coletivo carregado da emoção de décadas de luta e resistência que levavam muitos a pensar que jamais iriam ver esta vitória em suas vidas.
Minutos depois das dez da manhã, mais de 500 convidados entraram no recinto. Chegamos até as escadarias da porta que marcavam a entrada já em fase de preparação para a cerimônia inaugural. Exatamente às 10:33 as grandes portas se abriram e o ministro de Relações Exteriores de Cuba, Breno Rodríguez, liderou a modesta delegação pelo salão até a haste de aço, parada firme e desafiante como uma lembrança da Guerra Fria. Mas nessa manhã, o intenso calor não foi gerado somente pelo sol que brilhava sobre a multidão que olhava fixamente o hasteamento da bandeira. A reaproximação havia chegado tão rápido como o derretimento do gelo no sol quente de Havana (ou de Washington).
De repente, três soldados cubanos marcharam pelo salão, os tambores guiando seu ritmo patriótico, e logo as cores do azul e branco com a estrela solitária radiante abraçada no vermelho revolucionário se içaram em uma proclamação gloriosa de vitória. Foi um momento congelado no tempo, um dia pelo qual muitos lutaram mas poucos acreditavam que iria chegar. Lágrimas foram acompanhadas de gritos de alegria, “Viva Cuba! Viva Fidel!” se escutava em coro pelas ruas que rodeavam a Embaixada. Ao começar o Hino Nacional de Cuba, as emoções alcançaram seu ponto máximo e a voz de Cuba, silenciada durante muito tempo pelos poderes sentados a poucas quadras de distância nessa capital, tomou o centro do cenário, forte e clara. O triunfo da Revolução Cubana sobre o imperialismo estadunidense estava aqui e agora. Cuba venceu.
As câmeras disparavam e os telefones celulares eram levantados para o alto para capturar a lembrança da bandeira heroica agora anunciando com orgulho a restauração do território soberano de Cuba em todo o seu esplendor, e entramos no edifício atrás da delegação cubana a consagrar o interior. Uma grande escadaria de mármore deu as boas-vindas aos convidados, enquanto a grandeza do elegante edifício de 1917 abraçou os visitantes. As paredes e os tetos adornados brilhavam após a recente remodelação, o que refletia também a renovação das relações com Washington. No outro lado da parte superior das escadarias estava pendurada a bandeira cubana original que tremulava neste edifício até 1961. Foi resgatada e guardada por uma ex-empregada da embaixada durante 54 anos e agora se apresenta como uma lembrança da resistência e determinação da nação caribenha.
O chanceler Rodríguez se dirigiu à multidão comprimida no salão majestoso no segundo andar. “Este ato foi possível pela livre e inquebrantável vontade, a unidade, o sacrifício, a abnegação, a heroica resistência e o trabalho de nosso povo, e pela força da Nação e da cultura cubana”, afirmou, agradecendo também “a condução firme e sábia do líder histórico da Revolução Cubana Fidel Castro Ruz”, que uma vez visitou este lugar em 1959 com a esperança de avançar as relações bilaterais.
O chefe da diplomacia de Cuba recordou a todos os presentes que, apesar de este momento merecer celebração e alegria, ainda resta muita coisa para fazer. O bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba ainda se mantém, assim como a base militar estadunidense no território soberano de Cuba em Guantánamo. No entanto, os mojitos foram servidos no bar de Hemingway no segundo andar da restaurada Embaixada de Cuba e advogados, jornalistas, ativistas e outros velhos amigos de Cuba brindaram a vitória. Silvio Rodríguez, o mais prolífico compositor de Cuba, que fez parte da delegação para este evento, comentou que ele próprio teve dificuldades para expressar seus sentimentos sobre este dia.
Em meio às vozes alegres que ecoavam nas magníficas paredes da Embaixada, os velhos amigos encontrando-se com abraços, e os investidores e executivos freneticamente buscando novas oportunidades em Cuba, chanceler cubano saiu para se reunir com o secretário de Estado John Kerry, o primeiro encontro deste tipo em território estadunidense em mais de 50 anos.
Fora da Embaixada, as celebrações continuaram. Uma festa espontânea surgiu na rua com salsa e dança, as pessoas sorridentes, abraçando-se e dançando com alegria até o entardecer.
Pouco mais de mil milhas ao sul, em Havana, a Embaixada dos Estados Unidos também abriu suas portas, mas não houve celebração nem bandeira hasteada. A outra bandeira vermelha, branca e azul, com suas 50 estrelas, não será visível até que Kerry vá a Cuba em agosto para a cerimônia inaugural.
Ainda assim, este dia foi um símbolo do que este momento realmente significa. Cuba derrotou mais de meio século de agressões dos Estados Unidos sem se ajoelhar nem uma vez. Cuba demonstrou que mesmo pequena em tamanho, é possível lutar contra os obstáculos mais poderosos, resistindo inclusive diante das maiores dificuldades. A bandeira cubana merece ser a primeira a tremular, porque esta vitória pertence a Cuba.
Eva Golinger é advogada, escritora e investigadora venezuelano-estado-unidense. É colunista e apresentadora do canal russo RT.
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