sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Cuba, os dissidentes e o direito de manifestação

Manifestação da oposição diante da Praça da Revolução em 30 de dezembro

Por Salim Lamrani no Opera Mundi

A proibição da manifestação organizada pela artista plástica cubana Tania Bruguera, que mora nos Estados Unidos, prevista para o dia 30 de dezembro de 2014, na Praça da Revolução, lugar emblemático de Havana onde acontece a maioria dos eventos políticos oficiais, levantou muitas polêmicas e controvérsias. A imprensa ocidental apontou o dedo para o governo cubano, acusando-o de restringir a liberdade de expressão e de atentar contra os direitos fundamentais. [1]

A convocatória, sob cobertura da expressão artística denominada “o sussurro de Tatlin #6”, era, na verdade, uma plataforma política aberta aos setores da oposição, inclusive aos ligados à Seção de Interesses norte-americanos, que recebem financiamento de Washington para suas atividades. Várias iniciativas similares estavam previstas para o mesmo dia em Nova York e Miami. As autoridades da capital decidiram não outorgar uma permissão oficial a essa iniciativa. [2]

O Conselho Nacional de Artes Plásticas (CNAP) de Cuba não se solidarizou com Tania Bruguera, acusando-a de instrumentalizar sua ligação com a instituição para organizar uma manifestação que não era artística, mas política. Por sua vez, a Associação de Artistas Plásticos da União de Escritores e Artistas de Cuba denunciou “uma provocação política” cujo objetivo é “se situar contra as negociações [entre Raúl Castro e Barack Obama] que dão esperança a muitos seres humanos, em primeiro lugar aos onze milhões de cubanos”. [3]

Ignorando a decisão das autoridades governamentais, Tania Bruguera decidiu manter sua convocatória, o que fez que a polícia a detivesse durante algumas horas por violar a decisão oficial, por resistência e desordem. A polícia também impediu que outras figuras da oposição, como Yoani Sánchez e seu marido, Reinaldo Escobar, participassem do acontecimento. [4]

Os Estados Unidos expressaram sua preocupação e condenaram a prisão de uma dezena de pessoas. O Departamento de Estado publicou um virulento comunicado contra o governo de Havana: “Condenamos energicamente o acosso contínuo por parte do governo cubano e o recurso reiterado à detenção arbitrária, às vezes com violência, para silenciar os críticos, perturbar as reuniões pacíficas e a liberdade de expressão e intimidar os cidadãos”. [5]

Entretanto, o que a imprensa ocidental e Washington omitem é que Tania Bruguera teria sido presa em qualquer democracia ocidental. Conseguir uma autorização das autoridades para se manifestar é um requisito indispensável. Na França, por exemplo, onde se rejeitam centenas de petições de manifestação todas as semanas, está terminantemente proibido organizar uma agrupação sem o acordo escrito do departamento de polícia. A petição tem de ser feita “pelo menos um mês antes da data da manifestação” e “este prazo será de três meses como mínimo, se o evento projetado for agrupar muita gente”. [6]

Por outro lado, “cada petição deve conter toda a informação útil sobre o organizador (pessoa física ou jurídica) e sobre a manifestação (natureza, data, lugar, horário, número de participantes...)”. Na França, os organizadores de manifestações são penalmente responsáveis por todos os danos que o evento possa causar. O departamento de polícia insiste nesse ponto: “o organizador deve assumir a tarefa da segurança geral no local dedicado à manifestação. No caso de danos por imprudência ou negligência, a responsabilidade civil, inclusive penal, do organizador pode ser invocada tendo por base o artigo 1382 e os seguintes do Código Civil e os artigos 121-1, 121-2, 223-1 e 223-2 do Código Penal”. [7]

Assim, durante o verão de 2014, a França foi o único país do mundo que proibiu as manifestações de solidariedade à Palestina depois da mortífera agressão de Israel contra Gaza. A polícia dispersou violentamente os manifestantes e realizou dezenas de detenções. A justiça sancionou severamente várias pessoas por violar a proibição. [8]

A negativa das autoridades cubanas em dar a autorização é facilmente compreensível. A Praça da Revolução agrupa as sedes do governo, do Comitê Central do Partido Comunista e das Forças Armadas. Na França, seria impensável uma manifestação em frente ao Palácio do Eliseu, onde mora o presidente da República.

Outra vez, um acontecimento banal — uma manifestação não autorizada e a detenção dos protagonistas que não respeitaram a decisão das autoridades — que passaria despercebida em qualquer outro país do mundo, é o primeiro plano da imprensa internacional quando se trata de Cuba. Isso é bastante ilustrativo do nível de imparcialidade dos meios de comunicação nas democracias ocidentais.

Notas:

[1] Nora Gámez Torres, « La artista Tania Bruguera está detenida en Cuba », El Nuevo Herald, 31 de dezembro de 2014.

[2] Ibid.

[3] UNEAC, « Declaración de la Presidencia de la Asociación de Artistas Plásticos de la UNEAC », 30 de dezembro de 2014.

[4] EFE, “Tania Bruguera está detenida por resistencia y desorden, según Policía cubana”, 31 de deembro de 2014.

[5] Jeff Rathke, « Detention of Activists », U.S. Department of State, 30 de dezembro de 2014. http://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2014/12/235550.htm (site consultado em 31 de dezembro de 2014).

[6] Préfecture de Police de Paris, « Manifestation sur la voie publique ou sur tout espace ouvert au public », Ministère de l’Intérieur. http://www.prefecturedepolice.interieur.gouv.fr/Demarches/Professionnel/Securite-et-accessibilite-des-batiments/Manifestation-sur-la-voie-publique-ou-tout-espace-ouvert-au-public (site consultado em 28 de abril de 2014).

[7] Ibid.

[8] Charlotte Oberti, « Manifestation en soutien de Gaza interdite à Paris : des dizaines d’interpellations », France 24, 19 de julho de 2014. http://www.france24.com/fr/20140719-live-direct-paris-manifestations-pro-palestiniens-gaza-interdiction-israel/ (site consultado em 1 de janeiro de 2015).

Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV,  é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.

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