Resenha do livro "A História Me Absolverá" de Fidel Castro - Editora Alpha-Ômega | Arte: Kd Frases |
Por Paulo Henrique Marçaioli em seu blog
Em 26 de Julho de 1953, 165 homens, liderados pelo jovem advogado Fidel Castro, atacaram o Quartel de Moncada, fortaleza militar localizada em Santiago de Cuba, província ao oriente da Ilha.
A ação corresponderia à primeira etapa da vitoriosa revolução cubana que teria como desfecho final o 31 de Dezembro de 1958 com a fuga do sanguinário ditador Batista da Ilha e a efetiva tomada do poder político pelas forças revolucionárias em 1º de Janeiro de 1959.
“A História Me Absolverá” por sua vez é a defesa de Fidel Castro dentro do processo crime instaurado após a ação do 26 de Julho. Não se tratava evidentemente de uma mera peça jurídica: desde 10 de Março de 1952 com o Golpe Militar de Batista, Cuba vivia sob um estado de exceção, com todas as garantias constitucionais suspensas, sendo aquele processo e especialmente o tratamento bárbaro dado pelos militares tanto à população civil de Santiago de Cuba quanto aos homens do movimento do 26 de Julho o maior testemunho de que não havia em Cuba nada semelhante a uma situação de normalidade democrática.
Sabe-se que o exército de Batista conseguiu apenas reprimir a ação dos revolucionários diante de sua enorme maioria em homens e armas – ainda assim a vantagem moral dos revolucionários fizeram com que o exército tivesse 3 vezes mais baixas nos conflitos do assalto de Moncada. Diante disso, nos três dias subsequentes à ação dos homens de Fidel, ordens superiores deram instruções para que, após o conflito e da forma mais covarde, se executasse dentro da prisão e mesmo nos hospitais, arrancando das camas os feridos, pelo menos 70 feridos combatentes do Moncada – tudo para não macular a “imagem” do exército. A população de Santiago de Cuba igualmente sofreu dos abusos do exército, com muitos presos e mortos confundidos com revolucionários.
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Quanto ao processo judicial, tentaram de todas as formas calar Fidel Castro, inclusive manobrando para que ele não comparecesse à audiência sob suposta existência de enfermidade inexistente.
Observa-se pelo pronunciamento que àquele momento a revolução cubana tinha um caráter anti-latifundiário, lutava contra a corrupção na política e buscava maior justiça social, ainda não possuindo caráter socialista – este apenas decorre de momento posterior à tomada do poder com as contradições frente ao imperialismo norte-americano em 1961.
São basicamente as seguintes tarefas colocadas pelos revolucionários de Moncada: (i) restituir a soberania ao povo e proclamar a constituição de 1940 como a verdadeira lei suprema de Cuba – e aqui vale ressaltar que Batista editou leis que se sobrepunham a esta constituição dando poderes a conselho de ministros que a qualquer momento podiam modificar cláusulas consideradas pétreas num estado democrático como regime de governo (monarquia, república), separação de poderes, etc. , revelando o mais absoluto arbítrio; (ii) concessão da propriedade da terra desimpedida e intransferível a todos os colonos, subcolonos, arrendatários, parceiros e posseiros que ocupassem cinco ou menos caballerias ( 5 x 13 430 m) de terra, indenizando o estado a seus antigos proprietários à base da renda média das referias parcelas no curso de dez anos; (iii) concessão aos operário e empregados de direito à participação de trinta por cento dos lucros de todas as grandes empresas industriais, mercantis e mineiras, inclusive açucareiras, exceto exclusivamente agrícolas; (iv) todos os colonos teriam direito de participar de 55% do rendimento da cana e a cota mínima de 40 mil arrobas a todos pequenos colonos; (v) confisco total de todos os bens dos corruptos, coniventes e herdeiros.
Ademais aqui o movimento já sinalizava sua vocação internacionalista, nas palavras de Fidel:
“Além disso, a política cubana na América seria de estreita solidariedade com os povos democráticos do continente, e os perseguidos políticos pelas tiranias sangrentas que oprimem as nações irmãs não encontrariam, como hoje, na pátria de Martí, perseguição fome e traição, mas sim asilo generoso, fraternidade e pão. Cuba deveria transformar-se em baluarte da liberdade e não símbolo vergonhoso de despotismo”.
A defesa de Fidel Castro como se observa é antes um julgamento histórico da recente trajetória política de Cuba que teve como ponto de partida as lutas de resistência, em particular a partir do 10 de Março de 1952 e que culminariam posteriormente na vitória do 1º de Janeiro de 1959.
Outrossim, o discurso não deixa de fazer referência ao histórico de lutas de Cuba, a José Martí, herói cubano de independência Nacional, aos dois movimentos de libertação nacional cubanos, à resistência dos estudantes que sempre tiveram um papel importante na história de Cuba, já desde o período colonial espanhol. E se é certo que a história absolveu Fidel Castro, deu-se o fato não pela lógica meramente instrumental de argumentos jurídicos, mas pela prática na história que, consoante Lênin, sempre será o critério da verdade.
“Senhores Juízes, ao julgardes um acusado por roubo, não lhes perguntais quanto tempo está sem trabalho, quantos filhos tem, em que dias da semana comeu; não vos preocupais em absoluto, pelas condições sociais do meio em que vive; o enviais ao cárcere sem maiores contemplações. Para lá não vão os ricos que queimam armazéns e lojas para cobrar as apólices se seguros, ainda que também sejam queimados alguns seres humanos. Eles têm dinheiro de sobra para pagar advogados e subornar magistrados. Enviais ao cárcere o infeliz que rouba de fome, mas nenhum das centenas de ladrões que roubarão milhões ao Estado jamais dormiu uma noite no xadrez. Ides cear com eles no fim do ano em restaurantes aristocráticos. Merecem vosso respeito. Em Cuba, quando um funcionário se torna milionário da noite para o dia e entra para a sociedade dos ricos, pode ser recebido com as mesmas palavras daquele opulento personagem da Balzac, Taillefer, quando brindou em honra do jovem que acabava de herdar imensa fortuna: “Senhores, bebamos ao poder do ouro! O Senhor Valentim, seis vezes milionário, acaba atualmente de ascender ao trono. É rei, pode tudo, está por cima de tudo, como acontece com os ricos. Daqui por diante, a igualdade diante da lei, consignada no frontispício da Constituição, será um mito para ele. Não estará sujeito às leis, ao contrário, as leis se submeterão a ele. Para os milionários não existem tribunais nem sanções”.
Paulo Henrique Marçaioli é escritor.
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