segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Livro revela plano dos EUA para bombardear Cuba por causa da sua luta contra o Apartheid

Capa do livro

Do Democracy Now

Amy Goodman, de Democracy Now, entrevista os autores de um livro que revela aspectos secretos e até agora não documentados da história das tensas relações EUA/Cuba. História que inclui um crime de Estado de dimensão sem precedentes (mais de 50 anos de bloqueio) e numerosos outros crimes, uns tentados, outros realizados.

No seu novo livro, Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiations between Washington and Havana, os autores Peter Kornbluh e William LeoGrande recorreram a documentos recentemente tornados públicos para revelar a história secreta do diálogo entre os EUA e Cuba. Entre as revelações estão pormenores de como o então Secretário de Estado Henry Kissinger considerou lançar ataques aéreos contra Cuba, depois de Fidel Castro enviar tropas para apoiar os guerrilheiros independentistas em Angola, em 1976. Nos anos que se seguiram, emissários ultra-secretos dos EUA, incluindo o antigo Presidente Jimmy Carter e o Prêmio Nobel Gabriel García Márquez, trabalharam para regularizar as relações com Cuba. O lançamento deste livro surge numa altura em que Raúl Castro poderá participar pela primeira vez na Cimeira das Américas do próximo ano, no Panamá. Cuba denunciou recentemente a Administração Obama por prolongar por mais um ano um embargo que já dura há mais de 50 anos, num ato que quase passou despercebido, em Setembro.

A nossa reportagem começa às 30:10 no vídeo abaixo:


Tradução e transcrição do vídeo:

Nermeen Shaikh: Um documento tornado público, citado no Back Channel to Cuba, permite conhecer um pouco da primeira sessão normal de negociações para desenvolver relações normalizadas entre os EUA e Cuba. Grande parte do livro baseia-se em documentos secretos que foram dados a conhecer recentemente. Entre as revelações estão pormenores sobre o modo como o então Secretário de Estado Henry Kissinger equacionou lançar ataques aéreos sobre Cuba, depois de Fidel Castro ter enviado tropas para apoiar os guerrilheiros independentistas em Angola em 1976. Nos anos seguintes, emissários dos EUA ultra-secretos, incluindo o antigo presidente Norte-americano Jimmy Carter e o Prêmio Nobel Gabriel García Márquez, colaboraram para normalizar as relações com Cuba.

O lançamento do livro ocorre numa altura em que Raúl Castro se prepara para participar, pela primeira vez, na Cimeira das Américas do próximo ano, no Panamá. No princípio deste mês, o ministro dos estrangeiros do Panamá foi a Havana para, pessoalmente, convidar Raúl Castro para participar, pela primeira vez. O Presidente Obama ainda não confirmou se assistirá às conversações.

Goodman
Amy Goodman: Entretanto, Cuba denunciou a Administração Obama por prolongar o embargo que dura há mais de cinquenta anos. A Casa Branca autorizou o embargo comercial por mais um ano, num ato que passou quase despercebido, em Setembro. Perante a Assembleia-geral das Nações Unidas, o Ministro dos Estrangeiros cubano, Bruno Rodriguez, afirmou que as restrições dos EUA sobre Cuba pioraram no tempo do Presidente Obama.

[Declaração gravada]: Bruno Rodríguez: o Departamento de Estado voltou a incluir Cuba na sua lista unilateral e arbitrária de estados que patrocinam o terrorismo internacional. O seu verdadeiro objectivo é aumentar a perseguição das nossas transações financeiras internacionais em todo o mundo e justificar a política de bloqueio. Sob a atual administração, têm havido uma crescente tensão aplicada sobre os territórios para além do bloqueio, com uma notável e inaudita ênfase sobre as transações financeiras, através da imposição de multas de muitos milhões sobre instituições bancárias de países terceiros.

Amy Goodman: Para mais informações, juntam-se-nos Peter Kornbluh e William LeoGrande, autores do novo livro Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiations between Washington and Havana. Peter Kornbluh dirige o Projeto de Documentação sobre Cuba no National Security Archive na Universidade de George Washington. E William Leogrande é professor de Instituições Governamentais na American University. Podemos ler a introdução ao seu novo livro na página democracynow.org. Também escreveram um artigo que está agora na página do The Nation, intitulado “Seis Lições para Obama Melhorar as Relações com Cuba : O Presidente sabe que a política dos EUA tem sido um fracasso. Eis como poderá mudar o rumo dos acontecimentos no pouco tempo de que ainda dispõe.”

Bom, lá iremos, mas, Peter Kornbluh e William LeoGrande, bem-vindos novamente ao Democracy Now! Peter, queria começar por ti e pelos documentos que tens, que nunca foram revelados antes, mostrando mais uma vez quão perto os EUA estiveram [da guerra], que os seus líderes estavam dispostos a arriscar a paz mundial para atacar Cuba. Fala-nos de Henry Kissinger.

Peter Kornbluh: Henry Kissinger tem o mérito de ter tomado de fato a iniciativa de chegar a Fidel Castro através de um emissário secreto, enviando-lhe uma nota manuscrita que dizia: “deveríamos tentar melhorar as nossas relações, vamos dar início a um mecanismo secreto para começar as conversações.” Isto aconteceu no Verão de 1974. E tiveram então lugar uma serie de conversações, culminando numa reunião extraordinária de três horas no Hotel Pierre, aqui em Nova Iorque, em Julho de 1975. Mas, sabe, os EUA sempre quiseram um compromisso por parte de Cuba, fosse na sua política externa, fosse na política interna, para poderem entender-se com os EUA.

E Fidel Castro tinha um pedido de Agostinho Neto, em Angola, para apoio contra as guerrilhas de direita apoiadas pela CIA. Castro enviou tropas para Angola. Furioso, Kissinger temia que um “zé-ninguém”, como chamava a Fidel Castro em reuniões com Gerald Ford, conseguisse de fato estender o seu poderio militar a outro continente e anular o xadrez que Kissinger planeara para a Guerra-Fria nesse continente. E então ordenou estes planos de contingência, que agora vêm nas notícias e na página do National Security Archive. O nosso livro, Back Channel to Cuba, revelou a história desses documentos. E eram planos de contingência muito poderosos para ataques aéreos, colocação de minas nos portos de Cuba, talvez um bloqueio naval. Na Sala Oval, Kissinger disse a Ford: “Acho que temos de dar cabo dos cubanos, corrê-los de África. Talvez tenhamos de esperar até depois das eleições de 1976”. É claro que Ford, felizmente, perdeu as eleições de 1976.

Amy Goodman: E veio Carter. Fala-nos do que aconteceu a esses planos.

Peter Kornbluh: Bem, Carter com certeza não pegou nesses planos. Ele tinha uma perspectiva completamente diferente das relações com Cuba, e todos os outros países com os quais não tínhamos relações próximas, com os quais tínhamos relações hostis. De fato, ele disse-nos, a Bill LeoGrande e a mim, quando o entrevistávamos, que tinha uma abordagem mais extensa: apostar no diálogo, porque relacionarmo-nos bem com os estados inimigos seria muito preferível a hostilidades militares. E portanto também tentou, retomou onde Kissinger tinha abandonado as tentativas de normalizar as relações, e iniciou uma série de reuniões secretas e conversações com os cubanos, cujos pormenores são extensamente revelados neste livro.

Nermeen Shaikh: William LeoGrande, podes dizer-nos de que modo tiveste acesso a estes documentos? Porque é que foram revelados agora? Quanto tempo levaste até teres acesso a eles? E de quantos documentos estamos a falar, a quantos documentos tiveste acesso?

LeoGrande e Kornbluh
William LeoGrande: Bem, creio que, no decurso da investigação que fizemos para este livro, vimos literalmente centenas e centenas de documentos tornados públicos. Muitos foram tornados públicos como resultado do trabalho de Peter no National Security Archive, porque este arquivo revelou-se um instrumento para levar o Governo dos EUA a tornar públicos documentos que teria preferido manter classificados, mediante o Freedom of Information Act. Estes documentos, em particular, e alguns outros que foram tornados públicos há algumas semanas, documentavam bem esta história desconhecida. Todos conhecemos os 50, 55 anos de hostilidade entre Cuba e os EUA. O que a maior parte das pessoas não sabe é que todos os presidentes, desde Eisenhower, negociaram com Cuba um ou outro assunto. Durante os anos de Kissinger e Carter, era sobre a normalização das relações. Noutros anos, sobre assuntos menores, mas não menos importantes, como chegar a um acordo de paz no sul da África. E estávamos determinados a desenterrar essa história. Chegar a esses documentos foi a chave para pode fazê-lo.

Nermeen Shaikh: E quantas vezes tomou o Governo cubano a iniciativa de abrir um diálogo com os EUA, nesse mesmo período que vocês consideraram?

William LeoGrande: O que de fato é fascinante é que os cubanos tomaram repetidamente a iniciativa para tentar melhorar as relações. Essencialmente, cada vez que uma nova administração tomava posse, Fidel Castro tinha qualquer espécie de iniciativa. Por vezes, era privado, através de emissários em privado. Outras vezes, era público; em 1964, por exemplo. Os Cubanos esforçaram-se repetidamente, o que nos sugeriu que estavam realmente interessados em tentar normalizar as relações com os EUA, embora não em quaisquer termos. Como referiu o Peter, Cuba tem a sua própria política externa, tem o seu modo de fazer as coisas, e nunca quis fazer concessões maiores na sua política estrangeira ou na sua organização política e social interna para ter melhores relações com os EUA.

Amy Goodman: Para o vosso relato das negociações que estavam a decorrer, mesmo as pessoas neste país não têm noção do número, das centenas de tentativas de pôr termo à vida de Fidel Castro. E contam a história de um negociador dos EUA, [James] Donovan, que por um lado negociava, e depois foi ludibriado pela CIA – podem explicar esta história? – para dar a Castro um presente que o matasse.

Peter Kornbluh: Sim, nós falamos desta história literalmente na primeira página do livro. James Donovan era um advogado de Nova Iorque, muito famoso por organizar uma troca de prisioneiros com a União Soviética. E John F. Kennedy escolheu-o para, primeiro, obter a libertação dos prisioneiros da Baía dos Porcos, em troca por mais de mil prisioneiros e suas famílias, e depois a CIA voltou a enviá-lo para, de certa forma, conseguir a libertação de três agentes da CIA que Fidel mantivera nas suas prisões e aí conseguir uma troca de prisioneiros. E ele estava a trabalhar para conseguir a confiança de Fidel Castro. Fazia diplomacia a correr, a ir e vir de Miami, e trouxe-lhe toda a espécie de presentes, incluindo um fato de mergulho, equipamento, relógio, snorkel, etc. E quando um departamento da CIA, o de Ação Executiva, que era o eufemismo para o departamento de assassínios da CIA, descobriu que ele ia levar este fato de mergulho, congeminaram um plano para pôr veneno no fato. Tinham um veneno em particular para o snorkel, um veneno diferente que…

Amy Goodman: Iam pôr tuberculose no snorkel?

Peter Kornbluh: Sim, iam pôr tuberculose no snorkel, creio eu, e um determinado fungo no fato de mergulho. E Donovan tinha estes manipuladores na CIA, que gostavam dele e que queriam, primeiro, negociar a libertação dos seus colegas da CIA que estavam presos e, segundo, sabes, possivelmente fazer progressos nas relações com Cuba. E, basicamente, disseram-lhe “nós vamos manter este fato connosco, para que outras pessoas na CIA não possam chegar-lhe e contaminá-lo.” E, portanto, essa era a história que mostra a luta entre certas pessoas no curso destes anos no Governo dos EUA, que por um lado havia as que se concentraram em melhorar as relações, e  do outro lado, os radicais, que queriam que assassinar Fidel Castro, começar uma contra-revolução em Cuba, e basicamente lançar o poder dos EUA sobre a Revolução Cubana.

Amy Goodman: Vamos fazer um intervalo e depois voltamos com uma relação dos momentos, as tentativas de negociação, e que força tremenda era esta que impedia a abertura das relações entre Cuba e os EUA, e as vossas recomendações para o Presidente Obama. Estamos a conversar com Peter Kornbluh e William LeoGrande. O seu novo livro tem por título Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiations between Washington and Havana.

[Intervalo]

Amy Goodman: Bem-vindos a Democracy Now!, democracynow.org. O informativo de guerra e paz. Sou Amy Goodman, com Nermeen Shaikh. Os nossos convidados são os autores de um novo livro intitulado Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiations between Washington and Havana, Peter Kornbluh e William LeoGrande. Professor LeoGrande, pode começar com estas negociações de que sabemos tão pouco? Elas acontecem muitas vezes em locais secretos, mas também em público.

William LeoGrande: Ora bem, mesmo na Administração de Eisenhower, houve esforços para negociar e impedir o corte de relações.

Durante a Administração Kennedy, como dizia o Peter, houve negociações para libertar os prisioneiros da Baía dos Porcos, os prisioneiros que pertenciam à CIA. Houve comunicações durante a crise dos mísseis. E, no final da Administração Kennedy, houve um esforço sério para tentar abrir um diálogo com Cuba, através de representantes das Nações Unidas, para normalizar as relações. Kennedy viu que os cubanos estavam muito zangados com a União Soviética após a crise dos mísseis e pensaram que seria possível ganhar Cuba para o Ocidente.

Durante a Administração Johnson, houve um esforço, usando a Espanha como intermediário.

Até mesmo durante a Administração Nixon, houve negociações para um acordo anti-sequestro. Como já mencionámos, durante a Administração Ford, houve um esforço muito sério que levou ao encontro no Pierre Hotel, para tentar normalizar as relações, que foi interrompido por causa da questão angolana.

Jimmy Carter, no seu primeiro mês depois de tomar posse, assinou uma diretiva presidencial que afirmava “Quero normalizar as relações com Cuba”, e dirigia a burocracia da política externa para abrir negociações com vista a isso. Isso não resultou por causa do envolvimento cubano na Etiópia. Mas mesmo depois de os cubanos terem enviado tropas para a Etiópia em 1978, durante muitos anos a Administração manteve uma série de reuniões secretas em Washington, Nova Iorque, Atlanta, Georgia, Cuernavaca, México, e finalmente, em Havana.

A Administração Reagan, que se esperaria ter sido mais hostil em relação a Cuba, mandou o Secretário de Estado Alexander Haig ao México para se encontrar secretamente com Carlos Rafael Rodríguez, para falar sobre a América Central. Depois entraram numa negociação de muitos anos com Cuba para assinar um acordo sobre emigração, para tentar resolver a relação anormal de movimentos migratórios entre os dois países. E, finalmente, durante a Administração Reagan, Cuba foi convidada a participar nas negociações que puseram fim à guerra no sul da África, levando à independência da Namíbia e a retirada de Cuba de Angola.

Durante a Administração Bush, não houve sucesso em termos de se conseguirem acordos, mas houve diálogo sobre a América Central.

E depois, durante a Administração Clinton, houve uma série de conversações, as mais importantes das quais normalizaram, finalmente, as nossas relações sobre questões de emigração com Cuba, os acordos em 1994, nas quais o Presidente Jimmy Carter e o Presidente Salinas, do México, serviram de intermediários entre os dois governos. Houve um acordo sobre emigração que foi estabelecido em grande segredo, por receio da oposição interna nos EUA, tanto que a National Security Agency, a NSA, recebeu instruções para não interceptar os telefonemas dos diplomatas, para que a informação não chegasse a todos os membros do governo, relativamente às negociações em decurso.

Até mesmo durante a Administração Bush, a segunda a Administração Bush, houve um diálogo em torno da cooperação contra o narcotráfico e cooperação contraterrorista.

E, claro, desde que o Presidente Obama tomou posse, temos visto diálogo contínuo em torno de um vasto conjunto de assuntos, como o combate ao narcotráfico, cooperação da guarda costeira, resolução dos problemas resultantes do derrame de petróleo, etc. Portanto, há uma muito longa história de diálogo e vários êxitos obtidos num certo número de assuntos.

Peter Kornbluh: Posso acrescentar que esta extensa lista de diálogos, públicos ou secretos, formais e informais, que Bill LeoGrande acabou de explicar, foi possível graças a um distinto painel de intermediários. Os problemas políticos relacionados com as conversações com Cuba são tão delicados que os presidentes sentiram que tinham de usar intermediários para negociar nos bastidores, muitos dos quais não tinham de fato ligações ao Governo dos EUA, para transmitir e receber mensagens. Na era de Kennedy, havia uma jornalista pioneira, a primeira correspondente, a primeira mulher correspondente da ABC News, Lisa Howard, que preparou o seu apartamento em Central Park como comando central de comunicações para chamadas e mensagens trocadas entre Cuba e os EUA.

Amy Goodman: Ela reportou essas mensagens?

Peter Kornbluh: Não. Escreveu de fato para uma revista chamada The War and Peace Report, muito conhecida e considerada em Nova Iorque nos anos 1960, sobre as suas conversas com Fidel Castro, mas nunca reportou estas comunicações secretas. Tínhamos Gabriel García Márquez, Prémio Nobel, escritor mundialmente famoso, a ser intermediário secreto das conversações entre Castro e Clinton. Tínhamos o presidente da Coca-Cola, J. Paul Austin, que trazia e levava mensagens. Contamos essa história no livro. E claro que tínhamos…

Amy Goodman: E o que é que ele estava a fazer?

Peter Kornbluh: Bem, o Jimmy Carter foi buscá-lo. Carter, claro, era de Atlanta, e eram amigos. E Carter não acreditava na burocracia do Departamento de Estado, e a Casa Branca iria apoiar os seus esforços para chegar a Castro, para ver se era possível ter relações normais, particularmente, no momento em que tropas cubanas entraram na Etiópia. Então, enviou a Castro uma mensagem privada através de J. Paul Austin…

Amy Goodman: Numa garrafa de Coca-Cola?

Peter Kornbluh: Bem, claro que Austin queria trazer a Coca-Cola outra vez para Cuba.

William LeoGrande: É verdade.

Peter Kornbluh: Esse era o obetivo dele. E depois voltaram a usar Austin outra vez, em 1980, como emissário privado, mas acabaram por descobrir que ele começou a sofrer de Alzheimer e não podia de facto transmitir a mensagem; o que aconteceu foi que de fato ele transmitiu uma mensagem sua que comprometeu a forma como se esperava que as coisas acontecessem. E teve que…

Amy Goodman: Qual era a mensagem?

Peter Kornbluh: Bem, ele estava a tentar ajudar. A mensagem deveria acabar com a crise causada pelo êxodo de Mariel, que ameaçou a reeleição de Carter, muito francamente. E enviaram-no, num processo em duas partes: “Acabas com o êxodo de Mariel; depois da reeleição de Jimmy Carter, entraremos num diálogo mais amplo de normalização de relações. Tudo estará sobre a mesa, incluindo o embargo.” Só que, em vez disso, Austin disse-lhes “Jimmy Carter quer reunir consigo antes do fim do ano. Quer que vá aos EUA, falará consigo cara a cara e os EUA irão levantar o embargo antes do Natal. E este é o primeiro passo antes das negociações começarem a sério.” E é claro que a mensagem não era nada disto. Quase imediatamente, apenas três ou quatro dias depois, uma alta patente do Departamento de Estado foi enviado para dizer a Castro que a mensagem não era essa e que, de fato, eles pretendiam um processo muito mais prolongado para as conversações. Claro que Carter não foi reeleito. Creio que uma das coisas mais impressionantes no nosso livro é que ele nos disse, quando o entrevistámos, que agora lamenta não ter normalizado as relações durante o primeiro mandato, porque nunca teve a oportunidade de o fazer num segundo.

Amy Goodman : O que nos leva ao Presidente Obama.

Peter Kornbluh: Exatamente.

Amy Goodman: Fala-nos do que acham que ele deveria fazer.

Peter Kornbluh: Bom, temos um artigo que vai sair na revista The Nation, já está online, mas vai sair na revista para a semana, que enumera as lições de toda esta história para Barack Obama. Sabes, Barack Obama tem agora uma extraordinária janela de oportunidade. Ele foi forçado, pelos outros países latino-americanos, a aceitar uma nova realidade: os EUA não podem continuar a excluir Cuba dos acontecimentos na região sem se isolarem por completo. Na próxima Cimeira das Américas, que terá lugar em Abril de 2015 no Panamá, Cuba estará presente. E Barack Obama, que disse, quando se candidatou em 2008, que se sentaria com Raúl Castro face a face para discutir as diferenças, tem agora de fato essa oportunidade. E, entre, hoje e Abril é de fato a altura em que as lições da história, que tentámos pôr neste livro, podem ser aplicadas num encontro face a face entre o presidente de Cuba e o Presidente dos EUA, pela primeira vez desde a Revolução Cubana.

Nermeen Shaikh: E, William LeoGrande, até que ponto vocês descobriram, nesta diplomacia de bastidores… O uso de intermediários entre os EUA e Cuba é semelhante ao que os EUA poderiam ter feito com outros países com quem mantêm relações hostis, por exemplo o Irão, a Coreia do Norte, etc.?

William LeoGrande: Acho que os presidentes gostam sempre de usar os bastidores, gostam de usar enviados privados como J. Paul Austin, em parte porque não confiam inteiramente nos níveis de burocracia, e não confiam na informação filtrada, portanto enviam um emissário em que sentem poder confiar. Também é menos provável não haver fugas de informação se não se recorrer à burocracia tradicional, onde há sempre pessoas opostas à nossa política, que podem sempre enviar a informação para o Congresso ou para a Imprensa. Portanto acho que os presidentes usam sempre emissários privados neste âmbito. E até usam canais diplomáticos secretos, porque não se pode negociar alguns destes problemas mais difíceis em público, devido ao tipo de compromissos que é preciso fazer.

Mas acho que o caso de Cuba é diferente. Acho que isto tem acontecido mais no caso das nossas relações com Cuba. Tecnicamente, ainda não reconhecemos o Governo Cubano, apesar de termos diplomatas norte-americanos na Seção de Interesses em Havana. E, porque o problema cubano tem sido tão delicado internamente, do ponto de vista político, nos EUA, desde há tanto tempo, os presidentes têm sentido um incentivo especial para não deixar os seus diálogos secretos com Cuba virem a público.

Amy Goodman: esta obsessão que os EUA têm mantido com Cuba, qual o poder que está por trás disso, porque mesmo os grandes negócios, as multinacionais, querem fazer negócios com um país que está apenas a 140 km da costa. Qual tem sido o poder com mais sucesso, e de que modo acham que pode ser contrariado? O Presidente Obama esteve no funeral de Mandela, apertou a mão (escreveu-se muito sobre isto) a Raúl Castro, presidente de Cuba.

Peter Kornbluh: É verdade, aquele aperto de mão pareceu tão simbólico, porque os dois presidentes destes dois países nunca haviam estado juntos em público, falado um com o outro de alguma maneira, nestas décadas. E Cuba representa realmente um dos maiores problemas da política externa na história moderna das relações dos EUA com o mundo. Parte do problema é esta atitude imperialista dos EUA em relação a Cuba antes da Revolução e toda a América Latina, muito francamente, países mais pequenos que pretendemos sempre controlar. Veio Fidel Castro e a Revolução Cubana dizendo :“Olhem, sabem, não podem controlar-nos , mesmo que sejamos mais pequenos. Vamos fazer uma revolução, ser independentes, vamos ter o nosso sistema político e a nossa própria política de estrangeiros.” E claro, depois as coisas…

Amy Goodman: Temos dez segundos.

Peter Kornbluh: As coisas evoluíram para um problema político, com os radicais no Senado e no Congresso basicamente numa posição de desafio a qualquer alteração na política com Cuba.

Amy Goodman: E acham que o Presidente Obama quer mudar essa política?

Peter Kornbluh: Pessoalmente, creio que ele e a sua equipa gostariam de mudar a política. O problema é saber se têm a espinha para o fazer, a coragem para o levar para diante. Este poderia ser o legado chave de Obama, francamente, e agora ele tem essa janela de oportunidade.

Amy Goodman: Quero agradecer-vos por terem estado connosco, Peter Kornbluh, William Leogrande. É este o livro, Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiations between Washington and Havana.

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