terça-feira, 11 de março de 2014

O que não nos contam: a embaixada dos EUA, por trás da campanha contra os cooperantes médicos de Cuba no Brasil

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Por José Manzaneda, coordenador de Cubainformación

Já é uma realidade. Cerca de seis mil médicos de Cuba oferecem atendimento sanitário a populações dos estados do norte e nordeste do Brasil, que vivem em condições de isolamento e extrema pobreza (1). Sobre isso, até o momento, não lemos nem uma só reportagem na grande imprensa brasileira ou internacional.

Entretanto, foi notícia em dezenas de veículos de todo o mundo o show organizado por uma única pessoa, a médica cubana Ramona Rodríguez Matos. Em coletiva de imprensa, ela anunciou que abandonava o programa por ter sido “enganada” por seu governo (2).

Recordemos que Cuba, Brasil e a Organização Pan-Americana de Saúde assinaram um acordo para integrar profissionais da ilha ao programa “Mais Médicos”, iniciativa do governo de Dilma Rousseff para levar serviços de saúde a áreas historicamente desatendidas (3). Por este acordo, segundo alguns veículos, os cooperantes receberiam entre 25% e 40% do valor total pago pelo Brasil (4). O restante seria administrado pelo Ministério de Saúde Pública de Cuba para autofinanciar os serviços de saúde na ilha.

Cuba tem cerca de 40 mil cooperantes sanitários em 58 países do terceiro mundo (5). Na maioria deles, Cuba cobre totalmente os custos e salários. Mas no caso de nações com recursos, como Venezuela, África do Sul (6), Catar (7) ou Brasil, existem acordos de contraprestação econômica que servem, por exemplo, para cobrir os custos dos serviços sanitários, equipamentos ou compras de medicamentos para toda a população da ilha.

As campanhas de mídia contra a presença médica cubana não são de agora. Na Venezuela, por exemplo, os meios de comunicação acusavam os cooperantes de serem “agentes” ou “espiões” (8). No Brasil, a mensagem central da atual campanha midiática é a de que os médicos são “escravos” do governo cubano, por este destinar parte do pagamento a outras finalidades sociais na ilha (9). É um contraste radical de conceitos ideológicos: de um lado, aquele defendido por um estado socialista em um país pobre e bloqueado como Cuba que, graças à formação de milhares de profissionais, sustenta seu sistema de saúde com receitas geradas no exterior; de outro, o que defendem os meios de comunicação e os colegiados médicos brasileiros, que apoiam posições individualistas e não solidárias dos poucos médicos cubanos que abandonam o atendimento a populações vulneráveis com a aspiração de ingressar na seleta classe médica latino-americana.

Voltemos ao show da médica cubana. Vários veículos destacaram que ela havia pedido asilo no Brasil (10). Mas se esqueceram de esclarecer o local: a embaixada dos EUA em Brasília. E se esqueceram de mencionar, além disso, a peça informativa fundamental para entender o assunto: que Ramona havia aderido ao chamado “Cuban Medical Professional Parole” (11), programa dos departamentos de Estado e de Segurança Nacional dos EUA criado para acolher como refugiados políticos os cooperantes médicos cubanos no mundo, em qualquer embaixada ou consulado norte-americano (12). Esta iniciativa, insuperável em imoralidade, sequer é mencionada pela maioria dos meios de comunicação. O portal BBC em espanhol, por exemplo, dizia que Ramona “se comunicou com a embaixada norte-americana em Brasília para (...) solicitar um visto que Washington concede a médicos cubanos em terceiros países” (13). Mas nem uma palavra sobre o citado programa, um verdadeiro escândalo ético.

O programa brasileiro “Mais médicos” é apoiado – segundo pesquisa realizada em novembro – por 84,3% da população do país e melhorou a popularidade da presidenta Dilma Rousseff (14). Por isso, a direita brasileira, as associações médicas e a grande imprensa tentam desacreditá-lo por todos os meios. Os líderes do partido Democratas, da oposição de direita, se apresentaram diante da imprensa com a médica cubana e fizeram um chamado para que os demais profissionais cubanos a imitassem (15). O mesmo fizeram várias organizações médicas, como a Associação Médica Brasileira (16), cujo presidente Florentino Cardoso, curiosamente, havia qualificado os médicos cubanos como “escória”, meses atrás (17). O diário espanhol El País colocou seu grãozinho de areia na campanha e afirmou que “a médica [cubana] põe em situação incômoda o governo de Dilma Rousseff” (18), enquanto o portal em espanhol da BBC destacava que “a médica cubana (...) se tornou um problema político para o Brasil” (19). Mas os dados desmentem contundentemente qualquer propaganda. O ministro brasileiro da Saúde, Arthur Chioro, mostrou que os escassos abandonos de médicos cubanos – dois com destino aos EUA e outros 22 que decidiram voltar a Cuba – são uma cifra “insignificante” em relação ao total (20).

Os meios de comunicação insistem nas condições salariais dos cubanos e as comparam com as dos médicos brasileiros (21). Mas, na comparação entre ambos os países, esquecem de explicar por que o sistema capitalista, no Brasil, deixou sem serviços de saúde pública a milhões de pessoas, que devem ser atendidas agora por profissionais da saúde socialista cubana (22). O jornal espanhol ABC diz que o Brasil tem apenas 1,8 médico para cada mil pessoas, frente a 4 da Espanha, por exemplo (23). Mas esquece de mencionar que Cuba, segundo a Organização Mundial da Saúde, possui a maior cifra de todo o mundo: 6,7 médicos para cada mil habitantes (24).

O diário El Nuevo Herald, de Miami, apontava com total cinismo que o programa “Cuban Medical Professional Parole”, do governo dos EUA, tem por objetivo “minar a diplomacia médica de Cuba” no mundo (25). É que, para estes veículos, sempre será muito mais legítima e democrática a “diplomacia” de bloqueios, fuzileiros e invasões, com a qual se leva, a sangue e fogo, o progresso a tantos lugares do mundo.

Notas:



























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