sábado, 1 de fevereiro de 2014

Vigência do pensamento de Che Guevara

O Che na América Latina no 85º [2013] aniversário de seu nascimento. Nada mais longe da realidade do que apresentar o Che como um ser esquemático, aferrado à guerrilha como única forma de luta.


Por Roberto Regalado no Diálogos do Sul

Tem vigência o pensamento de Che Guevara na América Latina do século XXI, quando a esquerda chega ao governo através de eleições e o único conflito armado revolucionário que se mantem ativo, o colombiano, parece avançar em uma solução negociada?

A vigência do pensamento de Ernesto Guevara de la Serna – chamo por seu nome devido a que suas ideias revolucionárias começam a formar-se antes que seus companheiros em Cuba o apelidassem “Che”  e que ascendesse a comandante do Exército Rebelde- aparece de maneira nítida, evidente, e com inusitada atualidade e força, quando ultrapassamos a cortina de fumaça que o estereotipa com uma imagem estreita, unilateral, plasmada de Che-guerrilheiro, e brota à luz o pensador e líder revolucionário que, em sua curta vida, tanto fez para desenvolver a teoria da revolução de fundamento marxista e leninista como teoria da práxis, emanada da interação fecunda com a realidade, enriquecida com a experiência da Revolução Cubana,  nas condições da crucial sexta década do século XX, e com o objetivo de emancipar a América Latina e o então chamado Terceiro Mundo.

É impossível abordar o tema com a profundidade e a amplitude que merece, no tempo que se dispõe neste colóquio “Che Guevara na hora atual no 85o aniversário de seu nascimento”. Ademais seria presunção tentar num evento do Centro de Estudos Che Guevara, prestigiosa instituição dedicada a analisar e divulgar sua vida e obra, a mais autorizada para fundamentar a vigência de seu pensamento, a quem muito agradeço a distinção de convidar-me. Limito-me, portanto, a pontuar alguns elementos que contribuam a dispersar a tal cortina de fumaça.

O pensamento revolucionário de Fidel Castro e Ernesto Guevara, entrelaçados e retroalimentados entre si de maneira indissolúvel, são o símbolo por excelência da etapa de lutas populares aberta na América Latina após o triunfo da Revolução Cubana, que começa em 1959 e conclui entre 1989 e 1991. Farei uns breves comentários sobre essa etapa e logo outros sobre a atual.

Nada mais longe da realidade do que apresentar o Che como um ser esquemático, aferrado à guerrilha como única forma de luta. Ao contrário, ele compreendeu, reiterou e atuou com apego à ideia de que os povos empreendem a luta armada revolucionária somente quando se convencem de que as vias legais para satisfazer suas necessidades e interesses vitais estão fechadas, a qual nos remete à definição leninista de situação revolucionária (1). A primeira consideração é que tanto a situação de América Latina, prévia ao triunfo da Revolução Cubana, como a posterior ao assassinato do Che, até o momento em que se produz a debacle do bloco europeu oriental da segunda pós guerra mundial, validam suas reflexões sobre a luta armada como motor da revolução.

O que ocorria antes da vitória do Exército Rebelde em Cuba?

A esquerda tradicional latino-americana estava aferrada à estratégia de frentes populares que se bem facilitou ocupar espaços institucionais, políticos e sociais através da luta legal, enquanto durou a aliança antifascista entre os Estados Unidos, Grã Bretanha e União Soviética, tornou-se impraticável, e até suicida, a partir da deflagração da guerra fria.

O que ocorreu depois do assassinato do Che?

A esquerda tradicional pretendeu desqualificar seu pensamento através da construção do estereótipo do Che-guerrilheiro, contraposto à eleição do governo da Unidade Popular chilena. Não obstante, o derrocamento do presidente Allende demonstrou que na América Latina poderia haver reveses na luta armada revolucionária mas era impossível empreender um processo de reforma social de signo popular – e nem falar de um processo de transformação social revolucionária- através da disputa eleitoral, nem sequer no Chile, um dos dois casos excepcionais, junto com o Uruguai, em que a democracia burguesa funcionou na primeira metade do século XX com uma estabilidade muito maior que o normal na região.

Acrescente-se que tampouco perduraram os processos de reforma social liderados por militares progressistas como Juan José Torres na Bolívia, Juan Velasco Alvarado no Peru e Omar Torrijos no Panamá, e que desde fins da década de 1970 ocorreu um novo auge da luta armada revolucionária, com a insurreição do Movimento Nova Joia em Granada e o triunfo da Revolução Popular Sandinista na Nicarágua, e a convergência de forças revolucionárias materializada na criação do Frente Farabundo Marti para a Libertação Nacional em El Salvador, a Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca e a Coordenação Guerrilheira Simón Bolívar na Colômbia, novo auge que foi neutralizado pelo fim da bipolaridade mundial.

Como o Che concebia a lutar armada revolucionária?

Com o risco de dar uma visão reducionista e esquemática, pelo qual peço desculpas antecipadas, permito-me sintetizar que o Che avaliava que na América Latina existiam as condições objetivas para empreender a revolução, cujo caráter tinha que ser socialista para ser verdadeira. A guerra de guerrilhas não era para ele a única forma de luta, mas sim a mais conhecida e efetiva em seu momento, porque a ação da vanguarda armada revolucionária contribuiria de modo decisivo a criar as condições subjetivas. O propósito das forças revolucionárias era aniquilar o inimigo através da luta armada com a finalidade de conquistar o poder, e isso pressupunha que a guerrilha conquistasse  os degraus que lhe permitissem obter crescentes resultados militares, melhorar sua composição social e aprofundar seu desenvolvimento político, até converter-se em impulsora do movimento gerador da consciência revolucionária das massas. Não era a guerrilha a que faria a revolução, mas a ação direta do povo que ela gera.

Por que a concepção do Che sobre a luta armada revolucionária não teve o resultado que ele esperava?

Não teve por uma combinação de fatores, entre os quais sobressaem: a violência contrarrevolucionária e contra-insurgente desatada pelo imperialismo, em suas duas vertentes, a saber: a empregada para bloquear, isolar e estigmatizar a Cuba; e a utilizada para decapitar, desarticular e aniquilar os movimentos revolucionários na região; a extrapolação da estratégia e tática vitoriosa em Cuba à nações com condições e características econômicas, políticas e sociais muito diferentes, inclusive as dimensões étnica e cultural; as debilidades, erros e insuficiências das forças revolucionárias, entre elas, as lutas que impediram a unidade, um princípio elementar na concepção revolucionária do Che; e, quando a contracorrente dos elementos mencionados parecia apegar-se a uma nova etapa de fluxo da luta revolucionária na América Central e Colômbia, entrou em cena outro fator negativo, cujo peso é determinante para o fim da etapa histórica aberta pela Revolução Cubana. Esse fator é a mudança na correlação de forças mundial que, na América Latina repercute a partir da proclamação da política de nova mentalidade de Mijaíl Gorbachov, particularmente, com as pressões que a direção soviética exerceu sobre o Governo Revolucionário da Nicarágua para que concertasse, a qualquer custo, um acordo político que “desativasse” o chamado conflito centro-americano.

É importante refletir um instante sobre este ponto porque com demasiada frequência se fala das tendências mundiais como algo imaterial ou sobrenatural, e se passa por alto, por exemplo, as torceduras de braços, ameaças, pressões, chantagens e agressões a que acudiram as potências imperialistas para impor a globalização neoliberal, cuja essência assassina e predadora não foi predestinada desde o “além”, mas sim imposta pela força bruta do “aqui”. Neste caso, a “tendência mundial” que freou o auge da luta revolucionária na América Latina em fins da década de 1980, incluiu a decisão do governo soviético de suspender a ajuda econômica e militar que permitia à Revolução Popular Sandinista enfrentar a guerra contrarrevolucionária desatada pelo imperialismo estadunidense. Esta política, que passou da ameaça aos fatos quando a URSS interrompeu o abastecimento de petróleo à Nicarágua enquanto se negociavam os nefastos acordos de Esquipulas II (2), não só deteriorou esse país como também freou o fluxo revolucionário na região em seu conjunto.

A relação entre as “tendências mundiais” sublimadas e os fatos concretos, mundanos e ocultos que a elas se sobrepõem ficou evidente quando o então prefeito de Moscou, Boris Yeltsin, viajou à Manágua como portador de uma mensagem do Bureaux Político do Partido Comunista da União Soviética, que informava à Direção Nacional do Frente Sandinista de Libertação Nacional a política a que me referi.

De onde e como se aprecia hoje a vigência do pensamento do Che?

A vigência do pensamento do Che na América Latina – e no resto do mundo- se expressa, antes de mais nada, através da sobrevivência da obra da qual ele foi um dos principais construtores, ou seja, a Revolução Cubana, pois seria muito diferente o mapa político do continente se ela não tivesse sido capaz de resistir e vencer a ofensiva ultrarreacionária que balançou com a humanidade em fins dos anos oitenta e inícios dos noventa, e assim demonstrar, com seu exemplo, que os povos sim podiam empreender e levar adiante projetos políticos, econômicos e sociais contrários à lógica do totalitarismo neoliberal. Não encontro palavras para enfatizar quanto decisiva foi para América Latina a sobrevivência de Cuba livre e soberana nesse momento, e quão decisiva continua sendo no presente.

Do significado da Revolução Cubana para a esquerda latino-americana de nossos dias, quero destacar dois ingredientes do concreto armado com que Fidel e Che forjaram suas colunas, cuja extraordinária qualidade explica que tenha sobrevivido a todos os contratempos que enfrentou e enfrenta.

Um ingrediente desse concreto das colunas da Revolução Cubana é a concepção, ética, moral, integral da consciência revolucionária e, em particular, do trabalho como fonte de riqueza social, antes e por cima de ser meio de benefício individual. Tão forte é esse princípio que sobre ele tem se sustentado o funcionamento da economia cubana durante as cinco décadas e meia nas quais, pelas razões conhecidas, Cuba não conseguiu estabilizar a construção da base material do socialismo e, por conseguinte, tampouco pode aplicar de modo efetivo a fórmula socialista de distribuição a cada um segundo seu trabalho, em outras palavras, não pode estabelecer um equilíbrio entre as políticas sociais que beneficiam ao povo em seu conjunto, e um salário real que cubra as necessidades particulares do trabalhador, trabalhadora e suas famílias.

Apesar do compreensível desgaste sofrido pelo mecanismo ideológico devida sua tão prolongada sobreutilização para compensar o déficit na produção e distribuição da riqueza material, quando hoje falamos em reencaminhar a economia cubana, está claro que no futuro previsível teremos que continuar apelando a ele como a mola fundamental para mover a essa imensidão de homens e mulheres que levam sobre seus ombros o peso da produção e dos serviços do setor estatal, até o dia em que finalmente consigamos definir a combinação de formas de propriedade social sobre os meios de produção, de mecanismos –morais e materiais- de estimulo ao trabalho criador, e de políticas públicas e políticas salariais de distribuição social de riqueza, todos eles adequados às possibilidades e as necessidades da Cuba do século XXI.

Criar riqueza com a consciência

Impregnada no povo a concepção revolucionária de criar riqueza com a consciência –e não consciência com riqueza-, essa extraordinária contribuição de Fidel e Che, é a que mantem com vida a Revolução Cubana ha mais de duas décadas apesar de ter sido derrubado o socialismo nos países com muito mais recursos econômicos e níveis de consumo que, e a que, apesar dos custos sociais e ideológicos das tarefas inconclusas da infância de nossa economia socialista, ainda nos estende pontes e amplia os prazos para enfrentar os problemas que arrastamos. Essa concepção é um dos elementos de maior vigência do pensamento do Che, não só para Cuba, mas também para os países latino-americanos que empreendem processos de transformação social revolucionária, os quais, tal como Cuba, terão que enfrentar desafios inéditos.

Um intelectual e líder do calibre do vice-presidente do Estado Plurinacional de Bolívia, Álvaro García Linera, fala do problema recorrente dos movimentos sociais que, em meio das lutas que desembocaram na eleição do governo de Evo Morales, assumiram posições e atitudes universalistas em prol da emancipação da sociedade boliviana em seu conjunto, e que logo, no desenvolvimento da Revolução Democrática e Cultural, assumem posições e atitudes particularistas e corporativistas, como a recente greve da Central Operária Boliviana – para só citar um exemplo, já que não é o único caso-, que pretendem desestabilizar o governo popular e são capazes de pressionar com a intenção de derrubá-lo em função de seus interesses egoístas e estreitos, sem se importarem que isso provoque o retorno da direita neoliberal ao controle do Estado, com sua desastrosa sequela para as maiorias e minorias nacionais, incluindo a eles mesmos.

Também se pode dizer dos efeitos do rentismo e clientelismo que a sociedade venezuelana arrasta das etapas anteriores à Revolução Bolivariana, uma das causas principais da relativamente elevada votação que recebeu o candidato direitista derrotado na recente eleição presidencial, Henrique Capriles, já que a burguesia e a classe média dessa nação não  podem ter mais que sete milhões de votos próprios. Sem dúvida há amplos setores populares na Venezuela que ainda ziguezagueiam ao vaivém do fluxo e refluxo da hegemonia do capital e isso requer travar batalhas, não tanto econômica como ideológica.

O outro componente do metafórico concreto armado dos pilares da Revolução é a concepção do internacionalismo como dever político e moral, claro que praticado em correspondência com as condições e requerimentos de cada momento histórico. Precisamente pela sistematicidade, o amor e o altruísmo com que a Revolução Cubana desenvolveu o internacionalismo desde seu triunfo, é que na atualidade colhe os benefícios dessa política. Internamente ela serviu para aprofundar a consciência revolucionária do povo, algo que se entronca e complementa com o dito no ponto anterior. No âmbito externo, permitiu mudar a correlação continental de forças a favor dos setores da esquerda e progressistas, e construir um sistema de relações políticas e sociais assentadas nas bases da ajuda internacionalista e solidária que hoje recebemos, que se multiplica na medida em que aqueles revolucionários modesto, e em muitos casos anônimos, que há décadas receberam das mãos de Cuba, na amplitude da geografia da Ásia, África, América Latina e Caribe, na atualidade são presidentes, primeiro ministros, ministros ou figuras políticas nos países com que mantemos relações fraternais de comércio, colaboração e cooperação.

Agora que há vários governos de esquerda e progressistas na América Latina e Caribe, é o momento de evitar o  comodismo de levar a política internacionalista e as relações solidárias de forma exclusiva ou desproporcionada, por canais intergovernamentais. Da mesma forma em que dentro de cada país onde a esquerda governa seja necessário uma interação complementar, harmônica e respeitosa entre Estado, partido e movimento social, também é necessário uma interação semelhante entre esses três atores no plano regional e mundial, não só para que o internacionalismo e a solidariedade sejam realmente integrais, mas também porque é a única forma de garantir sua continuidade a longo prazo. Há que ter presente que na história são produzidas sucessivos relevos geracional e a substituição de Fidel, Raúl, Chávez, Maduro, Evo, Correa, Daniel, Lula, Dilma, Tabaré, Mujica e outros, se genuíno, não resultará das estruturas governamentais, nem sequer das estruturas governamentais que eles dirigem, mas sim das jovens gerações dos movimentos sociais, social-políticos e políticos-populares, dos quais eles são oriundos.

Acumulação do trabalho

Além da vigência do pensamento do Che derivada de sua contribuição à Revolução Cubana, há que ressaltar o acumulado das lutas populares travadas na etapa 1959-1989, que ele simboliza, ainda que não tenha sido coroada com a tomada do poder politico nas condições e com as características que então se compreendia, é o principal fator que obrigou o imperialismo estadunidense e as oligarquias nativas a abrir os espaços de participação política legal através do qual forças de esquerda e progressistas chegaram ao governo, o que me leva a evocar o conceito marxista de trabalho acumulado.

Trabalho acumulado é aquele que se amealha nas maquinarias que multiplicam a produtividade do trabalho vivo. Seguindo esse conceito, luta acumulada é a que se acumula, não só na Revolução Cubana, que conquista o poder com as armas, mas também em todos os processos de transformação social revolucionário e de reforma social progressista que se desenvolvem na América Latina. Não haveria hoje na região governos de esquerda e progressistas se entre as décadas 1960 e 1980 não tivesse ocorrido um auge sustentado de diversas formas de luta popular, entre elas a luta armada revolucionária. Esta afirmação não é etérea. Ha casos muito óbvios. Por exemplo, si não tivesse triunfado uma revolução na Nicarágua em 1979, o Frente Sandinista de Libertação Nacional não teria podido assumir o governo pela via eleitoral nas eleições de 2006, nem teria continuado nas de 2011. Se a Frente Farabundo Marti para a Libertação Nacional de El Salvador não tivesse desenvolvido a insurgência revolucionária entre 1981 e 1991, não seria hoje o partido político em torno do qual se formou a coalisão que governa o país.

Ha casos menos óbvios, mas também reais e tangíveis. O Movimento Revolucionário 200 da Venezuela, protagonista do pronunciamento militar de fevereiro de 1992 contra o desgoverno de Carlos Andrés Pérez, se insere na tradição revolucionária venezuelana que, desde os anos sessenta, buscava combinar a luta armada com a insurreição de setores militares de esquerda. De maneira análoga, na construção do Instrumento Político boliviano, que desde as eleições de 2005 assumiu a identidade de Movimento ao Socialismo, se insere na luta acumulada dos continuadores do Exército de Libertação Nacional, comandado por Ernesto Che Guevara. Recordemos, ademais, que uma das vertentes da construção do Partido dos Trabalhadores no Brasil emana dos chamados sobreviventes do movimento insurrecional, entre eles a atual presidenta Dilma Rousseff. Também tem um papel importante na Frente Ampla do Uruguai o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, entre cujos dirigentes históricos se encontra o presidente José Mujica. É certo que há os que em seus atuais cargos de governo, em legislativos ou na Justiça, renegam de seu passado guerrilheiro ou o consideram uma etapa superada de suas vidas, mas sem esse passado não haveria governo, nem legislativo, nem Justiça que os aceitasse como membros.

Nesse contexto é preciso colocar a insurgência colombiana, uma parte da qual está envolvida em um diálogo com o governo nacional que esperamos desemboque em um acordo de paz, enquanto outra parte reitera sua disposição de iniciar um processo similar. A insurgência colombiana não pertence a uma espécie de lutadoras e lutadores revolucionários diferente dos que assumiram o poder em Cuba, a que desenvolve processos de transformação social revolucionária em Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, nem tampouco à que leva a cabo processos de reforma social progressista no Brasil, Uruguai, El Salvador e Argentina. A diferença reside em que a luta acumulada, que nos demais países mencionados já enriquece novos processos de transformação social revolucionária ou de reforma social progressista, ainda não ocorreu na Colômbia. Em outras palavras, na Colômbia até agora não houve a possibilidade de converter o acumulado da luta político-militar em acumulado de luta política, social e eleitoral, em condições que não implique uma renúncia à história nem aos objetivos estratégicos, uma conversão que sim foi possível fazer na Nicarágua, El Salvador e Guatemala, uma metamorfose que, como bem sabemos, não está isenta de contradições, desafios e perigos. Digamos que olhar a insurgência colombiana é olhar a um retrato de muitos de nós há vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos.

Rechaço universal ao genocídio

A outra cada da moeda também derivada das lutas populares nas décadas de 1960, 1970 e 1980, é o rechaço universal provocado pelo genocídio praticado pelas ditaduras militares de “segurança nacional”  do Cone Sul e os estados contra insurgentes da América Central. O acumulado de lutas populares e o acumulado de repressão ditatorial induzem o imperialismo estadunidense e as oligarquias nativas a reconhecer e respeitar os direitos de participação política que historicamente negaram a esses povos, e este ultimo somado aos efeitos sociais da restauração neoliberal, explica que forças de esquerda e progressistas cheguem ao governo através de eleições.

É certo que forças progressistas e de esquerda hoje ganham eleições, mas há que mencionar os golpes de Estado em Honduras e Paraguai, as campanhas desestabilizadoras e pró golpistas em Venezuela, Bolívia e Equador, e as guerras imperialistas de recolonização na África do Norte e no Oriente Médio, para demonstrar que a violência reacionária não desapareceu da face da terra, mas sim se incrementou. De modo que a legalidade e a legitimidade não bastam para defender os espaços institucionais, políticos e sociais conquistados pelos povos. É necessário ter também a capacidade e a vontade de defende-los através do exercício da violência revolucionária. Sem dúvida alguma, é muito importante que a auditoria dos resultados da eleição de 14 de abril de 2013 tenha demonstrado a pureza desse processo, porque ele ratifica o respeito da Revolução Bolivariana à vontade cidadã. Não obstante, por si só não se basta. A verdade, algo que nunca interessou ao imperialismo nem à direita, tivesse sido negada e escamoteada, a não ser pelo apego à Constituição e o apoio a Revolução da Força Armada Bolivariana, das milícias populares, da maioria dos homes e mulheres do povo venezuelano, e dos governos e as forças de esquerda e progressistas de América Latina e Caribe.

Concluindo,- não por esgotar o tema, mas para não estender-me mais-, é de mencionar a vigência do muldimensional conceito guevariano de emancipação política, econômica, social, cultural, humana, latino-americana, terceiro-mundista, conceito excepcionalmente fértil para o cultivo e florescimentos das novas visões que hoje ampliam os horizontes dos movimentos sociais e social-políticos e políticos de América Latina e Caribe.

Notas:

(1) Ver Vladimir Ilich Lenin: “La Bancarrota de la II Internacional”, Obras Completas, t. 26, Editorial Progresso, Moscou, 1986, pp 228-229.

(2) Firmados em agosto de 1987. Politólogo e doutor em Ciências Filosóficas. É professor do Centro de Estudos Hemisféricos e sobre Estados Unidos da Universidade de La Habana.

O texto acima é a palestra dada no colóquio “Che Guevara na hora atual no 85º aniversário de seu nascimento”, celebrado no teatro do Ministério de Educação Superior de Cuba, em La Habana, nos dias 13 e 14 de junho de 2013. 

Original está na revista Casa de las Américas.

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