1. Em julho de 2012, Angel Carromero, cidadão espanhol, vice-secretário geral da organização Novas Gerações (movimento juvenil do conservador Partido Popular (PP) espanhol) e assessor da Câmera Municipal de Madrid, e o cidadão sueco Jens Aron Modig, líder da Liga da Juventude Democrática Cristã (KDU), vinculada à direita sueca, viajaram a Cuba com vistos de turistas.
2. A missão que seus respectivos partidos políticos lhes deu consistia em buscar e financiar alguns membros da dissidência interna e elaborar planos de ações contra o governo cubano.
3. O Código Penal sanciona severamente este tipo de atividade, ilegal em Cuba como na maioria dos países do mundo.
4. Oswaldo Payá , líder do Movimento Cristão de Liberação (MCL), recebeu deles 4.000 dólares, de acordo com Modig.
5. No dia 22 de julho, Carromero e Modig estavam em um carro com os dissidentes cubanos Oswaldo Payá e Harold Cepero Escalante, do MCL, e foram vítimas de um acidente de trânsito perto da cidade de Bayamo.
6. Os dois cubanos opositores, que estavam no banco de trás do carro, sem cinto de segurança, morreram.
7. Os dois cidadãos estrangeiros, que estavam na parte da frente usando cinto de segurança, sobreviveram.
8. Payá faleceu no momento do choque devido a um traumatismo craniano e Cepero morreu pouco depois, no hospital, de insuficiência respiratória.
9. Em sua declaração à polícia no hospital de Bayamo, Carromero disse que não viu a placa que indicava uma zona em obras e perdeu o controle do veículo, chocando-se contra uma árvore. A agência de notícias espanhola EFE confirma essa versão: “não viu a placa de redução de velocidade”.
10. Os testemunhos de três pessoas que estavam na área do momento do acidente, José Antonio Duque de Estrada Pérez, Lázaro Miguel Parra Arjona e Wilber Rondón Barreroont, confirmaram que o carro estava em alta velocidade e que se chocou com uma árvore depois de derrapar na rodovia em obras.
11. O cidadão sueco, ileso, voltou a seu país dias depois de dar sua declaração.
12. A filha de Oswaldo Payá, María Payá, que estava em Havana, disse à imprensa que um carro tinha investido várias vezes por trás do veículo em que viajava seu pai e acusou o governo de assassinato.
13. Ela declarou que várias pessoas que viviam na Suécia receberam mensagens telefônicas de Modig informando que um carro os teria atropelado.
14. Entretanto, os elementos factuais e os testemunhos contradizem a versão da família de Payá. De fato, além dos testemunhos das pessoas que estavam no lugar, as fotos do veículo não mostram nenhuma marca de choque na parte de trás.
15. Modig desmentiu a versão da família Payá. Segundo ele, nenhum outro veículo esteve implicado no acidente. Para o El Nuevo Herald, de Miami, diário que representa o ponto de vista do exílio cubano, ele confirmou estas declarações em um artigo intitulado: “Político sueco nega que outros veículos estiveram implicados nos acidente em que morreu Payá”.
16. Modig também desmentiu as declarações de María Payá sobre as mensagens. Segundo ele, não mandou nenhuma mensagem a ninguém na Suécia.
17. Carromero também desmentiu a versão familiar em uma entrevista à EFE: “Nenhum veículo bateu por trás no nosso carro”.
18. Também negou as teorias do complô da família Payá. “Peço à comunidade internacional que se concentre em me tirar daqui e não utilizar o acidente de trânsito — que poderia ter acontecido com qualquer pessoa — com fins políticos”.
19. Da mesma maneira, as acusações não resistem a uma análise. De fato, é difícil crer que o governo cubano se arriscaria a atentar contra a vida de um proeminente dissidente enquanto ele estava com várias testemunhas, entre eles dois cidadãos estrangeiros que saíram ilesos e foram liberados.
20. Em uma declaração ao diário de Estocolmo, o pai de Modig, Lennart Myhr, explicou que falou com seu filho depois do acidente. Em nenhum momento se referiu a outro veículo nem a uma perseguição dos serviços de inteligência cubanos.
21. O líder dissidente Elizardo Sánchez declarou à agência France-Presse que não acreditava na tese e que achava se tratar de um acidente.
22. O Nuevo Herald publicou um artigo a respeito com o seguinte título: “Sobrevivente negam a versão da família de Payá”.
23. O diário espanhol El País, pouco favorável ao governo cubano, também colocou em questão a versão da família de Payá. “A tese de uma tenebrosa conspiração para matar Payá, que a família e parte da oposição sugeriram a princípio, se desvanece depois das declarações dos próprios Carromero e Modig, confirmando que tudo foi um acidente fatal”.
24. Depois de vários dias de investigação e interrogatório, Carromero foi processado por homicídio culposo. A velocidade excessiva foi a principal causa do acidente, de acordo com as autoridades cubanas.
25. De acordo com os especialistas, o veículo ia a uma velocidade superior aos 120 quilômetros por hora, em uma parte da rodovia limitada a 60 quilômetros por hora, e freou de repente em uma estrada escorregadia e sem asfalto. Carromero realizou o trajeto de Havana a Bayamo, de 800 quilômetros, em menos de oito horas, com três paradas.
26. De acordo com o Ministério de Interior cubano, a “falta de atenção [de Carromero] ao controle do carro, o excesso de velocidade e a decisão errônea de frear em uma superfície escorregadia foram as causas deste trágico acidente que custou as vidas de dois seres humanos”.
27. Depois de frear, o veículo derrapou por 63 metros, o que confirma a alta velocidade.
28. Na verdade, Carromero não estava cometendo seu primeiro delito de trânsito. É um perigoso reincidente múltiplo.
29. Perdeu sua habilitação em maio de 2012 por excesso de velocidade. Foi condenado a uma sanção de seis pontos e uma multa de 520 euros, a mais alta que prevê o Código de Circulação espanhol, aplicada somente quando um veículo ultrapassa mais de duas vezes a velocidade permitida.
30. Dessa forma, Carromero dirigiu em Cuba de forma totalmente ilegal.
31. Carromero tinha 45 multas por delitos de trânsito acumuladas desde março de 2011.
32. Teve de pagar um total de 3.700 euros por elas.
33. Depois de um julgamento de várias semanas, a promotoria pediu uma pena de sete anos de prisão por homicídio culposo.
34. Em outubro de 2012, Carromero foi condenado a quatro anos de prisão.
35. Em dezembro de 2012, depois de quatro meses de prisão, Carromero foi autorizado a cumprir o restante de sua pena na Espanha, depois de um acordo entre Madrid e Havana.
36. Por seu status de líder político, recebeu indulto parcial para evitar a prisão. Agora carrega um bracelete eletrônico.
37. Em março de 2013, em uma entrevista ao Washington Post, Carromero modificou suas declarações iniciais e afirmou que um carro estatal bateu neles por trás, o que causou a perda do controle do veículo e o acidente.
38. Entretanto, as fotos de veículo não mostram nenhuma marca da batida por trás, o que contradiz a nova versão de Carromero.
39. Carromero salienta também que foi drogado e obrigado a assinar uma declaração durante o julgamento.
40. O Consulado Geral da Espanha em Cuba contradiz essa versão, uma vez que qualificou o julgamento de “processualmente impecável”.
41. Em agosto de 2013, em uma entrevista ao diário espanhol El Mundo, Carromero afirmou que “os serviços secretos cubanos assassinaram Oswaldo Payá”.
42. Na entrevista para o Washington Post, Carromero afirmou que desmaiou durante o acidente e acordou na ambulância. “Nem Oswaldo, nem Harold, nem Aron estavam comigo”.
43. Por outro lado, na entrevista para o El Mundo, declarou se lembrar que Payá “saiu vivo do acidente”, contradizendo suas próprias afirmações ao Washington Post.
44. Ofelia Acevedo, a viúva de Payá, declara que “a Espanha tem as provas de que seu marido foi assassinado”.
45. Questionada a respeito, a União Europeia limitou-se a declarar: “Se o senhor Carromero tem novas provas das circunstâncias da trágica morte [do vencedor do] Prêmio Sajarov Oswaldo Payá, deveria apresentá-las aos tribunais competentes”.
46. De sua parte, o governo espanhol optou por ignorar as novas declarações de Carromero. Questionado sobre o tema, o Ministério de Assuntos Exteriores rejeitou a polêmica: “Nossas avaliações sobre esse assunto terminaram quando o senhor Carromero voltou para a Espanha”.
47. Em apuros depois das declarações de Carromero, o Partido Popular decidiu se manter em silêncio e se negou a dar qualquer declaração, anunciado que não falaria do assunto.
48. O deputado Gaspar Llamazares, do [principado de] Astúrias, pediu a Carromero que fosse aos tribunais, mas duvidou da veracidade das novas declarações. Segundo Llamazares, “se ele tivesse algo teria apresentado a justiça naquele momento ou quando voltou para a Espanha”.
49. Por sua vez, o deputado Teófilo de Luis, membro do Partido Popular, rejeitou as novas afirmações de Carromero: “Minha responsabilidade se limita ao que ele explicou em Havana. Limita-se a aplicar o acordo de extradição, que foi de acordo com o que ele disse na ocasião”.
50. Em março de 2012, depois da visita da família de Payá a Espanha, o governo de Mariano Rajoy encarou o tema com reservas e declarou “que não vai apoiar uma investigação sobre a morte de Oswaldo Payá”, legitimando assim as conclusões de Havana.
Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relaciones entre Cuba e Estados Unidos.
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