Por Camila Piñeiro Harnecker* no O Diário
Em Cuba define-se actualmente um novo caminho para a nação. Tratar-se-á de um socialismo estatista melhor organizado, ou um de mercado ou um realmente democrático, ou – mais provavelmente – uma combinação dos três. Prever que visão irá prevalecer nas mudanças actuais é um mero exercício especulativo. No entanto, algumas evidências permitem avaliar o peso que tem hoje cada propositura, e as possibilidades da flutuação da sua influência.
A forma que vier a tomar o novo modelo cubano dependerá da influência relativa das diferentes maneiras de entender o socialismo e visualizar o futuro de Cuba. Ainda que estas posições ou correntes de pensamento, no geral, coincidam que, a longo prazo, o principal objectivo deve ser uma sociedade mais justa e liberta das dificuldades económicas que hoje enfrentamos, diferem claramente na sua forma de entender a justiça e a liberdade, portanto o socialismo. Em boa medida partilham o sintomático diagnóstico da situação actual, mas identificam diferentes causas de fundo e soluções para esses problemas. Assim, tendem a estabelecer diferentes metas a curto e médio prazo e, ainda mais importante, a propor diversos meios para alcançar estes objectivos pelo que – ainda que nem sempre se reconheça – levam-nos a diferentes estádios.
Este trabalho identifica as três principais posições, ou visões, do socialismo em Cuba que estão a influenciar as actuais mudanças: a estatista, a economicista e a auto-gestionária. Estas não são mais do que ferramentas de análise para caracterizar a traços largos os enfoques existentes na ilha sobre o que é necessário para salvar o projecto socialista cubano [1]. O único propósito da sua utilização é assinalar as ideias que mais os identificam, pois, na realidade, ainda que as pessoas possam caracterizar-se mais claramente por uma das posições, partilham alguns pontos de vista umas das outras. Os contrastes das três correntes de pensamento podem observar-se quando se analisam os objectivos que perseguem as suas visões do socialismo. Isso reflecte-se nos problemas fundamentais que identificam na sociedade cubana e nas diferentes soluções que propõem ao evidenciarem as suas dissímeis estratégias a construção socialista [2].
As observações aqui expostas baseiam-se na análise despreconceituada do discurso público – declarações oficiais, debates formais e informais, afirmações em meios de comunicação – e publicações académicas e jornalísticas – cubanos nos últimos anos. O objectivo deste trabalho é contribuir para o debate esclarecendo as posições mais importantes, para assim facilitar consensos sobre questões tão centrais como quais são os objectivos das mudanças que se estão a experimentar, e que meios são mais efectivos para os atingir.
VISÕES QUE EMERGEM DE VÁRIAS CORRENTES DE OPINIÃO
Estatistas: aperfeiçoemos o socialismo de Estado
Para os estatistas o principal objectivo do socialismo é um Estado representativo, bem administrado, que controle a sociedade. O seu enfases está em alcançar um Estado forte; não maior mas que funcione correctamente e assegure que os subordinados cumprem as tarefas atribuídas. Os representantes desta corrente fazem finca-pé em que o Estado cubano é diferente do dos países capitalistas: que é «socialista» porque responde aos interesses dos trabalhadores e não dos capitalistas.
Segundo os estatistas, a forma mais adequada para proporcionar os bens e serviços que todos os cidadãos necessitam para satisfazer as suas necessidades básicas é um Estado centralizado através de uma estrutura vertical. Para eles, a coordenação horizontal de actores autónomos, individuais ou colectivos, não é possível e provoca o caos. Ainda que, perante as deficiências da planificação autoritária, alguns tenham admitido alguma presença das relações de mercado como algo inevitável. As organizações autónomas – sobretudo as geridas democraticamente – provocam conflitos e promovem a desintegração social. De acordo com esta vertente os cidadãos não estão preparados para administrar os seus próprios assuntos, e se lhes for dada a oportunidade de participar na tomada de decisões unicamente terão em conta os seus interesses individuais e de curto prazo, o que redundaria em ineficiência económica e desintegração social.
No cerne das mudanças propostas pelos estatistas está levar o controlo e a disciplina à sociedade cubana, particularmente à economia. A redução do deficit fiscal e comercial parece ser a primeira prioridade. Isto traduziu-se na tendência de impor demasiado altos, tanto para as empresas estatais como não estatais, e a reduzir os gastos através dum corte dos serviços sociais ou o encerramento de empresas sem considerar se as comunidades afectadas e os colectivos de trabalhadores podem assumir a sua gestão e, portanto, diminuir a sua necessidade de subvenções [3].
Esta corrente de pensamento não considera necessário fazer alterações profundas: com maior controlo e exigência por parte dos directores e do Partido [4], juntamente com alguma descentralização e consulta às massas, as instituições actuais podem funcionar adequadamente; sobretudo se o Estado se desencarregar da gestão das pequenas e médias empresas e os governos locais tiverem os seus próprios recursos para resolver os problemas nos seus territórios. Na sua opinião, se os salários estatais satisfazerem as necessidades básicas, a maioria dos problemas serão resolvidos [5]. Repetem o apelo ao presidente Raúl Castro para que «altere os métodos de trabalho», mas não incluem nisso a permissão das instituições serem mais autónomas e democráticas, e nem sequer os níveis mínimos de transparência que possibilitem tornar público o orçamento dos governos locais e das empresas estatais [6].
Segundo os estatistas, os principais problemas da sociedade cubana são a indisciplina e a falta de exigência dos administradores, funcionários de ministérios e membros do Partido. Tal teve como resultado baixos níveis de produtividade e qualidade, descontrolo e desorganização, o que permitiu que o desvio de recursos do Estado se tenha tornado natural e se tenha expandido a corrupção. Certamente, o controlo, a disciplina e, principalmente, a sistematização são realmente necessários para que qualquer projecto tenha êxito, e estas prácticas não têm sido comuns nos trabalhadores e administradores cubanos há décadas.
No entanto, ainda que as três correntes coincidam em classificar como maligno o descontrolo nas instituições estatais, diferem sobre as causas de fundo, bem como o tipo de métodos de controlo que consideram eficaz e justo e, portanto, o que deveria ser implementado. Os estatistas insistem no carácter cultural do problema, que poderia ser resolvido com educação por meios tradicionais directos ou indirectos. Uma «mudança de mentalidade» é apresentada como solução de fundo sem precisar como se vai levar a cabo. Enquanto os economistas apontam como causa do problema os baixos salários e propõem instaurar incentivos materiais adequados; para os auto-gestionários trata-se da forma como as instituições cubanas estão organizadas, e propõem estabelecer modelos de gestão com relações sociais menos alienantes que permitam o sentido de pertença e libertem as capacidades criativas das pessoas [7].
Isto é, a solução para os estatistas é um maior controlo e supervisão na estrutura vertical, alguma – tão pouca quanto possível – autonomia para os administradores [8]. Pensa-se apenas em órgãos de controlo externo ao grupo que deve ser supervisionado como os directores sobre os trabalhadores ou a recém criada Controladoria Geral da República sobre os directores. Parece não se reconhecer os limites da supervisão externa e vertical, nem as vantagens do controlo interno ou a auto-supervisão por parte dos colectivos – de trabalhadores ou comunidades – que realmente se vêem como donos, e do controlo social das pessoas sobre os seus superiores através de uma prestação de contas – transparente, directa e permanente – nas instituições públicas.
Seria um erro supor que a maioria dos funcionários do aparelho estatal se identifica com a posição estatista. Em todos os níveis do Estado cubano há os que estão realmente interessados em reduzir a intervenção deste na vida das pessoas [9]; Aproximam-se mais às tendências economicista ou auto-gestionária, dependendo da sua experiência de vida e da sua exposição a ideias alternativas. No entanto, o estatismo tem uma boa representação nos administradores e funcionários estatais de nível médio que temem perder os seus postos de trabalho e portanto a sua vida profissional (status, reconhecimento social) e/ou a sua capacidade de beneficiar com o Estado com a corrupção.
Esta posição é, além disso, apoiada por muitos cubanos que, cansados de burocratas incompetentes, querem que regresse a ordem. E também por aqueles que estão preocupados com o descontrolo social das últimas décadas, que se manifesta em comportamentos anti-sociais, prejudiciais económica e culturalmente. Alguns cubanos rejeitam mudanças mais substanciais por temerem perder as conquistas sociais da Revolução. Além disso há alguns intelectuais educados no marxismo de tipo soviético que se opõem a qualquer tipo de descentralização e à abertura a organizações que não estejam directa e estreitamente controlados pelo Estado, tanto privadas como colectivas. Poder-se-ia pensar que os oficiais das Forças Armadas estão mais perto do estatismo, mas alguns – principalmente os gerentes de empresas militares – consideram a posição economicista como a mais pragmática, enquanto outros entendem as vantagens da participação e os riscos de promover o sector privado e o mercado para a coesão social.
Economicistas: o socialismo de mercado é o único factível
De acordo com os economicistas, o objectivo principal do socialismo deve ser o desenvolvimento das forças produtivas, entendidas como a capacidade tecnológica para criar mais riqueza material, isto é, crescimento económico [10]. O socialismo é entendido como redistribuição da riqueza; portanto, os representantes da corrente economicista sustentam que a construção deste não é possível até que as forças de produção se tenham desenvolvido o suficiente: se não há riqueza não há nada para distribuir [11].Daí que as actuais mudanças em Cuba devam procurar, sobretudo, um melhor desempenho da economia cubana com o objectivo de pôr o país num caminho de desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades materiais crescentes da população. Além disso, argumentam que, com uma redistribuição efectiva da riqueza, todas as instituições e modelos de gestão eficientes e produtivos são úteis para a construção do socialismo: «não importa a cor do gato desde que cace ratos»[12].
Segundo os economistas, a privatização e a mercantilização são essenciais e imprescindíveis ao desenvolvimento económico de qualquer sociedade, socialista ou não; enquanto que para os estatistas as empresas privadas e as relações de mercado são males arriscados mas necessários, que podem ser domesticados pelo Estado, e para a expansão de organizações alternativas que unam objectivos económicos e sociais.
Os economicistas identificam as principais causas do baixo rendimento da economia cubana na centralização, no monopólio estatal do comércio e da produção de bens e serviços, das tímidas restrições do orçamento e da ausência de incentivos materiais resultantes da iniciativa privada e das relações de mercado. Ainda que nem sempre publicamente reconhecido, consideram que o modelo de gestão privada capitalista (empresa autónoma, autoritária, guiada por interesses privados) é a forma mais efectiva de dirigir uma empresa, e que os mercados são a forma mais eficaz de coordenar as actividades económicas. Apesar disso, sublinham a importância da eficiência e argumentam, com razão, que a ineficiência do sector empresarial do Estado, ao tornar insustentável as conquistas sociais alcançadas pela Revolução, afecta todos os cubanos.
De acordo com esta postura, para que os agentes económicos se comportem de forma optimizada – isto é, para que os gerentes tomem as decisões correctas e os trabalhadores aumentem a produtividade – são ineludíveis, e em grande medida suficientes, os incentivos materiais e a «disciplina do mercado» [13]. Os produtores e os consumidores devem sofrer as consequências das suas acções na forma de maiores/menores recebimentos, inclusive se não tiverem controlo sobre as suas próprias opções. Os economicistas estão contra as relações paternalistas entre os cubanos e as instituições do Estado, que provocaram que muitos esperem que os seus problemas lhos resolvam outros. Mas os representantes desta tendência parecem esquecer que o papel do Estado – mesmo numa sociedade capitalista – é proteger os cidadãos; não satisfazer directamente as suas necessidades, mas assegurar que há as condições e capacidades para o fazerem, se tal for possível, por si-mesmos.
Esta posição não dá importância às preocupações de que a privatização e a mercantilização resultem em aumentos da desigualdade, à marginalização de grupos sociais, à exploração de trabalhadores assalariados e à deterioração do meio ambiente. Tais inquietações sociais, dizem, devem deixar-se mais para a frente, e não interferirem no avanço das mudanças. As consequências colaterais das reformas são naturais , e podem ser tomadas algumas medidas para as reduzir, argumentam os economicistas. Além disso fazem um apelo especial à aceitação do fato de que haverá «ganhadores» e «perdedores» em função das suas capacidades de lidar com as novas regras do mercado [14]. A justiça social parece ser uma expressão incómoda. Para os economicistas, os objectivos sociais são demasiado abstractos, e bastará um sistema de impostos que controle a queda de ingressos, com legislação que proteja os clientes, os trabalhadores assalariados e o meio ambiente.
Procurando uma maneira de conseguir um crescimento económico acelerado, defendem a necessidade de inserir Cuba no mercado internacional e atrair investimento estrangeiro. Insistem no facto inegável que Cuba não pode prescindir do financiamento externo, e apontam para o êxito da China e do Vietname, na promoção do crescimento através do investimento estrangeiro directo. Mas não mencionam os efeitos negativos das reformas nesses países: a crescente desigualdade, o abuso dos empresários e governos locais, o descontentamento social, a degradação ambiental e o vazio espiritual.
Influenciados pelo pensamento económico hegemónico neoclássico, os economicistas aceitaram muitas dos seus reducionismos e suposições, assim como a sua inclinação para ignorar as condições e procura sociais, e a passar por alto as vantagens da associação e da cooperação sobre a privatização e a concorrência do mercado. Ao rejeitar o argumento marxista central de que o trabalho assalariado é uma relação onde há exploração, evitam chamar o que na realidade são os cuentapropistas [N.do T.: trabalhadores por conta-própria, a quem já foi permitido por lei contratarem pessoas assalariadas] que contratam mão-de-obra: empresas privadas, porque isso lhes permite ignorar também os efeitos sociais deste tipo de empresas [15]. Não tendo em conta que as falhas do mercado não são devidas à falta de concorrência, mas que são inerentes inclusive nos mercados concorrenciais, esperam que uma maior concorrência e uma menor regulação solucionem o comportamento de curto-prazo, quase de cartel e anti-social que muitos cuentapropristas já manifestam [16].
Esta tendência tende a desestimar os argumentos que apontam para a complexidade do comportamento humano e os componentes sociais da individualidade que explicam a eficácia e a viabilidade das empresas geridas democraticamente. A democracia é boa, mas é um extra; não é realmente essencial para uma sociedade melhor: os peritos devem ser quem toma as decisões. Ao apelos à utilização de instrumentos de realização humana, para além dos bens materiais, como relações harmónicas com os outros, o desenvolvimento profissional ou o reconhecimento social, e as advertências sobre os perigos do consumo irresponsável e compusivo, parecem-lhes coisas retrógradas, opressivas da liberdade individual e, portanto, limitadoras do avanço da economia cubana.
Tal como com os estatistas, seria um erro identificar como subscritores desta posição todos os académicos ou profissionais graduados em conomia ou que exercem funções afins. Há economistas que não subvalorizam as metas sociais porque reconhecem a necessidade de olhar integralmente todo o sistema social e ver as actividades económicas como interdependentes e, por isso, responsáveis pelo seus efeitos sobre ele [17]. Por outro lado, o economicismo tem um terreno fértil nos tecnocratas estatais e burocratas encarregados de desenharem as novas políticas, pois é mais fácil para eles assumiremque os agentes privados se vão auto-regular através do funcionamento das leis do mercado e, portanto podem passar por alto as preocupações sociais. Os economicistas mais fervorosos são seguramente os administradores das empresas estatais que esperam que lhes seja transfirada a gestão destas – sabem que a propriedade legal, ao menos inicialmente, continuará nas mãos do Estado [18] – para finalmente poderem administra-las de acordo com os seus interesses, e evitarem todos os obstáculos e o sem sentido que o sistema de planificação actual significa para eles. Mais autonomia e menos controlo, menos segurança laboral e só participação formal dos trabalhadores, parece-lhes uma situação quase perfeita.
No entanto, o economicismo não está presente só entre os economistas, tecnocratas e quadros directivos estatais. Muitos cubanos, expostos à ideia de que os objectivos sociais são irreconciliáveis com a eficiência e a sustentabilidade económica, bem como que o crescimento económico da China e do Vietname se baseia na sua ampla privatização e mercantilização, vêem as propostas economicistas como as únicas soluções possíveis para as deficiências actuais da economia cubana.
Auto-gestionários: só um socialismo democrático é verdadeiro e sustentável
Tal como os estatistas – e diferentemente dos economicistas mais puros – os auto-gestionários defendem a necessidade de uma ordem social mais justa e sustentável [19] que o capitalismo. No entanto, prevêem um caminho diferente do «socialismo estatista» que marcou fortemente a versão cubana e que os estatistas tentam renovar, e do «socialismo de mercado» que os economicistas apresentam com o único factível. Os auto-gestionários argumentam que não pode haver socialismo verdadeiro sem solidariedade, sem igualdade – não igualitarismo –, sem participação substantiva das pessoas na tomada das decisões em todos os âmbitos da organização social – política, económica, cultural, etc. Para eles a essência do socialismo é a auto-gestão, o auto-governo pelas pessoas nos seus lugares de trabalho e nas suas comunidades até ao nível nacional; e eventualmente até abarcar toda a família humana. Isto é, socialismo é o controlo social da sociedade sobre o Estado, a economia, o sistema político e todas as instituições sociais [20].
Inspirados nas conceptualizações do socialismo do século XXI, e reafirmando os ideais humanistas, emancipadores e igualitários que marcaram a revolução cubana desde os seus inícios [21], os auto-gestionários sustentam que o objectivo do socialismo deve ser o desenvolvimento humano integral de todas as pessoas [22]. Esta suprema felicidade, auto-realização liberdade plena pode alcançar-se , basicamente, permitindo a cada pessoa desenvolver todas as suas capacidades, através da participação activa nas actividades sociais quotidianas, sobretudo na tomada de decisões que as afectam [23]. Construir o socialismo é, portanto, democratizar ou socializar os poderes; é libertar os indíviduos de toda a forma de opressão, subordinação, discriminação e exclusão que interfira na satisfação das suas necessidades materiais e espirituais. Os auto-gestionários procuram a emancipação tanto do Estado opressivo, como das instituições económicas não democráticas que não satisfazem as necessidades das maiorias; como as empresas privadas e estatais convencionais e os mercados ou mecanismos de distribuição verticais [24].
Para eles, o objectivo do socialismo cubano não deve cobrir as necessidades materiais crescentes dos seus cidadãos, mas também estabelecer as condições que lhes permitam desenvolver plenamente as suas capacidades como seres humanos e assim satisfazer as suas necessidades materiais e espirituais; e assumem que as primeiras vão mudar quando a vida quotidiana seja mais libertadora. Ainda que as relações de trabalho assalariado e de mercado sejam também formas de opressão, a maioria dos auto-gestionários concorda que não devem ser proibidas, e que a sociedade pode avançar até à sua gradual superação ou eliminação – não absoluta – tornando as empresas geridas democraticamente e as relações horizontais socializadas (ou «mercados socializados» [25]) sejam mais efectivas e atractivas [26].
O principal problema do socialismo cubano não é que a política tenha superado a economia, como colocam os economicistas, mas como essa «política» foi definida. Os auto-gestionários argumentam que as decisões, a nível central do Estado e inclusive nos governos locais e nas empresas, foram tomadas muito amiúde sem uma verdadeira participação do povo, e que por isso os benefícios da participação perderam-se [27]. As condições para o êxito da actividade económica – o das «leis» económicas que nos recordam sempre os economicistas – teriam sido tidas em conta se a tomada de decisões tivesse permitido a participação de todos os grupos sociais afectados por estas e os critérios dos peritos tivessem sido escutados. É a escassa ou nula participação democrática nas instituições políticas e económicas, o insuficiente controlo democrático dos órgãos executivos e de direcção o que – para além dos baixos salários – resulta na pouca motivação para o trabalho, para as decisões de gestão erradas e a corrupção a todos os níveis do Estado [28].
Ainda que os auto-gestionários concordem com os estatistas na necessidade de haver um maior controlo e com os economicistas na de estabelecer um sistema coerente de incentivos nas instituições cubanas, identificam diferentes causas de fundo dos problemas e propõem soluções diferentes. O fraco desempenho das instituições do Estado é principalmente consequência do pouco sentido de pertença dos trabalhadores e inclusive dos quadros directivos. Diferentemente das outras duas tendências, esta considera que os problemas na realização do sentido de propriedade das instituições estatais derivam, essencialmente, da natureza do processo de tomada de decisões e das relações sociais que se estabelecem dentro deles; e não fundamentalmente por falta de educação [29] ou da necessidade de incentivos privados estreitos [30]. Sem uma verdadeira propriedade – que não se equipara à propriedade legal – dos trabalhadores, não haverá motivação para assegurar que os recursos se utilizem correctamente [30].
A posição auto-gestionária sublinha a necessidade não só de redistribuir a riqueza, mas sobretudo de alterar como ela se produz, de que as instituições estejam organizadas de modo que permitam o exercício de verdadeiras relações socialistas. Isto desenvolveria a produtividade a criatividade das pessoas, e a riqueza se geraria desde o começo de forma mais justa e equitativa [32]. Para os auto-gestionários, «democratizar» ou «socializar» é estabelecer as relações sociais de trabalho [livre] associado e a associação em geral, isto é, a propriedade social que Marx identificou como a base sobre a qual descansa uma sociedade que se propõe transcender a ordem capitalista [33]. Além disso, assinalam que as ditas relações, e não só salários mais altos ou maior autonomia para os gerentes, são uma importante fonte de incentivos para a produtividade e a eficiência, e que, ao mesmo tempo, promovem o desenvolvimento dos homens e mulheres «novos» sem os quais a construção socialista é impensável. Os auto-gestionários enfatizam a necessidade de promover uma consciência socialista, solidária e o compromisso revolucionário com os historicamente marginalizados, e acrescentam que isso só se pode alcançar como resultado da prática quotidiana sob relações de associação e cooperação [34].
Segundo os estatistas e economicistas a democracia de um local de trabalho é na essência uma utopia incómoda que desafia a superioridade dos quadros, peritos ou empresários e resultaria num caos que levaria à ineficiência. No entanto, para os auto-gestionários os níveis desejáveis de eficiência e e de produtividade (ainda que não os atingidos através da sobre-exploração dos homens e da natureza) só se alcançam precisamente democratizando a gestão das empresas. Estão convencidos que a participação – ainda que não seja fácil de conseguir – constitui um meio indispensável para atingir maiores níveis de desenvolvimento das capacidades tanto dos trabalhadores (manuais, intelectuais e espirituais) como das forças produtivas em geral, já que o controlo social assegura o uso efectivo dos recursos e oferece incentivos positivos para a produtividade não disponíveis de outro modo. Rejeitam a falsa dicotomia proposta por economicistas: há que escolher entre a inevitável desigualdade e a justiça social com carências materiais [35].
Os que se identificam com esta posição advertem sobre os riscos da descentralização dos governos locais e das empresas estatais sem democratização, isto é, que permita às novas autoridades utilizar recursos segundo os seus critérios e sem controlo dos supostos beneficiários [36].
Do mesmo modo, chamam a atenção para a liberalização das muito necessárias relações horizontais entre agentes económicos, e sobre a necessidade de não reduzir a coordenação a um conjunto de normas [37]. Alguns defendem a necessidade de estabelecer, além de um marco regulatório bem desenhado, espaços de coordenação democrática entre produtores, consumidores e outros grupos sociais (ecologistas, feministas, minorias, etc.) para que a economia local possa ser orientada para os interesses sociais em vez de para a maximização dos lucros [38]. Enquanto outros reduzem a coordenação macroeconómica a um mercado regulado e não explicam como evitar o surgimento de interesses grupais alheios aos sociais.
Mas os auto-gestionários são vistos como voluntaristas por não terem em conta que nem todos os cubanos estão interessados em assumir a responsabilidade de participar na gestão das suas empresas e governos locais. Não argumentaram claramente por que razão a democratização é factível e como pode resultar numa maior eficiência e produtividade. Não obstante, isso não nega a possibilidade de estabelecer políticas públicas que permitam um incremento gradual da participação substantiva na tomada de decisões nessas organizações que nos dizem respeito.
É difícil definir que sectores da sociedade cubana se identificam com esta tendência. De facto, ante as constantes mensagens em defesa da privatização e da mercantilização através de diversos media nacionais e estrangeiros, não é surpreendente que muitos cubanos vejam a proposta auto-gestionária como utópica. Em Cuba tem havido poucas experiências de empresas e governos locais geridos democraticamente, antes e depois de 1959. Além disso, a ideia de participação democrática pode ter perdido o seu significado entre os cubanos porque as autoridades têm repetido que o sistema político e as empresas estatais são o mais participativos possível, e também porque a autonomia de gestão e inclusive a operação das «cooperativas» agro-pecuárias têm estado seriamente limitadas. Daí que seja compreensível que os defensores mais convencidos desta postura sejam intelectuais e profissionais que leram sobre a forma «alternativa» de pensar e construir o socialismo, ou que tiveram acesso aos discursos sobre o socialismo do século XXI.
No entanto, a preferência pela gestão democrática de organizações sociais é intuitiva (resulta da intuição ou instinto humano) para todos os cubanos que compreendam que a melhor maneira de resolver alguns dos seus problemas mais prementes é através do trabalho colectivo, ou cooperando com aqueles que sofrem as consequências do autoritarismo nos seus empregos e nas suas comunidades, ou os que começam a sofrer as consequências negativas da privatização e da mercantilização – incremento de preços, evasão de impostos, relação de subordinação dos trabalhadores contratados, etc. [39]. Além disso, os trabalhadores estatais, face à vinculação dos salários ao desempenho das suas empresas, estão cada vez mais interessados em ter o controlo sobre elas, e inclusive colocaram poder eleger os seus gestores [40]. Alguns, inclusive, estão a apelar à criação de cooperativas nas empresas estatais não estratégicas [41]. Em determinadas localidades (em Cárdenas, Matanzas, Santos Suarez, Havana), os cidadãos tentaram resolver de forma autónoma certos problemas da comunidade.
Considerações finais
Em Cuba define-se actualmente um novo caminho para a nação. Tratar-se-á de um socialismo estatista melhor organizado, ou um de mercado ou um realmente democrático, ou – mais provavelmente – uma combinação dos três. Prever que visão irá prevalecer nas mudanças actuais é um mero exercício especulativo. No entanto, algumas evidências permitem avaliar o peso que tem hoje cada propositura, e as possibilidades da flutuação da sua influência.
Sem dúvida, o economicismo é o que predomina tanto no Estado como entre a maioria dos cubanos. Ao apresentar a empresa privada e o mercado como os mais eficientes, ante o fracasso das empresas estatais convencionais e a planificação autoritária, e perante o desconhecimento da factibilidade de outras formas de socialização da economia, muitos não acreditam que existam melhores alternativas. No entanto, muitos cubanos não vêem no funcionamento da empresa privada e nos mercados algo natural, e desejam evitar as suas irracionalidades – preços diferenciados e variáveis, mais lucros para o comércio que para a produção, exploração, etc. – e efeitos negativos – desigualdades, contaminação, discriminação, etc.
O estatismo é abertamente reconhecido como a corrente de pensamento que nos conduziu à situação actual, e portanto aquela de que temos de nos afastar. Não obstante, sobretudo devido a um instinto de conservação, esta corrente goza de importante apoio dentro do Estado e entre aqueles que temem perder os êxitos sociais da Revolução. De facto a versão final dos Alinhamentos da política económica e social do partido e da Revolução é menos economicista e mais estatista que a inicial [42]. Outra evidência da perda de influência da tendência economicista é a moratória no plano que pretendia recolocar ou despedir 10% da força de trabalho cubana [43].
Da visão auto-gestionária há muito pouco nos Alinhamentos… e nas mudanças actuais. Estes não reflectem nem os objectivos – satisfação das necessidades materiais e espirituais das pessoas, isto é, das relativas ao desenvolvimento humano –, nem dos meios – democracia participativa, controlo democrático da sociedade, particularmente da política e da economia – propostos pelos auto-gestionários [44]. Ainda que o presidente Raúl Castro e outros altos funcionários do Estado tenham referido várias vezes a importância da «participação», o documento partidário só o faz três vezes, e na verdade no sentido da consulta ou implementação de decisões tomadas por outros [45]. A única aproximação à posição auto-gestionária está no reconhecimento das cooperativas como uma forma socialista de empresa, ainda que não se declare uma intenção de lhes dar prioridade sobre as empresas privadas. A decisão de outorgar uma maior autonomia às empresas estatais e governos municipais é um passo positivo, mas ainda se não reconhece o imperativo de os democratizar. Tal ausência reflecte o facto de os auto-gestionários estarem em minoria – pelo menos nos actuais espaços do poder –, o que em grande medida resulta da cultura verticalista, autoritária e patriarcal que caracterizou a sociedade cubana antes e depois do triunfo revolucionário.
No entanto, o imaginário de justiça social e emancipação contínua presente na identidade de muitos cubanos. Ainda que os netos da «geração histórica» estejam menos familiarizados com os ideais socialistas e revolucionários, um grande número também valoriza a identidade e a justiça, e inclusive rejeita algumas propostas de subordinação. A cultura da solidariedade cultivada pela Revolução ainda perdura, pelo que as diferenças sociais resultam incómodas e injustas para muitos. Algumas pessoas advertiram que sem a participação e controlo social das empresas e sem governos locais autónomos, Cuba está a preparar o caminho para o capitalismo [46]. Recentemente surgiram alguns sinais sobre a crescente presença da posição auto-gestionária, em artigos que defendem a necessidade dos trabalhadores de participarem realmente nas decisões de gestão para poderem assumir o papel de verdadeiros donos [47].
As três posições analisadas não podem reduzir-se a opções «boas» ou «más». Todas colocam preocupações legítimas que devem ser consideradas em qualquer decisão estratégica. Não obstante, a conveniência da democracia – não a representativa, liberal mas a «real» ou «participativa» - é amplamente aceite no mundo de hoje. Daí que, numa perspectiva normativa, a visão que procura maiores níveis de democracia deve ser mais desejável. Parece mais justo que a sociedade decida democraticamente o seu destino, em vez de colocar este poder em funcionários estatais que se comprometam a representar os interesses da sociedade, ou – pior ainda – em actores económicos bem dotados para dirigir desde a sombra «uma mão invisível» que nos afecta a todos.
No actual processo de definição do tipo de socialismo que os cubanos estarão a construir para as próximas décadas, devemos saber que há opções entre o socialismo de Estado e o de mercado. Se o nosso objectivo continua a ser alcançar uma sociedade o mais justa possível, deveria abrir-se mais espaço às ideias auto-gestionárias nos meios de comunicação; e os líderes deveriam retomar o enfases no valor da igualdade, da justiça e da solidariedade. Também haveria que ter em conta a importância que outros processos revolucionários actuais na América Latina outorgaram à democracia participativa em todas as esferas da sociedade. Assim como as empresas privadas foram autorizadas, deveria suceder com as cooperativas, de maneira que mais cubanos possam experimentar a auto-gestão. Agora que os governos locais e empresas estatais terão mais autonomia, ao menos devem-esse experimentar métodos mais democráticos, como o orçamento e a planificação participativos. É necessário ser pragmático, mas a partir de uma noção menos simplista da nossa sociedade e uma visãomenos condescendente de nós mesmos. Os cubanos dispostos a experimentar a auto-gestão deveriam poder fazê-lo, para assim decidir, a partir da sua experiência, se é ou não um caminho preferível.
Uma estratégia centrada apenas num crescimento económico sustentado e em melhorar o desempenho do Estado cubano pode melhorar as condições de vida de uma parte da população e poderá ajudar a manter as condiçõesde vida de uma parte da população e poderá ajudar a manter o apoio ao projecto socialista cubano. No entanto, na medida em que o crescimento económico venha fundamentalmente da privatização e da mercantilização – em vez da democratização ou socialização da economia – os interesses dos novos empresários, inevitavelmente, vão-se afastar dos sociais, e vão encontrar o modo de contribuir com menos impostos, cobrar preços mais altos, remeter o pagamento de alguns custos, tanto quanto possível, para a sociedade. Não muito tarde, como acontece nos países capitalistas e com economias de mercado, procurarão que o Estado corresponda aos seus interesses privados. Do mesmo modo, na medida em que os administradores dos governos locais e empresas estatais tenham mais autonomia sem democratização, tornar-se-ão comuns os abusos de poder e os trabalhadores mais capazes e revolucionários vão sair, desiludidos, para o sector privado ou para outros países. Portanto, se as mudanças se concentrarem apenas em «aperfeiçoar a economia», não só não se conseguirá o objectivo de melhorar as condições materiais da população cubana, como será afectada a coesão social que sustentou a Revolução. Os seus principais defensores estarão menos inclinados a apoiar um projecto que não têm em conta as suas necessidades e expectativas de justiça e dignidade.
Notas:
[1] Estes nomes não foram utilizados por pessoas ou grupos para se identificarem como tais. Por exemplo, Oscar Fernández («O modelo de funcionamento económico em Cuba e as suas transformações. Seis eixos articuladores», Observatorio de la Economía y la Sociedad Latinoamericana, n. 154, Málaga, agosto de 2011, disponível em www.ecumed.net) identifica duas formas «alternativas» de lidar com o actual processo de mudanças em Cuba: o dogmatismo e o pragmatismo, que coincidem em grande medida com o que chamo estatismo e economicismo. Fernández também sugere a existência de uma terceira posição cujos objectivos e propostas parecem estar em consonância com a tendência auto-gestionária.
onaria.
[2] O termo «construção do socialismo» entende-se de forma diferente pelas posições existentes devido às suas conceptualizações de que «socialismo» e «sociedade socialista» são diferentes. Destaca-se que o avanço para essa ordem social é um processo inevitavelmente gradual e não linear. Alguns consideram o «comunismo» (conceito proposto por Karl Marx, não o associado a países governados por partidos comunistas) como a etapa mais avançada do socialismo; enquanto outros o vêem como um horizonte a que nunca se pode chegar, mas serve para indicar a direcção do processo de transformação pós-capitalista.
[3] Ver Gabino Margulla, «Peligra el verano en el CSO “Marcelo Salado”», Trabajadores, La Habana, 6 de junio de 2011, disponível em www.trabajadores.cu; y D. Matías Luna, «Yaguajay: aprovechar lo que tenemos con disciplina, organización y control» (carta a la dirección), Granma, La Habana, 30 de Setembro de 2011, disponível em www.granma.cubaweb.cu/secciones/cartas-direccion. À frente, todas as cartas à direcção de Granma serão citadas nesta página web e indicar-se-á só a data.
[4] Ver a carta de J. P. García Brigos, «Propiedad y socialismo: un binomio inseparable» (8 de Novembro de 2011), onde defende que o que uma padaria fez mejor que outras no seu município foi que os delegados do governo local e outros funcionários «controlaram e exigiram» energicamente aos trabalhadores um bom produto. Similarmente, E. Broche Vidal («Falta de sistematicidad y control: el factor común», 16 de Setembro de 2011) disse que «se os directores são melhores, então os seus subordinados serão melhores». Ver também a carta de Borges Mujica (8 de Janeiro de 2010).
[5] Ver as cartas de López Pagola e Berger Díaz (4 e 12 de Fevereiro de 2010).
[6] Ver Anneris Ivette Leyva, «El Derecho al estilo de información», Granma, La Habana, La Habana, 7 de Agosto de 2011; e a carta de E. González (15 de julho de 2011).
[7] Pedro Campos, «Cooperativa, cooperativismo y autogestión socialista», Kaos en la red, disponível em www.kaosenlared.net/noticia/cooperativa-cooperativismo-autogestion-socialista, 21 de julho de 2008; e a carta de Rodríguez de Pérez (7 de Maio de 2010).
[8] A carta de Fleites Rivero (5 de Setembro de 2011) culpa os administradores de não controlarem e coloca que têm de estar motivados por seus salários. Ver también la de Osorio Fernández (30 de abril de 2010). Por su parte, Joaquín Ortega (Tribuna de La Habana, La Habana, 24 de julho de 2011, disponível em www.tribuna.co.cu) afirma que é possível «resolver esta situação desde la raíz, com controlo, exigência, rectidão e combatividade».
[9] Raúl Castro, no discurso de encerramento de Sexto Período Ordinário de Sessões da Sétima Legislatura da Asamblea Nacional do Poder Popular, 18 de Deziembro de 2010, expressou que «o Estado não tem que se meter em nada que seja pretender regular as relações entre dois indivíduos». Disponível em www.cubadebate.cu/raul-castro-ruz/2010/12/18/raul-castro-discurso-en-la-asamblea-nacional.
[10] Ver Omar Everleny Pérez Villanueva, «Notas recentes sobre a economía cubana», Espacio Laical, n. 3, La Habana, 2010, p. 81.
[11] Julio A. Díaz Vázquez («Un balance crítico sobre la economía cubana. Notas sobre dirección y gestión», Temas, n. 66, La Habana, Abril-Junho de 2011, pp. 124) afirma que foi utópico tentar construir el «comunismo», entendendo este último como a redistribução de acordo com as necessidades. Ele defende que a China e o Vietname, com a sua «colocação em práctica orgânica do mercado parecem confirmar que» não é possível construir o socialismo sem passar por um «período mercantil». Ver também a carta de Labrada Fernández (23 de julho de 2010); e Orlando Márquez, «Sin miedo a la riqueza», Palabra Nueva, La Habana, n. 203, a. XIX, La Habana, Janeiro de 2011, pp. 6-7.
[12] Ver a carta de Cruz Vento (19 de Fevereiro de 2010).
[13] Pavel Vidal Alejandro sugere emular como no Vietname, onde a expansão do sector privado e as relações de mercado foram as duas medidas mais importantes («Desarticular el monopolio de la centralización estatal», Espacio Laical, n. 2, La Habana, 2011, pp. 48 y 52).
[14] Félix López, periodista de Granma, sugere que a justiça social pode ser «inimigo da liberdade e da eficácia» («Burócratas vs. cambios», Granma, La Habana, 30 de setembro de 2011) e desvaloriza a advertência de que, ainda que a abertura à pequena empresa privada foi uma decisão correcta, sem medidas para socializá-las o que implica riscos importantes sobre os quais ainda não se está a actuar («Paisaje urbano y desafíos futuros», Granma, La Habana, 23 de Setembro de 2011). Omar Everleny Pérez Villanueva afirma que não deve haver «medo das distorsões que necessariamente vão aparecer na primeira etapa das mudanças» (ob. cit., p. 81). Ver tambiém Orlando Márquez, ob. cit., p. 6.
[15] Inclusive alguns funcionários do Ministério do Trabalho e Segurança Social não reconheceram que os trabajadores contratados se encontram numa posição de subordinação ante os que os contratam, ainda que eles tambiém trabalhem, situação que vai agudizar-se á medida que diminua a oferta de emprego estatal. (J. A. Rodríguez, «Casi se duplican los trabajadores por cuenta propia», Juventud Rebelde, La Habana, 4 de abril de 2011). Negar a relação desigual e em grande medida antagónica entre os propietários de negócios e os trabalhadores contratados, permite aos tecnocratas ignorar a necessidade de proteger os últimos com um código de trabalho ou algumas normas que garantam os seus direitos mínimos.
[16] Iliana Hautrive e Francisco Rodríguez Cruz parecem confiar na concorrência, mais que nas regulações, o que ensinará as empresas privadas a serem «mais responsáveis». Ver «Seriedad define éxito en empleo no estatal», Trabajadores, La Habana, 12 de Junho de 2011.
[17] Ver Oscar Fernández, ob. cit.
[18] Alguns gerentes de pequenas unidades empresariais estatais estão a limitar o seu desempenho na esperança de que as unidades lhes serão arrendadas em condições análogas ao que sucedeu com as unidades de cabeleireiro e barbearia.
[19] Enquanto «sostenible» implica que pode sustentar-se ao longo de certo tempo, o conceito de «sustentable» refere-se à capacidade de ter em conta os interesses das gerações presentes e futuras.
[20] Ricardo Ronquillo afirma que o socialismo «só é possível onde prevaleça um transparente, democrático e verdadeiro controlo operário» («Decido, luego existo», Juventud Rebelde, La Habana, 24 de Setembro de 2011). Fernando Martínez Heredia faz finca-pé em que o socialismo é o projecto de libertação humana que requere la acção consciente do povo («Socialismo», en Julho César Guanche, coord., Autocríticas. Un diálogo al interior de la tradición socialista, Ruth Casa Editorial, La Habana, 2009, p. 37). Alina Perera e Marianela Martín coincidem com Martínez Heredia em que o socialismo não resulta automáticamente do desarrollo das forças produtivas, e que a participação real é uma das «condições» para o aparecimento da esperada «consciência social» («La fuerza invisible que modela el mundo», Juventud Rebelde, La Habana, 25 de Setembro de 2011). Ver também Julio César Guanche, «Todo lo que existe merece perecer (o una pregunta distinta sobre la democracia)», en Autocríticas…, ob. cit., pp. 227-236, e Pedro Campos, «Democracia para controlar la burocracia», Kaos en la Red, 6 de Julho de 2011, disponível em www.kaosenlared.net.
[21] Basta considerar eo pensamiento humanista de José Martí, assim como as obras de Raúl Roa e Fernando Martínez Heredia que sublinham a essência emancipadora do socialismo.
[22] Ver Julio Antonio Fernández e Julio César Guanche, «Un socialismo de ley. En busca de un diálogo sobre el constitucionalismo socialista cubano en el 2010», Caminos, n. 57, La Habana, 2010, pp. 4, 10-11.
[23] A ideia de Marx sobre o desenvolvimento humano através da práctica revolucionaria foi destacada por Michael A. Lebowitz (El socialismo no cae del cielo. Un nuevo comienzo, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2009) e evidencia-se na análise de cubanos como Pedro Campos («¿Qué es el socialismo?», 29 de Setembro de 2006, disponível em www.oocities.org/es/amigos_pedroc/Socialismo-1.htm).
[24] A carta de Álvarez López (4 de Agosto de 2011) adverte que «a lei da oferta e la procura foi questionada nos debates em que participou» e pregunta-se «o que é a procura?, o que se necessita ou o que se pode na realidade adquirir?», y diz que os ricos sempre vão ser capazes de comprar, enquanto os que têm muito menos, não. Chávez Domínguez e Lugo Domínguez queixam-se nas suas cartas (20 de Maio e 11 de Setembro de 2011) que os «cuentapropistas» compram nas lojas estatais e açambarcam, para depois vender a preços mais altos.
[25] Os «mercados socializados» são os espaços de intercâmbio horizontal controlados por representantes de interesses sociais; Fazem a promoção interiorização desses interesses nos participantes autónomos (vendedores e compradores). Existem vários modelos de planificação democrática ou participativa que permitem institucionalizá-los.
[26] Ver Camila Piñeiro Harnecker, «Empresas no estatales en la economía cubana: ¿construyendo el socialismo?», Temas, n. 67, La Habana, Julho-Setembro de 2011, pp. 70-6. Disponível em http://www.odiario.info/?p=2406
[27] Ver Mayra Espina, «Mirar a Cuba hoy: cuatro supuestos para la observación y seis problemas-nudos», Temas, n. 56, La Habana, octubro-Dezembro de 2008, p. 137; y Carlos Alzugaray, en dossier «Cuba: ¿hacia un nuevo pacto social?», Espacio Laical, n. 2, La Habana, 2011, pp. 20-1.
[28] Pedro Campos, ob. cit.
[29] Para Fidel Vascós González, a consciência socialista é o resultado não das relações sociais em que vivem, mas sobretudo da educação (Socialismo y mercado, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2009, p. 104).
[30] Segundo José R. Fabelo (citado em «Trabajo. Llave maestra», Bohemia, La Habana, 13 de Octubro de 2010): «Se não tenho a disponibilidade de decidir sobre o que produzo, nem sobre o seu destino, nem intervenho na gestão, na planificação e muitas nem ganho em função do que faço, que sentimento de proletário vou ter?». Fabelo propõe harmonizar incentivos morais e materiais e assinala que os mecanismos económicos por si só não são adequados.
[31] Ver Rafael Hernández, Espacio Laical, n. 1, La Habana, 2011, p. 19; José Antonio Fraga Castro, director de la empresa estatal Labiofam, «apelou ao estabelecimento de mecanismos e métodos que motivem os trabalhadores a que sintam as empresas como realmente suas e participem de maneira substantiva no processo de gestão» como a melhor maneira de resolver os problemas actuais («Orden, disciplina e exigência», Tribuna de La Habana, La Habana, 12 de julio de 2011). A carta de Manso de Borges (23 de Julho de 2010) adverte que a privatização não é a solução, e defende socializar a propiedade com 1) a verdadeira participação na gestão dos trabalhadores, 2) a educação económica e política, e 3) o desenvolvimento das suas capacidades guiados pelos interesses colectivos e individuais.
[32] Ver Alina Perera y Marianela Martín, ob. cit.; Fernando Martínez Heredia, ob. cit., p. 33-4; Rafael Hernández, ob. cit., p. 4; Mayra Espina, ob. cit., pp. 134-5.
[33] Ver Pedro Campos, «¿Qué es el socialismo?», ob. cit.
[34] Ver Carlos Tablada, «El socialismo del Che», em Autocríticas…, ob. cit., pp. 141-5, 148-9; Mayra Espina, ob. cit., pp. 135-7. A carta de Aledo Roller (4 de Setembro de 2011) diz que «é a forma como organizamos a nossa vida económica e material o que, em última instância, determina a consciência social», propõe as cooperativas, e explica que em socialismo não deve haver trabalho assalariado e que a concorrência de mercado e a anarquia não devem «governar as nossas vidas».
[35] Julio César Guanche, «Es rentable ser libres», Espacio Laical, n. 2, La Habana, 2011, pp. 50-5; Armando Chaguaceda y Ramón Centeno, «Cuba: Una mirada socialista de las reformas», Espacio Laical, n. 1, La Habana, 2011, pp. 50-3.
[36] Ver Ovidio D’Angelo, «¿Qué conferencia y lineamientos necesitamos? Conferencia del pueblo para la nueva sociedad», Compendio de la Red Protagónica Observatorio Crítico, 12 de Julho de 2011, disponível em http://observatoriocriticodesdecuba.wordpress.com; e a carta de Martín (22 de Outubro de 2010) que alerta que a incapacidade dos trabalhadores em participar realmente no processo de disponibilidade poderá dar lugar a que os chefes abusem do seu poder.
[37] Arturo López-Levy alerta sobre as limitações objetivas inerentes aos mercados reais (não os descritos nos livros de texto). Pronuncia-se contra «as concepções economicistas» e que o objetivo não deve ser o crescimento económico, mas um desenvolvimento sustentável com objetivos sociais e ambientais (em dossier «Cuba: ¿hacia un nuevo pacto social?», ob. cit., p. 30).
[38] A carta de Sandoval López (30 de Setembro de 2011) queixa-se que os novos táxis privados não se preocupam com as pessoas, e sugiriu «incentivar a solidaridade» diminuindo os impostos para os que cobrarem preços mais acessíveis e permitam a supervisão social das personas. Ver também Camila Piñeiro Harnecker, ob. cit.
[39] Ver Fariñas Carmona, Granma, La Habana, 23 de Setembro de 2011; Pastor Batista Valdés, «Prestos para el disfrute, escurridizos en el aporte», Granma, La Habana, 4 de octubre de 2011; Lenier González, em dossier «Cuba: ¿hacia un nuevo pacto social?», ob. cit., pp. 22-3.
[40] Ver as cartas ao Granma de González Cruz (7 de Janeiro de 2011) e de Marichal Castillo (14 de mayo de 2011).
[41] Ver as cartas ao Granma de Rodríguez Vega (23 de Septembro de 2011), Paéz del Amo (9 de Setembro de 2011) e Arteaga Pérez (20 de Maio de 2011).
[42] De articular la planificção e o mercado, passou-se a manter a planificación como ferramenta central e «teniendo en cuenta el mercado» (Lineamiento n. 1). Das empresas do Estado poderem fixar os preços livremente, mudou-se para «rever integralmente o Sistema de Precios» (Lineamiento n. 67), ainda que sem dizerr como se vai fazer. Ver Partido Comunista de Cuba, Lineamientos de la política económica y social del Partido y la Revolución (Resolução aprovada no VI Congresso do PCC, Junho de 2011, disponível em www.congresopcc.cip.cu).
[43] Dos quinhentos mil trabajadores estatais que íam ser declarados «disponíveis» só lo foram menos de cento e cinquenta mil (Reuters, 10 de Maio de 2011).
[44] Rafael Hernández, ob. cit., p. 29.
[45] Lineamientos…, pp. 21-2 y 38.
[46] A carta de Regalado García (12 de Março de 2010) alerta para o risco de «voltar ao passado».
[47] Muitas das cartas à direcção do Granma já citadas que propõem a criação de cooperativas defendem que é a melhor maneira de ganharem e sentimento de pertença. Isabel Castañeda y Gonzalo Rubio («Una opinión: mirar adelante con sentido crítico y con ciencia», Granma, La Habana, 2 de Setembro de 2011) propõem a «co-propiedade» ou co-gestão nas empresas estatais.
* Profesora, investigadora y consultora de empresas. Centro de Estudios de la Economía Cubana (CEEC).
Publicado na revista cubana Temas, nº 70 Abril-Junho de 2012.
Tradução de José Paulo Gascão
Muito interessante essa revista. Voces poderiam postar mais sobre ela?
ResponderExcluirDe fato, vou procurar novos textos, talvez traduzir...
ResponderExcluirversão digital da revista (trimestral):
ResponderExcluirwww.temas.cult.cu
Esses dias que tive tempo, li o artigo e fiquei bastante preocupado.Essa turma agrupada no agrupmanto 2 é um perigo para a revolução cubana.
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