domingo, 24 de junho de 2012

Eu sou um dissidente!

Por Vicenzo Basile
Adaptado para o português-brasil por Solidários. 

Em Cuba não há discordância. Pelo que eu tenho aprendido, durante minha estada na ilha, cada cidadão é duas vezes dissidente. Dissidente por duas razões fundamentais. 

Em primeiro lugar, os cubanos, como tal, são inquietos e inconformados, eternamente insatisfeitos e perenemente descontentes. O cubano tem que reclamar, você pode amar ou pode odiar, mas é assim. É de sua natureza, talvez por desgraça, talvez por sorte, talvez por que seja  a mistura correta.

Em segundo lugar, o cubano é revolucionário (em sentido amplo e completo da palavra) e a revolução é sinônimo de mudanças. O revolucionário fala, critica, ele não concorda. O revolucionário, o verdadeiro revolucionário, portanto, é um eterno dissidente. Ele nunca está satisfeito; sempre tem que encontrar algo a dizer, algo que corrija o que o rodeia. É por isso que o cubano é dissidente duas vezes.

Nesse sentido, foi dissidente o pai de meu amigo cubano,  que me hospedando durante a minha primeira viagem a Cuba, me disse: “rapaz, aqui as coisas são o inferno (1)“.

Dissidentes foram meus amigos de Havana, que reclamaram com veemência quando algo não saia de acordo com o planejado (um ônibus com atraso, uma fila em uma loja). A exclamação foi a mesma durante um mês: “Esta é a mãe!”.

Da mesma forma, é minha amiga Mildred, cujo blog A dissidente foi censurado recentemente, que escreveu: “do meu ponto de vista revolucionário, vou discordar… Eu discordo porque sou uma dissidente diferente”.

Certamente, são dissidentes os blogueiros da La Joven Cuba, que há dois meses organizaram um maravilhoso encontro de blogueiros cubanos na Revolução, um encontro de blogueiros e blogueiras da ilha que discutiu todos os tipos de problemas que afetam a internet em Cuba; a falta de tecnologia da informação; o silêncio do governo cubano sobre a situação do cabo de fibra óptica da Venezuela; a diversidade de pontos de vista das diferentes individualidades que integram a nação cubana; entre outras, e concluíram:

“Em um espírito de integração, sempre baseada no respeito pelas diferenças e a individualidade de cada participante, que complementam um ao outro, sem cair em soluções fáceis, sem dogmas ou preconceitos. Nossa maior força é a nossa diversidade de perspectivas e interesses; somos um país”.

Este é, sem dúvida, a Cuba dissidente, a Cuba mais sem forma que pode ser encontrada. Que eu gosto de chamar os dissidentes da Revolução, ou seja, os dissidentes que desejam modificar, alterar, contribuir, melhorar, construir.

Mas, infelizmente, há outro tipo de "dissidência", que representa um percentual de menos de 1% da população cubana e que, como admitem, é destrutiva.

É destrutiva Gloria Estefan, símbolo da dissidência cubana e do "anticastrismo", que em muitas de suas canções sonha com uma Cuba livre, o retorno à sua terra amada, a bela Cuba que deixou quando criança. Em outras palavras, a tirânica Cuba de Batista, cuja esposa tinha como guarda-costas pessoal o pai dessa cantora e que, temendo ser julgado - juntamente com os outros Carrascos da tirania - fugiu para Miami.

Destrutivas são, por exemplo, as Damas de Branco, cujo pensamento político improvável é sintetizado perfeitamente nas palavras de sua falecida líder, Laura Pollan, quem ao saber que o genocida hondurenho Micheletti as apoiava – disse: “Bem, eu acho que é algo realmente emocionante ver como ele foi capaz de sustentar o poder lá em Honduras. É realmente emocionante saber que ele nos apoia, saber que todos os dias ele pede a Deus para que em Cuba seja restaurada a democracia, para que não haja nenhum morto, para que Cuba tenha a paz, e a felicidade; eu realmente sinto-me muito animada”.

É destrutiva Yoani Sanchez, que – em 2010 – respondendo a Salim Lamrani investigador francês sobre as realizações da Revolução, afirmou: “Mas, em 1959, embora Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era tão ruim. Havia uma florescente vida intelectual, um pensamento político vivo. Na verdade, a maioria das supostas conquistas atuais do sistema foram resultados inerentes à nossa idiossincrasia…Essas conquistas existiam antes”.

A blogueira é destrutiva porque participou de um ‘Festivalclic’ e, falando de liberdade na internet, esqueceu-se de dizer que há poucos dias o Google, aplicando a lei do bloqueio, impediu o acesso aos cubanos o acesso ao Google Analytics.

Obviamente, foram destrutivos os chamados "ex-presos políticos da primavera negra", que foram a procura de liberdade na Espanha e que agora, abandonados e renegados, tornaram-se novamente dissidentes.

Exemplos bem conhecidos. É claro que existem outros, e entre esses muitos criminosos.

Mas, repito, é uma parte pequena e isolada de uma magnífica sociedade civil cubana, marchando para o futuro.

Mas parece que a imprensa internacional e – consequentemente – para a opinião pública em massa (susceptível a influências da mídia) tudo isso não importa.

Eles estabeleceram que essas pessoas devem ser os verdadeiros dissidentes cubanos, aqueles que querem destruir o sistema cubano. Todos os outros, a grande maioria da população cubana, é uma massa sem forma, passiva e apática, que não pode (e nem deve) aceitar viver em um mundo alternativo que, finalmente, pode representar (e de fato representa) um exemplo para “todos os homens e mulheres honradas no mundo”.

Eu, pessoalmente, sou um construtor, sou crítico, sou um revolucionário. Eu digo em voz alta que Cuba precisa de mudanças, sobretudo econômicas e políticas, para melhorar a sua situação material e refinar ainda mais sua democracia. Eu digo que a imprensa cubana deve acordar deste sonho apático, deve ser dinâmica, curiosa e molestadora. 

Eu quero saber por que existem e por quanto tempo vamos ter duas moedas. Quando ocorrerá a verdadeira reforma de imigração. Eu quero continuar lutando para eliminar a eventual corrupção. Eu quero saber onde está o cabo de fibra óptica e saber qual foi o tubarão faminto que a comeu.

Eu não sou um dogmático, eu nunca fui e nunca vou ser.

No passado já aconteceu que alguém – supostamente revolucionário, mas certamente não cubano – com uma suposta ótica cubana, disse-me que Cuba é perfeita, é a sociedade mais avançada, que os cubanos vivem bem e que se você não gosta que vá viver em Miami. Eu tive que discordar e até tive que aceitar nomes como ‘revisionista burguês’ ou ‘derrotista’.

Por fim, eu decidi ficar longe dessas pessoas tristes e prejudiciais (que se definem ‘amigas de Cuba’), eu fico apenas com os dissidentes cubanos. Por isso, eu decidi me assomar virtualmente a essa "massa não uniforme".  Por isso eu posso gritar com honra, sabendo que desta vez vou ser respeitado
“Não concordo, eu critico, eu sou um dissidente!”

1 - “Muchacho, aqui las cosas están del carajo”.

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