Por Vicenzo Basile
Fonte: TUDO PARA MINHA CUBA
Adaptado para o
português-brasil por Solidários.
Em Cuba não há discordância. Pelo que eu tenho
aprendido, durante minha estada na ilha, cada cidadão é duas vezes dissidente.
Dissidente por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, os cubanos, como tal, são
inquietos e inconformados, eternamente insatisfeitos e perenemente
descontentes. O cubano tem que reclamar, você pode amar ou pode odiar, mas é
assim. É de sua natureza, talvez por desgraça, talvez por sorte, talvez por que
seja a mistura correta.
Em segundo lugar, o cubano é revolucionário (em
sentido amplo e completo da palavra) e a revolução é sinônimo de mudanças. O
revolucionário fala, critica, ele não concorda. O revolucionário, o verdadeiro
revolucionário, portanto, é um eterno dissidente. Ele nunca está satisfeito;
sempre tem que encontrar algo a dizer, algo que corrija o que o rodeia. É por
isso que o cubano é dissidente duas vezes.
Nesse sentido, foi dissidente o pai de meu amigo
cubano, que me hospedando durante a minha primeira viagem a Cuba, me
disse: “rapaz, aqui as coisas são o inferno (1)“.
Dissidentes foram meus amigos de Havana, que
reclamaram com veemência quando algo não saia de acordo com o planejado (um
ônibus com atraso, uma fila em uma loja). A exclamação foi a mesma durante um
mês: “Esta é a mãe!”.
Da mesma forma, é minha amiga Mildred, cujo blog A
dissidente foi censurado recentemente, que escreveu: “do meu ponto de vista
revolucionário, vou discordar… Eu discordo porque sou uma dissidente
diferente”.
Certamente, são dissidentes os blogueiros da La Joven Cuba, que há dois meses
organizaram um maravilhoso encontro de blogueiros cubanos na Revolução, um
encontro de blogueiros e blogueiras da ilha que discutiu todos os tipos de
problemas que afetam a internet em Cuba; a falta de tecnologia da informação; o
silêncio do governo cubano sobre a situação do cabo de fibra óptica da
Venezuela; a diversidade de pontos de vista das diferentes individualidades que
integram a nação cubana; entre outras, e concluíram:
“Em um espírito de integração, sempre baseada no
respeito pelas diferenças e a individualidade de cada participante, que
complementam um ao outro, sem cair em soluções fáceis, sem dogmas ou
preconceitos. Nossa maior força é a nossa diversidade de perspectivas e
interesses; somos um país”.
Este é, sem dúvida, a Cuba dissidente, a Cuba
mais sem forma que pode ser encontrada. Que eu gosto de chamar os dissidentes
da Revolução, ou seja, os dissidentes que desejam modificar, alterar,
contribuir, melhorar, construir.
Mas, infelizmente, há outro tipo de
"dissidência", que representa um percentual de menos de 1% da
população cubana e que, como admitem, é destrutiva.
É destrutiva Gloria Estefan,
símbolo da dissidência cubana e do "anticastrismo", que em muitas de
suas canções sonha com uma Cuba livre, o retorno à sua terra amada, a bela Cuba
que deixou quando criança. Em outras palavras, a tirânica Cuba de Batista, cuja
esposa tinha como guarda-costas pessoal o pai dessa cantora e que, temendo ser
julgado - juntamente com os outros Carrascos da tirania - fugiu para Miami.
Destrutivas são, por exemplo, as Damas de Branco,
cujo pensamento político improvável é sintetizado perfeitamente nas palavras de
sua falecida líder, Laura Pollan, quem ao saber que o genocida hondurenho
Micheletti as apoiava – disse: “Bem, eu acho que é algo realmente emocionante
ver como ele foi capaz de sustentar o poder lá em Honduras. É realmente
emocionante saber que ele nos apoia, saber que todos os dias ele pede a Deus
para que em Cuba seja restaurada a democracia, para que não haja nenhum morto,
para que Cuba tenha a paz, e a felicidade; eu realmente sinto-me muito
animada”.
É destrutiva Yoani Sanchez, que – em 2010 –
respondendo a Salim
Lamrani investigador francês sobre as realizações da Revolução, afirmou:
“Mas, em 1959, embora Cuba vivesse em condições difíceis, a situação não era
tão ruim. Havia uma florescente vida intelectual, um pensamento político vivo.
Na verdade, a maioria das supostas conquistas atuais do sistema foram
resultados inerentes à nossa idiossincrasia…Essas conquistas existiam antes”.
A blogueira é destrutiva porque participou de um
‘Festivalclic’
e, falando de liberdade na internet, esqueceu-se de dizer que há poucos dias o
Google, aplicando a lei do bloqueio, impediu o acesso aos cubanos o acesso ao Google
Analytics.
Obviamente, foram destrutivos os chamados
"ex-presos políticos da primavera negra", que foram a procura de liberdade
na Espanha e que agora, abandonados
e renegados, tornaram-se novamente dissidentes.
Exemplos bem conhecidos. É claro que existem
outros, e entre esses muitos criminosos.
Mas, repito, é uma parte pequena e isolada de uma
magnífica sociedade civil cubana, marchando para o futuro.
Mas parece que a imprensa internacional e –
consequentemente – para a opinião pública em massa (susceptível a influências
da mídia) tudo isso não importa.
Eles estabeleceram que essas pessoas devem ser os
verdadeiros dissidentes cubanos, aqueles que querem destruir o sistema cubano.
Todos os outros, a grande maioria da população cubana, é uma massa sem forma,
passiva e apática, que não pode (e nem deve) aceitar viver em um mundo
alternativo que, finalmente, pode representar (e de fato representa) um exemplo
para “todos os homens e mulheres honradas no mundo”.
Eu, pessoalmente, sou um construtor, sou crítico,
sou um revolucionário. Eu digo em voz alta que Cuba precisa de mudanças,
sobretudo econômicas e políticas, para melhorar a sua situação material e
refinar ainda mais sua democracia. Eu digo que a imprensa cubana deve acordar
deste sonho apático, deve ser dinâmica, curiosa e molestadora.
Eu quero saber por que existem e por quanto tempo
vamos ter duas moedas. Quando ocorrerá a verdadeira reforma de imigração. Eu
quero continuar lutando para eliminar a eventual corrupção. Eu quero saber onde
está o cabo de fibra óptica e saber qual foi o tubarão faminto que a comeu.
Eu não sou um dogmático, eu nunca fui e nunca vou
ser.
No passado já aconteceu que alguém – supostamente
revolucionário, mas certamente não cubano – com uma suposta ótica cubana,
disse-me que Cuba é perfeita, é a sociedade mais avançada, que os cubanos vivem
bem e que se você não gosta que vá viver em Miami. Eu tive que discordar e até
tive que aceitar nomes como ‘revisionista burguês’ ou ‘derrotista’.
Por fim, eu decidi ficar longe dessas pessoas
tristes e prejudiciais (que se definem ‘amigas de Cuba’), eu fico apenas com os
dissidentes cubanos. Por isso, eu decidi me assomar virtualmente a essa
"massa não uniforme". Por isso eu posso gritar com honra,
sabendo que desta vez vou ser respeitado
“Não concordo, eu critico, eu sou um dissidente!”
1 - “Muchacho, aqui las cosas están del carajo”.
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