Por Pedro Mülbersted Pereira*
Fonte: DESACATO
A visita do papa Bento XVI a Cuba, esta semana, suscitou uma série de considerações e posicionamentos polêmicos – o que é, aliás, uma constante, quando se trata de Cuba. A mídia tradicional insistentemente tem focado nos pedidos do pontífice para que haja a “autêntica liberdade” no referido país, bem como a construção de uma sociedade “mais aberta”, “verdade”, “justiça”, dentre outros princípios. No entanto, este evento nos suscitou uma reflexão sobre a realidade sócio-cultural e relações políticas cubanas, coisa que têm sido negligenciada pelos referidos veículos de informação deste país.
O catolicismo tem uma influência grande no povo cubano, haja visto que, como todo país de colonização ibérica, a Igreja Católica está presente no país há 500 anos. Entretanto, isto não impediu que as crenças, práticas, e mesmo a ideologia religiosa se desenvolvessem paralelamente às doutrinas pregadas oficialmente pela Igreja – formando um conjunto de crenças a partir da interpretação secular e dos usos que os fiéis dão à mensagem pregada – além da marcante influência das religiões africanas neste processo. Esta é uma característica mais ou menos comum para os demais povos latino-americanos, inclusive os brasileiros. Há que se levar isso em consideração no tocante à visita do papa Bento XVI ao país – coisa que os principais veículos de informação têm negligenciado.
O povo cubano também é um povo profundamente nacionalista, não “comunista”. Antes da ideologia política, temos a formação de uma forte consciência nacional, patriótica – que, inclusive, leva à Revolução Cubana (cujo próprio nome denota este caráter nacional da luta). O caráter socialista da revolução só foi adotado depois de dois anos do seu triunfo, e mesmo assim, por razões contextuais. Hoje, 50 anos depois, podemos fazer distinção entre três perfis de cubanos: a) aqueles que defendem a revolução e estão de acordo com os seus ideais, b) aqueles que aceitam a realidade como ela é, isto é, se “conformam” com o regime pelos benefícios que este os dá, c) aqueles que não concordam com o regime, ou por razões ideológicas, ou por estarem alinhados com grupos criminosos. Coisa que, se prestarmos bem atenção, é a mesma configuração dos demais países da América Latina (para não dizer do mundo) – a primavera árabe nos mostra isso, os diversos “Ocuppy” corroboram esta ideia. Isto quer dizer que o Estado cubano não é esta “ditadura” que os referidos meios de desinformação querem mostrar.
Este mesmo Estado cubano é laico, não ateu. Isto significa que o governo não põe nenhum impedimento à manifestações religiosas no país, seja por parte de igrejas cristãs (católica, protestantes, neopentecostais, etc.), seja por parte das religiões afrocubanas (também expressivas no país), e outras mais que houverem. As pessoas podem ir à igreja, se assim desejarem; as pessoas podem manifestar a sua fé publicamente, podem exercer a sua vida religiosa – só não o podem dentro do seio político.
Portanto, ao contrário do que os aparelhos midiáticos tradicionais pretendem mostrar, Cuba não é a “Babilônia moderna”, corrompida pelo “comunismo ateu”, nem o Estado cubano a encarnação do Anticristo. São concepções que ainda permeiam as notícias sobre Cuba, que nos remonta aos anos do “perigo vermelho” da Guerra Fria. Parece que estes meios ainda não se deram conta de que estamos em outro contexto histórico, que nem a conjuntura mundial é a mesma, e nem Cuba é a mesma dos anos 1960 – 1990. Cuba pode não ser o “paraíso na Terra”, como alguns idealizam, mas de forma alguma é o “inferno” que estes meios de comunicação pintam.
*pedro.hst@hotmail.com
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