segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A greve de fome do preso cubano que nunca existiu

Por Koldo Campos Sagaseta no site Cronopiando

O objetivo de uma greve de fome não é morrer na tentativa. Morrer pode ser a consequência, mas nunca o objetivo. A razão de ser de uma greve de fome é a denúncia, chamar a atenção, concitar o interesse da mídia, da opinião pública, para tornar a crônica de um jejum voluntário em uma pontual denúncia.

O cubano Orlando Zapata, por exemplo, morreu faz dois anos após 85 dias em greve de fome quando, tarde demais, veio descobrir que já não tinha retorno para sua prolongada dieta, mas durante mais de dois meses, Zapata foi notícia na grande mídia toda.

Quem até então só era um comum delinquente, já na cadeia e reconvertido por seus assessores de imagem em preso político, em “dissidente”, esteve presente todos os dias na grande mídia cedendo seu nome e seu rosto à denúncia que tramaram seus mentores contra o governo cubano:

“Santidade intercede por Zapata”, “Transladam Zapata para outro hospital”, “Governo estadunidense demanda liberdade de Zapata”, “Zapata cumpre 25 dias em greve de fome”, “Damas de branco advertem que Zapata piora”, “Melhora Zapata”, “Familiares visitam Zapata”, “Zapata é alimentado à força”, Zapata já leva 50 dias em greve”, “Agrava-se o estado de Zapata”, “Zapata se recupera”, “Europa exige que Cuba libere Zapata e dissidentes”, “Zapata poderia morrer”, “Governo espanhol condena regime castrista e clama por liberdade de Zapata”, “Zapata volta a ingerir líquidos”, “Zapata insiste em que sejam liberados os restantes presos”, “Se manifestam em Miami por Zapata”… 

A oito colunas, em primeira página, com grandes manchetes, Orlando Zapata abriu todos os jornais da grande mídia durante os 85 dias em que durou a sua greve de fome.

De Wilman Villar, cubano denunciado por violência machista por sua própria família, e preso, julgado e condenado a 4 anos por esse e algumas outras acusações, nada soubemos durante os supostos 50 dias que passou em greve de fome. Irrompeu na mídia, curiosamente, o mesmo dia em que morreu. Sua “greve” de 50 dias começou e acabou no mesmo dia. Nenhum Estado, até a sua morte por pneumonia em um hospital cubano, se fez eco da denúncia que, em seu nome, urdiram seus sócios, os mesmos que o tinham convencido de que suas possibilidades de evitar a prisão dependiam de converter o infame crime de agredir a sua mulher no cívico direito de exigir a democracia.

Nem o Papa nem nenhum outro chefe de Estado demandou a liberdade para Villar. Nenhuma grande mídia, a diferença do caso Zapata, o teve nas suas manchetes durante esses pretendidos 50 dias de greve. Nenhuma orquestrada manifestação frente às autoridades cubanas se produziu até que se anunciou a morte de Villar… simplesmente, porque não teve greve de fome, nem preso de consciência. Em todo caso, um condenado por violência machista que acreditou que ia fugir imune se, como Zapata, aceitava ser investido como um pacífico democrata injustamente preso, e a repulsiva manipulação dos fatos a que se dedicam os vermes cubanos com a cúmplice cobertura da grande mídia.  Só que, nesta ocasião, a trama esteve mal urdida e o roteiro resultou muito deficiente.

Fonte em português: Desacato/tradução de Tali Feld Gleiser.

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