quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Fernando Morais: "Ódio anticastrista sofre refluxo em Miami"


por Claudio Leal
Fonte: TERRA

Sem glamour, mas com a fluência das novelas de espionagem, a história de espiões cubanos infiltrados em organizações anticastristas, em Miami, é descrita no novo livro do jornalista Fernando Morais, "Os últimos soldados da guerra fria" (Cia. das Letras). Celebrados em Cuba como "cinco heróis", os agentes secretos Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramón Labañino e René González integraram a Rede Vespa, criada pelo governo de Fidel Castro, na década de 1990, para desarticular atentados terroristas de extrema direita.

"A perspectiva de derrubar a Revolução Cubana pela asfixia econômica estimulou organizações do exílio a retomar as provocações contra Cuba e intensificar os atentados contra o turismo, a tábua de salvação que garantia a sobrevida do regime, tendo se convertido na maior fonte de receitas do país", escreve Morais. Em entrevista a Terra Magazine, ele conta os bastidores da apuração do livro e avalia que o anticastrismo ao velho estilo entrou em refluxo nos Estados Unidos, ainda que preserve um influente lobby no Congresso norte-americano.


- A impressão que eu tenho é que está começando a haver um refluxo. E não é por causa das políticas propriamente ditas, mas por razões geracionais (...) Hoje, se você fizer um levantamento das organizações anticastristas, que são dezenas, vai ver que não têm jovens na direção (...) Primeiro, não foi no bolso deles que a Revolução meteu a mão. Segundo, eles não têm nem a memória do ódio do começo da Revolução - de execução, de fuzilamento, de expropriação (...) É um anticastrismo bem menos agressivo e dissolvido.

Para Fernando Morais, ocorre um fenômeno similar em Cuba: os jovens da Ilha também modificaram o "fervor revolucionário" e guardam os mesmos anseios de consumo e de acesso a informações. Contudo, a mudança política dependeria da revisão do bloqueio econômico, iniciado em 1962.

- O Raúl está corrigindo erros cometidos no começo da Revolução. Erros econômicos. Enquanto perdurar o bloqueio contra Cuba, a Lei Helms-Burton, não tenho nenhuma expectativa. Pode ser que a história me desminta depois de amanhã, mas eu não tenho expectativa de que haja mudança política. Não é que eu defenda a mão-de-ferro do regime. Mas eu entendo. É um país em guerra.

Terra Magazine - No livro, você publica documentos inéditos... 
Fernando Morais - De bastidor político.

E de espionagem. Como foi a negociação com o governo cubano para obter esses documentos?
Os cubanos tinham relutado durante sete anos a me liberar o que eles chamavam de "material sensível" - o material secreto, na verdade, porque isso é linguagem de araponga. Eles foram presos em 1998. Comecei em 1998 a dizer que queria fazer a história. Eles queriam proteger, aparentemente, os três que haviam fugido antes da chegada do FBI e que, muito provavelmente, ainda não tinham conseguido sair dos Estados Unidos. Sabiam a cara deles. É muito mais difícil do que o entra-e-sai de alguém que tem documento falso.

E, naturalmente, para não atrapalhar a defesa dos outros cinco?
Exatamente. A verdade é que só em 2005 eles disseram que tudo bem, estava liberado. Mas eu não podia fazer, porque estava fazendo (a biografia de) Paulo Coelho. Comecei em 2008 e, com o passar do tempo, descobri que o que eles diziam que estava liberado não era tudo. Porque havia três temas que eu queria e ninguém dizia "não", mas dizia: "o coronel fulano vai te procurar esta semana no hotel". Marquei com o coronel fulano de tal, depois descobri que o nome que eles me deram não tinha nada a ver com o nome real. Quando eu estava fechando o livro, liguei para uma pessoa em Cuba e perguntei: "Estou aqui colocando os agradecimentos e eu só conheço o coronel fulano pelo prenome". "Ah, não, esse não é o nome dele, não. Ponha aí Juan Fernandez". Que também não deve ser o nome dele.

Me lembro de um dia que eu marquei com o coronel no hotel. Fiquei esperando, esperando, desde as oito horas da manhã e ao meio-dia ele ainda não tinha aparecido... Liguei para o superior dele. "Ah, rapaz, você sabe que ele esqueceu do compromisso e foi com um grupo de estudantes subir o pico Turquino a pé?". Foi onde começou a revolução na Sierra Maestra. E que fica a 900 km de Havana (risos). Relutaram muito. Era o quê? Basicamente, a cópia do dossiê enviado por Fidel ao Clinton; entrevistar um dos mercenários presos, condenados a morte; e, terceiro, uma cópia do informe do García Márquez para o Fidel.

García Márquez foi o portador da mensagem a Clinton.
É. Depois de muito tempo, eles liberaram. Agora, por que liberaram? Eu tenho duas suspeitas. Uma noite eu entrei num restaurante de Havana no período em que eu estava trabalhando para o livro. E me convidaram para sentar em uma mesa o Frei Betto, o Ricardinho Kotscho e o Chico Pinheiro. Estavam lá de férias, jantando. Sentei, fumei charuto, tomei um rum. Quando estava indo embora, o Betto me disse que no dia seguinte ele iria almoçar ou jantar com Fidel e Raúl. Isso foi no ano passado, 2010. O livro já estava bem avançado. E aí eu falei: "Pô, se você vai falar com eles, me ajuda. Diz pra eles que eu tô atrás disso, disso e daquilo. Ninguém diz 'não', mas ninguém libera". Pode ter sido daí. Segundo: numa das minhas viagens, estava instalada em Havana uma reunião dos chefes de Estado da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América). Estavam, além do Raúl, o Evo Morales, da Bolívia, o Rafael Correa, do Equador, e o sandinista Daniel Ortega.

No dia do encerramento, eles estavam dando uma medalha em nome da Alba para um intelectual cubano, da Casa das Américas, e alguém me disse que o Raúl estaria lá. Na hora que cheguei, eu vi o Chávez, com quem já tinha relação. E falei pra ele: "Na hora que o senhor puder pegar Raúl diz a ele...". A mesma conversa que eu tive com Betto. Um ou dois dias depois eu recebi um e-mail no computador, dizendo que eu podia voltar, porque aquilo que eu estava esperando já estava liberado. Foi aí que eu voltei e consegui. No material que o Fidel manda para o Clinton, um caixote com vídeo, áudio, grampo... Só um dos dos dossiês tem a ficha de um por um dos cabeças, em Miami, do planejamento e do patrocínio dos atentados a bomba em Havana.

O acesso foi limitado?
Foi limitado a um tempo. Eu tinha que assinalar o que eu queria e o que não queria, para eles copiarem para mim. "Você só tem até amanhã de manhã para selecionar o que te interessa". Passei a noite em claro. Tinha muita coisa em disco (imagem e áudio). Os grampos já estavam degravados, mas para me mostrar que aquilo não era uma coisa falsa... Porque eu posso botar no papel...


O piloto e espião Juan Roque, em Havana, antes de "desertar" e se infiltrar em organizações anticastristas em Miami



Uma conversa imaginária.
Um grampo entre nós dois imaginário. Eles deram o áudio também. Eu tinha que ficar ali ouvindo, pra conferir, e ver o que me interessava. Tinha muita coisa que eu não tinha interesse. Era um negócio amplo. Nem caberia no livro. Passei a noite no hotel ouvindo e vendo no notebook. Depois, papel. Aqui o que me interessa, aqui o que não me interessa. Fiz um rol do que me interessava.

Com "Os últimos soldados da guerra fria", você fala de Cuba da perspectiva de Miami, o que para você é uma novidade, é diferente de "A Ilha". Como evoluiu o anticastrismo, cinquenta anos depois da revolução?
Olha, a impressão que eu tenho é que está começando a haver um refluxo. E não é por causa das políticas propriamente ditas, mas por razões geracionais. Um exemplo muito vivo disso aconteceu agora, o livro já estava pronto. Pablo Milanés foi cantar em Miami, no auditório American Airlines Arena. Cabem 15 mil pessoas. Estava entupido. As chamadas lideranças anticastristas tentaram impedir. Mas não conseguiram, não tinha contrato, não tinha lei nenhuma que impedisse. Lá dentro, 15 mil pessoas aplaudindo, chorando. Lá fora, quinze velhinhos de cartaz na mão, dizendo: "abaixo o comunismo!", "abaixo Fidel Castro". Hoje, se você fizer um levantamento das organizações anticastristas, que são dezenas, vai ver que não têm jovens na direção.

É a terceira geração.
É a terceira. Primeiro, não foi no bolso deles que a Revolução meteu a mão. Segundo, eles não têm nem a memória do ódio do começo da Revolução - de execução, de fuzilamento, de expropriação. Para eles, isso é um negócio que o avô contava. É um anticastrismo bem menos agressivo e dissolvido.

Os Estados Unidos também não são outro país?
Houve uma outra mudança para diminuir a agressividade bélica dos grupos. Dois motivos. Primeiro, a Rede Vespa. A partir do momento que o FBI estoura a organização, todos os grupos passaram a dizer: "Pode ter algum infiltrado aqui dentro".

O caso do Juan Roque é um bom exemplo.
É incrível. Porque ele trabalha pro FBI e pra inteligência cubana.

E estava no topo da comunidade cubana de Miami...
No topo. Eles ficaram apavorados com a possibilidade de ter um infiltrado. É plausível. Depois do 11 de Setembro, passou a ter um policiamento muito grande nos Estados Unidos, com uma certa paranoia. Pedir visto, tirar sapato... Particularmente, na Flórida. No último parágrafo da carta que Fidel manda pro Clinton, ele diz, não com essas palavras, mas com outras, o seguinte: a existência de grupos terroristas na Flórida, a desenvoltura com que eles circulam e atuam, hoje é um problema para Cuba. Esses caras estão aqui, jogando bomba... Agora, isso pode virar um problema para os Estados Unidos. Isso em 1998. Em 2001, a Al-Qaeda derruba as Torres e joga o avião no Pentágono. Onde é que foram treinados todos os pilotos da Al-Qaeda? Na Flórida. O Mohamed Atta, que sequestrou o primeiro avião e comandou toda a operação a mando de Bin Laden, morava em Sarasota, a quilômetros da Disney, num casarão onde moravam outros que fizeram cursos de pilotagem na Flórida. A vigilância aumentou muito. Antes do 11 de Setembro, você comprava por telefone, em Miami, uma AK-47 por trezentos dólares. No livro, eu mostro o cara comprando míssil Sting! Porra, você derruba um avião, pulveriza... E era vendido ali. O rigor do controle da polícia aumentou na Flórida. E teve também o negócio da mudança de geração.

No livro, você mostra que o governo cubano considerou a Rede Vespa importante para reduzir o terror na Ilha. Na sua avaliação, isso procede?
Procede. Não houve mais.

Qual é a situação do terror em Cuba, hoje?
Não há. Não se registrou nenhum atentado. Para não dizer que não se registrou nenhum, em dezembro de 2009 eles prenderam um senhor norte-americano, Alan Gross, entrando em Havana, vindo de algum lugar da América Central, sem nome falso. Abriram a bagagem dele. Tinha um monte de equipamento eletrônico, microssatélite... Ele disse: "Eu trabalho para a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) e eu estava trazendo isso para a comunidade judaica de Havana, que não tem internet". Ele é judeu, está preso lá, foi condenado a dez anos de cadeia. A comunidade judaica em Cuba é muito pequena. E o problema é que o rabino disse que não tinha nada a ver com isso. Aparentemente, ele estava a serviço de algum organismo norte-americano, mas não era pra pôr bomba. Aquilo não ia pra comunidade judaica nem para os dissidentes. Pelo que me lembro, foi o único caso de tentativa de espionagem e de atentado contra Cuba desde que foi estourada a Rede Vespa.

No livro, você descreve o mínimo glamour dos agentes cubanos...
É o anti-charme, né? Porque você está habituado com James Bond, de smoking, com mulheres maravilhosas, caviar, champanhe, carros... Os objetos de James Bond são vendidos depois em leilões...

A caneta...
Que faz não sei o quê...

Como é a estrutura da espionagem cubana?
O serviço secreto cubano é conhecido internacionalmente como muito eficiente, com poucos recursos. Há histórias célebres. Eles trabalham junto com a CIA no Afeganistão para procurar gente da Al-Qaeda. Por que o serviço secreto cubano? Durante o período em que o Afeganistão foi ocupado pela União Soviética, a cubanada foi para lá. Então, eles têm uma familiaridade com a língua, com o território, que os americanos não têm. Eles trabalham em conjunto. Há grupos da inteligência cubana trabalhando com a CIA.

Certamente eles pegaram os traquejos da antiga KGB.
Exato. Tanto que nesse caso de "Os últimos soldados da guerra fria", os códigos que eles utilizavam, não todos, eram da KGB, herdados da União Soviética.

No final do livro, você pega o caso do escritor Norberto Fuentes. Ele não é um caso que representa o atual momento do anticastrismo? Dos que dizem: vamos defender a mudança do regime cubano, mas não vamos ficar nesse tipo de oposição raivosa...
Ele continua marxista. Perguntei para ele, que me disse: "Não só sou marxista, como sou revolucionário. Cuba brigou comigo. Não fui eu que briguei com a Revolução. A Revolução me tratou mal". Hoje - não disponho de nenhum dado estatístico -, mas ali nas minhas circulações, nas minhas dez viagens para a Flórida para fazer o livro, vi o fim da hidrofobia anticastrista. Não tem mais aquele negócio de: "Tem que matar esse filho da puta! Tem que empalar, enforcar!". Os grupos pró-diálogo com Cuba, na Flórida, só não são mais numerosos porque eles ainda temem as represálias dos chamados "verticales", que, por mais que estejam contidos, estão vivos, né? E podem atropelar, matar. Fizeram há pouco tempo com Larry Rother, repórter do "New York Times" (ameaçado de morte após uma série de entrevistas com Luis Posada Carriles, inimigo da Revolução, sobre o terrorismo anticastrista)! Não é um repórter do "Voz Operária", não é o correspondente do "Granma"...

O lobby cubano no Congresso americano ainda é muito forte?
É muito forte. Fortíssimo. Para você ter ideia da força do lobby anticubano, a atual presidente da comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados norte-americana é a Ileana Ros-Lehtinen. O Obama não mia nem pia na área de Relações Exteriores no Congresso sem passar antes pela mão da mais radical furibunda representante anticubana. Cuba fez recentemente, na área de petróleo, algo semelhante aos contratos de risco que o (Ernesto) Geisel tinha feito aqui. Parceria com empresas estrangeiras. Cobra o aluguel para prospectar e, se a empresa descobrir petróleo, tantos barris são da empresa e tantos são de Cuba. E ela está tentando impedir, no Congresso, a pretexto de que isso pode contaminar Miami. Imagina! Eles exploram em toda aquela área: estreito da Flórida, estreito do México. Por que não haverá em Cuba, se existe em todo aquele mar? Publico duas fotos dela no livro. Uma dela com o Roque (espião cubano) - ela deve odiar aquela foto - e outra dela com o sujeito que matou o Che, o Félix Rodríguez.

Fidel Castro dava uma marca pessoal a algumas mensagens dirigidas aos agentes. Qual era o envolvimente de Fidel com o serviço de espionagem? Porque ele parece que se envolve...
Com quase tudo!

Sim, em "A Ilha" você conta isso, ele sempre aparecia de forma inesperada em Havana... E na espionagem?
Olha, ninguém me disse, mas a gente vai sentindo. A decisão de criar a Rede Vespa foi dele ou, pelo menos, com a anuência dele. Não teria sido criada sem passar pela autorização dele. Aparentemente, tudo que eles mandavam, depois de uma peneira, era levado a ele. Eu pude dar uma certa cruzada. Parte do material que ele manda para Washington, eu pude pegar no material que eu tive acesso, que foi grampeado pelo FBI nas casas dos caras. A impressão que eu tenho é que o dossiê que ele manda pro Clinton, fundamentalmente, é extraído dos informes mandados pela Rede Vespa para Havana. Eu acho que há uma avaliação dele que me parece equivocada. Digo isso no livro, com muito cuidado, porque ele pode ter informações que eu não tive. Mas ele faz um discurso, em algum lugar, logo depois da condenação dos cinco, faz um retrospecto da relação de Cuba com essa situação das bombas, e diz, sem dar detalhes: no começo de 1998, pelas mãos de uma personalidade importante, nós fizemos chegar um dossiê às autoridades de Washington. Ele não diz que é o Clinton...

Nem que o portador tinha sido García Márquez. 
Nem isso. Daria para alguém mais informado se confundir um pouco. Porque tanto podia ser o García Marquez quanto o senador Gary Hart (ex-candidato democrata à presidência dos EUA), a quem ele já tinha dado uma carta, mas, por alguma razão, não chegou às mãos de Clinton. Quem tivesse essa informação poderia se confundir. Mas eu apurei e descobri que foi o Gabo. Fidel diz o seguinte: no começo de 1998, Cuba fez chegar às autoridades de Washington um dossiê sobre essa máfia, esses bandidos, e qual foi a resposta de Washington? Três meses depois, prenderam todo mundo. Ele deixa implícito que a CIA e o FBI teriam se utilizado do dossiê para desmontar a Rede. Só que eu tenho documentos que provam que, desde 1995, o FBI já estava com quase todas as casas monitoradas. Como era compartimentado, nenhum tinha relação com o outro, pode ser que eles não tenham grampeado todas as casas. Mas, quatro ou cinco dos quatorze que estavam lá, já estavam grampeados.

Seguramente, não há relação entre o envio do material para Washington e a prisão dos membros da Rede. Acho que eles só esperaram tanto tempo para estourar a rede para saber até onde eles iam e em que eles estavam de olho nos Estados Unidos. A minha opinião subjetiva, um pouco fruto de "off" que me deram na Flórida, é a seguinte. O FBI tentava provar que eles estavam fazendo espionagem. Depois de três anos de campana, eles concluíram que não. Então, não adianta, não vamos pegar esses caras por espionagem, então vamos prender. De um dia para o outro, prenderam. O Gerardo (Hernández), que está condenado a duas perpétuas até hoje, em nenhuma das duas condenações é por espionagem - uma é por falsificar documentos, outra é pelo assassinato, a derrubada dos aviões.


O mercenário salvadorenho Cruz León reconstitui a colocação de uma bomba no banheiro da Bodeguita del Medio, em Havana.

Após a publicação do livro, René González foi solto.
Meio solto. Ele tinha sido condenado a 30 anos de prisão, originalmente. Com os tais recursos impetrados nas instâncias superiores, eles conseguiram reduzir as penas de quatro dos cinco. A única que foi intocada foi a do Gerardo, por causa da acusação de assassinato. O René, que tinha sido condenado a 30 anos, teve a pena convertida primeiro para 17 anos, depois para 15 anos. Como ele já cumpriu 12 anos, e teve bom comportamento, a Justiça Federal permitiu que ele cumprisse os três anos seguintes sob o regime de liberdade vigiada. Uma vez por semana tem que ir pra delegacia e, talvez, usar a tornozeleira eletrônica. Não sei onde ele está, já perguntei para os cubanos, porque gostaria de fazer uma visita, conversar com ele. Não vi nenhum deles pessoalmente, só por internet e por telefone.

Você viu apenas o Juan Roque, que retornou para Cuba?
Ah, sim, entrevistei o Roque. Voltando ao René, ele está sob risco. Ele se infiltrou em duas das organizações mais importantes e ajudou o FBI a estourar uma dessas organizações por tráfico de cocaína. Imagina a cabeça desse cara. Suponho que ele vá morar em Washington ou Nova Iorque, os dois lugares onde os cubanos têm legação, por causa da ONU e da seção de interesses em Washington.

Olga, a mulher dele, não teve a visita autorizada. 
Não deram visto. As filhas, sim, e o pai também. A Olga é porque o governo americano ficou muito puto por ela não ter colaborado, não ter abertado o bico. Nunca mais deixaram entrar nos Estados Unidos. Nem ela nem a mulher do Gerardo.

Você pretende lançar o livro em Cuba e Miami?
Em abril. Em Miami também. O livro vai ser publicado nos Estados Unidos, há duas editoras interessadas: a HarperCollins - que publicou o livro de Paulo Coelho - e outra que publicou o "Olga", a Grove/Atlantic. Em Cuba, o livro já está sendo traduzido. Eu fiz um rolo com eles. Em vez de eles me pagarem royalties, porque eles estão numa pindaíba de dar gosto, eu fiz um rolo: eu troco meus direitos autorais das eventuais vendas em Cuba pelos direitos da tradução. Como o México quer publicar, a Venezuela, a Espanha, eu uso a tradução. Cada um dá suas canetadas para retirar as expressões regionais. É um livro muito internacional.

Em Cuba, não fizeram nenhuma restrição ao livro?
Nada, nada. Aliás, eu perguntei para a pessoa do degrau mais alto onde costumo chegar em Cuba, o que ele tinha achado do livro. Ele respondeu com uma frase muito curiosa: "As pequenas objeções que eu tenho a fazer ao livro são irrelevantes. Mas não se esqueça que eu tenho objeções também a fazer ao Capital e à Bíblia". Então tá bom.

No Brasil, quando a pessoa faz algum tipo de trabalho ou pesquisa sobre Cuba, já corre o risco de levar paulada de 70% das pessoas, principalmente na área da mídia. Como ficou a relação entre Brasil e Cuba, não no plano diplomático, pois os dois países permanecem próximos, mas naquele das mentalidades? Cuba teve uma relação cultural forte com o Brasil. E hoje, como está? Não houve um refluxo?
Acho que o fato da chamada "grande imprensa" ter dado uma radicalizada ideológica muito grande nos últimos anos...

À direita?
Em direção à direita, contribuiu para isso. As pessoas falam de Cuba com raiva. Você vê na televisão, nas revistas, na internet...

A internet piorou isso?
Piorou muito na internet. Virou uma lixeira. Guardadas as exceções. Então, eu acho que essa gente tem um pouco de vergonha de dizer que foi a favor do golpe militar no Brasil, que é de direita, e usa determinados símbolos. Cuba é um deles. Venezuela é outro. Irã é outro. O próprio Kadafi, a Líbia. A Cristina (Kirchner) é tratada como o Eixo do Mal, no deboche, meio desrespeitoso. A sorte é que, na internet, você não precisa de dinheiro pra ter blog. Antigamente, pra montar um jornal, você precisava de uma fortuna. Pra montar uma estação de televisão, uma fortuna. Hoje você compra um notebook nas Casas Bahia, pagando 60 paus por mês, e compra um telefone por 50 reais, e passa a ser seu próprio Roberto Marinho. Se você tiver o que dizer, vai ter audiência. É uma revolução. Eu achava que a democratização dos meios de comunicação eletrônicos ia se dar nas trincheiras, nas barricadas, nas tribunas. E a tecnologia andou mais rápido que as ideologias.

O que foi desfavorável, em certo sentido, para Cuba, porque aí veio uma blogueira como Yoani Sánchez. 
Claro! Claro! Olha, isso aí é absolutamente incontrolável. E é bom que seja. Você joga em igualdade de condições. Os chamados "blogueiros sujos" estão no mesmo patamar de audiência dos "limpinhos", dos cheirosos, dos anti-Lula, anti-Dilma, "anti" tudo que cheire a esquerda. O lado ruim disso é a radicalização desrespeitosa, o anonimato.

Você se sente patrulhado?
Você sabe, rapaz, que eu vi um filminho de Chico Buarque, o da internet (sobre comentários anônimos na rede). Fui dar uma entrevista para Jô Soares e, automaticamente, o programa dele foi para a internet. Foi para o YouTube. Rapaaaaaaz, mas que coisa! Tinha gente dizendo o seguinte: "Mas quem é que manda essa bicha sem vergonha entrevistar essa anta comunista? Por que não vão os dois pra Cuba cortar cana, esses filhos da puta?". Assim mesmo: "bicha sem vergonha" e "anta comunista". Claro que era um anônimo, um José de Souza. Isso é muito ruim. Mas é melhor assim do que não ter. E o Chico, naquele filminho, fala uma coisa engraçada: lá vem esse bêbado velho encher o saco! (risos) E ele não bebe nada... Apesar de ter esse lado ruim, prefiro isso a não ter internet ou ter internet controlada pelas grandes telefônicas. A internet é livre.

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