segunda-feira, 4 de julho de 2011

Filha de Che teme que falha na educação seja fatal para regime

Fonte: VERMELHO
O jornal O Tempo entrevistou a filha de Che Guevara, Aleida Guevara, que fez um debate na semana passada em Belo Horizonte. Leia na íntegra: Ela herdou o sobrenome e o discurso do pai. Mesmo tendo poucas recordações de Che, aprendeu a amá-lo através das lembranças dos outros. Aleida apoia fielmente o modelo de Cuba e defende que a educação e a saúde são garantidos pelo Estado. Leo Fontes

Em nenhum momento, Aleida Guevara, 50, esconde o orgulho da trajetória do pai, que descreve como um dos homens mais completos que já conheceu. Sabe que é amada pelos cubanos de forma gratuita. "Sou querida apenas porque sou filha do homem que eles amam". A médica pediatra esteve pela primeira vez em Belo Horizonte para ministrar palestras sobre saúde e política e, claro, para falar sobre o legado do pai. Aleida recebeu a reportagem do O TEMPO antes de uma apresentação no Sindicato dos Servidores Municipais de Belo Horizonte (Sindibel).

Questionada sobre as críticas que o país sofre contra a censura à internet, ela se exalta e é enfática ao dizer que a rede mundial "não é importante". Nesta entrevista, ela reconhece algumas dificuldades do país, mas prefere exaltar as conquistas do seu povo. Repete várias vezes que quem deve opinar sobre qualquer nação é o seu povo. Mesmo assim, diz que o Brasil precisa de uma reforma agrária profunda.


Mas, atualmente, o país está passando por algumas mudanças...

Nos últimos tempos, surgiu a ALBA na América Latina, que é a alternativa bolivariana para a nossa América, onde estamos todos unidos. Venezuela, Cuba, Nicarágua, Equador, Bolívia e duas pequenas ilhas do Caribe começaram a fazer um intercâmbio respeitoso. O que você necessita, eu tenho e lhe dou, o que eu necessito você tem e me dá, respeitando os costumes e cultura. Isso fez com que a economia interna do país melhorasse muito nos últimos anos. Por isso, apesar da crise econômica mundial brutal que também golpeia Cuba, temos condições objetivas e econômicas para que o Estado agora não tenha que cuidar de uma série de pessoas que não estavam produzindo.

Mesmo com as mudanças, ainda existem muitas pessoas que querem fugir do país?

O problema está em como as notícias são dadas. Existem pessoas que não gostam de viver em Cuba, outras às quais não conseguimos chegar como pessoas - essas se deixaram convencer por propagandas do governo dos EUA. Nós somos o único país, no mundo, que temos o "privilégio" de ter uma televisão de outro país (EUA) apenas para a gente, em perfeito espanhol. Os estadunidenses gastam US$ 25 milhões anuais para mantê-la. São cinco rádios em perfeito espanhol, para falar uma quantidade de bobagens todos os dias. Então, claro que existem pessoas que não conseguimos conquistar, elas estão confusas e pensam que, nos EUA, podem realizar os seus sonhos. O que posso fazer? Para nós, o importante é o ser humano. Se fracassarmos em educar as novas gerações nesse sentido, será fatal para a Revolução Cubana. Então, essa é uma das principais preocupações que temos. Preocupar com o exemplo, ver como se pode educar as novas gerações, nisso estamos trabalhando.

Falando da juventude, como eles lidam com a restrição ao acesso à internet?

Mas eu te pergunto, para que você precisa da internet? Contato com o mundo, informação? Nós estamos em contato com o mundo sem ela, muito mais que outros países. Não temos dinheiro para pagá-la, porque a internet passa pelos EUA e é muito cara para Cuba. Os estrangeiros têm acesso porque têm condições especiais, são turistas, querem manter suas comunicações, e estão apenas 15, dez dias no país. Nós, cubanos, vivemos aqui, não temos dinheiro para pagar. Vocês se preocupam com a internet em Cuba, quando existem favelas e violência neste país?

Mas a blogueira cubana Yoani Sánchez diz que há uma repressão aos meios de comunicação alternativos de internet...

Mas essa blogueira é uma em Cuba, nós somos 13 milhões, como você pode acreditar em uma mulher que é paga pelos EUA e por países da Europa para fazer esse tipo de atividade?

E como está Fidel? Como está a popularidade dele?

Está bem, em uma situação estável, já é um homem de mais de 84 anos, não é a mesma coisa... A popularidade dele continua igual, é um homem de quem as pessoas gostam muito e respeitam porque ele conquistou esse amor e respeito.

Como a senhora avalia a relação de Cuba e Brasil?

Sempre foi muito boa, não sabemos como será com Dilma (Rousseff), porque depende dela. Sempre vamos respeitar o que o Brasil decidir como povo. Se você decide eleger um presidente, essa é a sua decisão, e tenho que acatá-la.

Olhando de fora, o que a senhora pensa da política do Brasil?

Existem muitas coisas no Brasil que, para mim, deveriam ser superadas, como a reforma agrária. Se esse país não fizer uma reforma agrária profunda, não poderá dar alimento a toda a população necessitada. Mas esta é uma decisão dos brasileiros.

Quais as principais lembranças que a senhora tem do seu pai, o revolucionário Che Guevara?

Tenho poucas recordações. Tinha apenas 4 anos e meio quando meu pai saiu de Cuba para o Congo. Ele regressou, mas de forma clandestina, porque já tinha se despedido oficialmente do povo cubano e não queria voltar, mas Fidel insistiu e conseguiu convencê-lo de que o país era o melhor lugar para ele. Quando voltou de forma ilegal, voltamos a vê-lo, mas transformado em um personagem, o "viejo Ramón", não sabia que era meu pai.

Mas a senhora tem uma imagem dele?

As poucas imagens que tenho são como "flashes" e quase sempre estão formadas por terceiras pessoas, principalmente pela minha mãe. Ela me contava tudo. Eu aprendi a amar uma pessoa que não havia visto quase nunca, por recordações e, principalmente, pelo amor da minha mãe e seus amigos por ele. Eles que foram as pessoas que me ensinaram a amar o meu pai, a respeitá-lo, a admirá-lo, a conhecê-lo.

A escolha da carreira de medicina teve influência do seu pai?

Inicialmente, é possível que sim, mas acho que foi uma maneira de devolver ao meu povo tudo que recebi deles. Sou querida por essa gente sem ter feito nada para merecer, apenas porque sou a filha de um homem que eles amam. Então, como você pode devolver isso? A medicina no meu país é gratuita, está ao serviço da população. Nessa carreira, você pode estar muito perto da dor e da alegria da sua gente e posso devolver um pouco, depois de ter recebido tanto deles.

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