segunda-feira, 4 de abril de 2011

Brasil de Fato: Quesito revolução: deeeez!

Presidente da escola de samba campeã do carnaval de Santa Catarina em 2011 conta a história do enredo “Cuba sim, em nome da verdade”


Fonte: Brasil de Fato/ Vinicius Mansur
Fotos: Babi Balbis / UIM

Recheados de simbolismo, os 2,5 mil integrantes da escola de samba catarinense União da Ilha da Magia levaram para avenida uma bateria fardada de guerrilheiros, um carro alegórico com a escultura de José Martí, um casal de porta-bandeiras ilustrando a amizade Cuba-União Soviética e toda uma aula de história ao ritmo de samba.

O sambódromo Nego Quirido viu desfilar o antes, o durante e o depois da Revolução Cubana. As primeiras dentre as 22 alas representavam o “Tio Sam” e o “Paraíso de ricos e milionários”. Um carro alegórico em forma de tanque de guerra, trazendo a bordo um sósia de Che Guevara ao lado da filha do revolucionário, Aleida Guevara, simbolizava a tomada do poder. Alas intituladas “Nacionalização das empresas estrangeiras”, “Reforma agrária”, “Saúde para todos”, “Indústria farmacêutica e biotecnologia”, “Esporte – conquista de medalhas”, “Educação para todos” (composta apenas por crianças), entre outras, trouxeram as conquistas da Revolução.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente da União da Ilha da Magia, Valmir Braz de Souza, fala da relação da escola com a política e conta um pouco da trajetória da jovem agremiação – que tem apenas três anos – neste carnaval.

Brasil de Fato – Por que Cuba? Como surgiu a idéia de ter o país como centro do enredo?

Valmir Braz de Souza – Eu sou do movimento sindical, atualmente coordenador geral do Sindsprev/SC [Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência do Serviço Público Federal no Estado de Santa Catarina]. No ano passado participei da 14º brigada sul-americana de solidariedade ao povo cubano. Fiquei três semanas lá nesta brigada organizada pela associação José Martí. Era janeiro e a preparação para o carnaval estava no auge. Então, quando estava lá, com aquela musicalidade, com a recepção que tive, surgiu a idéia de propor Cuba para o enredo do ano seguinte [2011]. Eu não era presidente da escola, era diretor. Levei a idéia para a diretoria, discuti com o carnavalesco Jaime Cesário, que foi a Cuba, ficando duas semanas junto com o diretor de carnaval da escola, Joel Brito Júnior. Daí, gostamos do enredo que eles prepararam, a comunidade gostou e começamos a trabalhar. Desenho de fantasias, preparação dos carros. O concurso para escolher o samba foi inédito, tivemos seis sambas inscritos. Apresentamos o projeto para o cônsul cubano no Brasil, apresentamos para a embaixada em Brasília, e eles também gostaram.


Cuba financiou a escola?

Não, o enredo não foi comercializado. Há escolas que o vendem, nós não. A escola se paga com ensaios que fazemos durante o ano – que estavam sempre lotados –, com os produtos que vendemos da escola – vendemos mais de 5 mil camisetas feitas para o enredo deste ano – e com a venda de fantasias – todas foram vendidas e se tivéssemos mais mil, venderíamos também porque a procura foi enorme. Foi surpreendente a aceitação que a escola teve este ano e nós somos caçulas, temos só três anos, enquanto outras já têm 20, 30 anos. Além disso, também recebemos recurso público, através de um projeto que temos na Lei Rouanet e também porque aqui em Santa Catarina a liga de escolas ainda não é dona do carnaval, mas a prefeitura. A gente quer acabar com isso, mas existe uma verba do governo.

Como vocês foram tratados pela mídia, uma vez escolhido Cuba como tema para o enredo?

O Reinaldo Azevedo, da Veja, nos atacou em seu blog, que chegou a mais 800 comentários quando ele falou de nós. Fora o Azevedo, a maioria das reportagens foi favorável. Com a confirmação da vinda da Aleida Guevara [filha de Ernesto Che Guevara] para o desfile tivemos até mídia internacional. E quando fomos para a avenida já éramos considerados favoritos. Entramos bem, queríamos fazer um desfile técnico perfeito para não dar sustentação às críticas políticas. E fizemos um belíssimo carnaval.

Havia alguém de Cuba, além da Aleida Guevara, no desfile?

O cônsul de Cuba veio, mas para assistir ao desfile. Teve um cubano que mora em Salvador, na Bahia, que veio só para desfilar na escola.

A passagem da Aleida Guevara por Santa Catarina incluiu outras atividades além do desfile?

Ela participou de várias palestras, lotadas, sobre o dia da mulher, visitou o Hospital Infantil, ela que é médica, uma universidade pública, tudo junto ao movimento social e sindical de Santa Catarina. E desfilou muito bem. Até no desfile das campeãs ela desfilou. Interessante que ela sempre era perguntada pela imprensa sobre a homenagem que estava sendo feita ao pai dela e ela enfatizava que a homenagem era ao povo cubano. E essa era realmente a nossa idéia.



Vi o desfile na internet e a Aleida Guevara comentou durante a transmissão que havia militantes do MST no desfile. Tinha presença de muitos militantes?

Havia muita gente do movimento sindical e social, o prefeito de Brusque, do PT, um deputado estadual do PDT, um major da Polícia, um diretor da Defesa Civil, pessoas que foram atraídas pelo tema. Os militantes do MST estavam na arquibancada, com uma faixa, algo inédito em nosso carnaval.

Pode-se dizer que a escola é de esquerda?

Não. A única relação que a escola tem é que como eu sou dirigente sindical, sou do Psol, fui dirigente da associação de moradores. E quando eu estava lá, quando a escola ainda era um bloco, me pediram ajuda para fazer o carnaval no nosso bairro, a Lagoa. Depois fui convidado para ser da diretoria do bloco. Mas a escola não tem filiação partidária, eu tento separar isso, os outros diretores não são de partido.

Você vê na escola de samba uma forma de fazer política?

Sim, não tenho dúvida disso. Se me mandar sambar eu não vou saber. A gente ocupa um espaço numa comunidade, tem um espaço político muito grande, mas não é um espaço político partidário. O samba abre fronteiras para o espaço comum. E neste ano ajudamos a levar o tema de Cuba para outros espaços. Uma professora, que comentava o desfile na RBS, disse que a União da Ilha da Magia inovou e abriu um horizonte que não havia, trazendo para dentro do carnaval um tema da esquerda brasileira, que ela não via problema nisso, isso é importante. E é legal perceber também como o carnaval cresceu este ano no estado, atraindo mais público, escolas mais fortes, mais bonitas. E este carnaval consagrou o enredo que homenageia o povo cubano.

Vocês seguirão com temas políticos para o próximo carnaval?

Somos uma escola nova que não tem os vícios das escolas antigas, o que nos permite inovar. Mas ainda faremos um planejamento para 2012. Claro que com a repercussão de Cuba podemos ir para temas políticos, mas não é certo. Temos na história de Santa Catarina vários temas políticos, como A Novembrada, a República Juliana, o Contestado. Mas não quer dizer que seguiremos só com política.


QUEM É

Valmir Braz de Souza, de 48 anos, é presidente da escola de samba União da Ilha da Magia, de Florianópolis (SC), e coordenador geral do Sindsprev/SC. 

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