Os documentos diplomáticos divulgados nos últimos meses pelo site Wikileaks relatam que os Estados Unidos financiam dissidentes cubanos com o objetivo de tentar provocar mudanças políticas na ilha.
Uma mensagem secreta enviada ao Departamento de Estado em 2009 por Jonathan Farrar, chefe do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana (a representação do país em Cuba, na ausência de relações diplomáticas formais), relata detalhes do encontro entre a subsecretária de Estado adjunta para a América Latina, Bisa Williams, e dissidentes cubanos.
A visita foi feita em setembro do mesmo ano com o objetivo de dialogar sobre o restabelecimento de correspondência direta entre Cuba e os EUA. Porém, durante a visita, Williams aproveitou para se reunir com "a nova geração de dissidentes não tradicionais", como Farrar denomina os opositores mais jovens, como a blogueira Yoani Sanchez, que também esteve no encontro.
De acordo com o documento, a visita foi considerada proveitosa. Para o chefe do Escritório de Interesses dos EUA, os dissidentes que estiveram na reunião podem ter "impacto de longo prazo na Cuba pós-Fidel Castro".
Isso porque, segundo outro despacho, datado de abril do mesmo ano, Farrar informou ao Departamento de Estado norte-americano que estaria perdendo a confiança no papel dos dissidentes tradicionais em Cuba. Ele sugere uma mudança na estratégia de Washington para tentar provocar mudanças na ilha caribenha.
Segundo ele, os dissidentes tradicionais - como chama os opositores que são financiados pelos EUA há mais tempo - são um grupo "desconectado da sociedade, polarizado e frequentemente manipulado pelas autoridades de segurança cubanas".
"Sem uma verdadeira epifania entre os líderes da oposição e a diminuição da repressão oficial às suas atividades, é improvável que o movimento tradicional de dissidentes substitua o governo cubano", disse o comunicado divulgado pelo Wikileaks por meio dos principais jornais do mundo.
O texto acrescenta ainda que os dissidentes tradicionais são "velhos demais", e que uma nova geração de blogueiros e artistas tem se mostrado mais eficaz e popular junto aos cubanos.
Yoani
A blogueira Yoani Sanchez, uma das opositoras ao regime cubano mais famosas, também foi tema das mensagens diplomáticas. De acordo com o despacho enviado em 2009 por Jonathan Farrar sobre o encontro entre Bisa Williams e os dissidentes cubanos, Yoani defendeu a aproximação com os EUA para mudar a política da ilha. "Uma melhora das relações dos EUA é absolutamente necessária para que surja a democracia aqui", disse a dissidente.
Segundo o despacho, Yoani pediu ainda o fim da restrição a compras feitas pela internet. "As restrições só nos prejudicam", disse a cubana. "Sabe o quanto poderíamos fazer se pudéssemos usar o Pay Pal ou comprar produtos online com um cartão de crédito?", sugeriu ela a Williams.
Esta e outras declarações de opositores financiados pelos EUA faz o "regime cubano" habitualmente acusar os dissidentes de serem mercenários a mando norte-americano.
Histórico
Desde a década de 1960, os EUA já gastaram dezenas de milhões de dólares para tentar derrubar o "regime dos irmãos Castro". Para isso, vêm financiando cubanos opositores para divulgar informações sobre a repressão e a falta de liberdade na ilha, acusando os líderes Raúl e Fidel de gerirem um regime ditatorial.
Segundo documentos públicos do Senado norte-americano, a maior parte dos fundos públicos destinados a promover a mudança de governo em Cuba é enviada aos blogueiros e tuiteiros. São mais de cinco milhões de dólares por ano, informou o site cubano Cuba Debate.
Em 27 de novembro de 2006, por exemplo, o ex-chefe do Escritório de Interesses, Michel E. Parml, descreve outro encontro entre funcionários norte-americanos e "jovens ativistas pela democracia", realizada "no quintal da residência de um diplomata norte-americano em Havana" para discutir possibilidades de fortalecer a oposição cubana.
O documento revela ainda que Parml esperava que as autoridades cubanas reagissem a esse encontro "carimbando os jovens líderes como agentes do governo dos EUA". Segundo ele, o governo norte-americano seguirá trabalhando para incentivar as ações em outra direção. "Mais concretamente, articulando um maior e melhor trabalho na rede com os estudantes universitários que se opõem ao regime", disse.
Reação
O governo cubano, por sua vez, reagiu apenas em meados de janeiro, quando condenou a reunião mantida em Havana e classificou a atitude como uma "provocação aberta" e uma "violação flagrante" das relações entre os dois países.
"Esta ação confirma mais uma vez que não há mudanças na política de subversão e ingerência dos EUA nos assuntos internos de Cuba, e que a prioridade continua sendo encorajar a contrarrevolução interna e promover atividades de desestabilização", afirmou o Ministério de Relações Exteriores cubano em comunicado.
A chancelaria cubana disse ainda ter manifestado à delegação norte-americana, antes do início de suas conversações, sobre sua "desaprovação" à uma possível iniciativa de usar o encontro para realizar "atividades ofensivas e desrespeitosas dentro de nosso país".
O governo cubano, no entanto, reiterou sua disposição em manter um "diálogo respeitoso" sobre qualquer tema com Washington, mas adverte que "não tolerará interferência alguma dos EUA nos assuntos internos de Cuba".
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