Embora a matéria abaixo dê palavra a uma "sociedade civil" cubana de questionável importância, em número e influência, não conseguem escapar da mais elementar das constatações acerca de Cuba: a democracia popular!
Socialismo em debate em Cuba
Dalia Acosta e Ivet González
Fonte: IPS
Havana, Cuba, 11/3/2011, (IPS) - A ausência de uma política social mais aberta e de propostas que garantam uma verdadeira participação dos cidadãos são parte das preocupações que cercam o debate prévio à realização, em abril, do VI Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC).
Mais de sete milhões de pessoas participaram até o dia 7 de fevereiro das reuniões convocadas pelo partido para discutir o Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social do Partido e a Revolução, documento central do Congresso, informou Marino Murillo Jorge, vice-presidente do Conselho de Ministros.
Ao mesmo tempo, em um debate alternativo cada vez mais comum na ilha, diversos representantes da sociedade civil cubana apresentaram seus critérios por vias paralelas, como sites, blogs, redes sociais e, sobretudo, e-mail, com ampla capacidade de multiplicação.
“Só o que garante a democracia em uma sociedade é a participação popular, e que a isto seja dada a importância que merece é, para mim, uma grande esperança para ir no caminho de um socialismo mais próximo do que eu imagino”, disse à IPS Mariela Castro Espín, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual. Filha do presidente Raúl Castro e da falecida lutadora pelos direitos das mulheres Vilma Espín, a sexóloga considera “muito complexo redesenhar a economia em uma situação de crise e continuar sustentando mecanismos de subvenção que não podem ser abolidos de imediato, porque deixam a população em uma situação de desamparo”.
Adiado desde 2002, o VI Congresso do PCC é o primeiro que acontece após a nomeação de Raúl Castro como presidente, em fevereiro de 2008. Fidel Castro, seu irmão e líder histórico da revolução cubana, afastou-se do poder em julho de 2006 por causa de sua saúde, mas se mantém como primeiro-secretário do PCC, que a Constituição define como “força dirigente superior da sociedade e do Estado”.
O congresso de abril acontecerá após o de 1997, se complementará com uma assembleia partidária antes do final do ano e deverá marcar o rumo das reformas econômicas e estruturais consideradas pelas autoridades e especialistas como imprescindíveis se o objetivo é preservar o modelo socialista na ilha, muito marcado até agora por uma forte centralização estatal.
Sobre o debate prévio, fontes ouvidas pela IPS asseguram que, até o momento, boa parte das propostas surgidas nas consultas oficiais se limitam a preocupações sobre temas conjunturais. Entre eles destacam-se o desaparecimento paulatino da “libreta”, sistema de distribuição racionada e subvencionada de alimentos vigentes desde a década dos anos 1960, ou a iniciada reforma trabalhista, que prevê demissões em massa.
Segundo o jornal oficial Granma, durante as reuniões prévias ao Congresso “foram coletadas 619.387 propostas de supressões, adições, modificações, dúvidas e preocupações” em torno do projeto de 32 páginas e, uma vez concluído todo o processo, “será apresentada ao povo uma detalhada informação sobre seus resultados”.
“Temos pouco hábito de discussões verdadeiramente profundas e muito hábito de mando”, disse à IPS o ensaísta Fernando Martínez Heredia em referência ao que (não poucas pessoas) continua sendo considerado um dos verdadeiros obstáculos a qualquer processo de debate e de mudança em Cuba.
No entanto, o intelectual considerou esperançosa uma intervenção do presidente Raúl Castro, no final de 2010, na qual “propunha muito duramente a necessidade de discussão de critérios muito diferentes e também a questão de que os que têm responsabilidade respondam às suas obrigações”.
A participação real e o escrutínio da cidadania são consideradas parte das deficiências históricas do modelo político cubano e agora, segundo observadores, aparecem em um cenário mutante onde a burocracia, garantida em suas posições de poder, representa o principal elemento de resistência às transformações de fundo que o país exige.
Para o analista político Rafael Hernández, “este debate democrático, além das fileiras do PCC, expressa a vontade de construir consenso em torno desse novo modelo que se prefigura, não a promover o apoio antes da discussão, nem ditá-lo de cima para baixo, como uma verdade revelada ou um mandato supremo e inquestionável”.
Hernández considera que, entre os principais temas políticos que aborda o projeto de diretrizes, aparecem “a descentralização, a legitimação do setor não estatal, a determinação de fazer valer a lei e a ordem constitucional, e a redução clara do aparelho estatal”.
Ao mesmo tempo, considera “reveladora” a frequência com que alguns conceitos aparecem na proposta do Partido Comunista. Enquanto “descentralizar” e “descentralizado” são mencionados cinco vezes e socialismo duas, participação é usada 16 vezes, mas apenas duas “no sentido de participação social ou da cidadania”.
A socióloga María Isabel Domínguez, diretora do estatal Centro de Pesquisas Psicológicas e Sociológicas, alertou à IPS que, “embora a prioridade das transformações esteja neste minuto no plano econômico, estas não podem ficar à margem dos processos sociais e políticos que acompanham e dele derivam”.
Para a pesquisadora, as diretrizes econômicas deveriam estará acompanhadas de uma análise de suas consequências em “termos de mudanças jurídicas”, bem como de “impactos sociais e políticos”. A falta de um olhar mais integrador pode, inclusive, ser obstáculo “à implementação de algumas das intenções contidas nas diretrizes”, disse María Isabel.
Em mensagens espalhadas por e-mail, iniciativas da cidadania como a Confraria da Negritude e a Rede Protagonista Observatório Crítico mencionam, ainda, a necessidade de incluir em qualquer projeto de país a questão racial, o respeito à diversidade, as diferenças de gênero, os desafios da mudança climática e o acesso livre à informação.
Um editorial da católica revista digital Espaço Laico, do Arcebispado de Havana, assegura que “Cuba vive nos últimos tempos um processo crescente de diversificação das identidades sociais”, que geraram propostas diversas, mas com pontos de contato que poderiam “facilitar o diálogo e o consenso”.
Entre os elementos comuns cita “o desejo de uma liberdade responsável, o desfrute de todos os direitos – tanto individuais como sociais –, a defesa da soberania, a implementação da iniciativa econômica e o desenho de um modelo político capaz de incrementar sistematicamente as cotas de participação e protagonismo da cidadania”. Envolverde/IPS
Nenhum comentário:
Postar um comentário