Médicos cubanos estão no Haiti da década de 90 | Foto: Alex Castro |
Por Federico Mastrogiovanni no Opera Mundi
Mesmo antes do terremoto de 12 de janeiro de 2010, eles já estavam no Haiti. E, após o tremor, formaram uma das missões mais ativas e competentes em solo haitiano, elogiada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e outras entidades internacionais. Os mais de mil médicos da Brigada Médica Cubana em atividade no Haiti, além de ajudarem os milhares que ficaram desabrigados, também desempenham papel importante no combate à recente epidemia de cólera.
“Até hoje, a Brigada Médica atendeu mais de 40 mil pacientes, cobrindo 40% do total de atendimentos oferecidos no Haiti”, contou, orgulhoso, o doutor Lorenzo Somarriba López, vice-ministro da Saúde e coordenador-geral da brigada, em entrevista ao Opera Mundi.
Apesar de ser raramente citada pela mídia internacional, a missão cubana – presente desde 1998 no Haiti –, recebe amplo apoio dos haitianos, de acordo com Somarrimba. “Quando as manifestações contra o resultado das eleições presidenciais tomaram as ruas, saímos protegidos somente pela bandeira cubana. Isso diz muito sobre nosso trabalho.”
Quando se fala de assistência sanitária no Haiti, o nome da Brigada Médica Cubana é um dos mais lembrados.
Como os médicos enfrentaram a epidemia da cólera no começo?
A doença foi detectada pela primeira vez em Mirebalais, cidade no centro do país, onde funciona um dos nossos centros de saúde. De fato, fomos nós que soamos o alarme. Num primeiro momento, atendemos as pessoas no hospital cubano-venezuelano de Mirebalais. Depois, retomamos a rotina normal nesse centro, porque os pacientes de cólera precisam de uma instalação exclusiva. Então, montamos na cidade o primeiro Centro de Tratamento da Cólera (CTC). Além do CTC, existe a Unidade de Tratamento de Cólera (UTC). Temos 47 centros de saúde, dos quais 37 são UTCs e 10 são CTCs, e estamos montando outros 10 CTCs para logo chegarmos a 20.
Ao mesmo tempo, criamos centros com instalações temporárias: tendas com um fluxo unidirecional, para evitar contágios. Até hoje, a Brigada Médica atendeu mais de 40 mil pacientes, com uma média de cerca de 500 casos por dia em todo o país. Cobrimos 40% do total de atendimentos oferecidos no Haiti. Outros 40% são oferecidos pelos Médicos sem Fronteiras. Relatamos 259 mortes até agora. Isto nos dá a taxa de letalidade – ou seja, a mortalidade por uma enfermidade – mais baixa relatada em todas as missões: 0,79%.
Como nasceu a missão cubana no Haiti?
A história é muito bonita. Chegamos em 1998 após o furacão George e mantivemos as atividades até os dias de hoje, sem interrupções. Estamos há pouco tempo no Haiti – 12 anos – mas obtivemos ótimos resultados. Desde o começo da missão, mais de 3,5 mil médicos cubanos passaram pelos centros médicos. A brigada era formada antes só por cubanos, mas se tornou internacional depois do terremoto, quando foram integrados jovens latino-americanos de 20 diferentes nacionalidades, incluindo haitianos, formados na Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM) de Cuba. Recentemente desembarcaram em Porto Príncipe outros 65 colaboradores, entre médicos e enfermeiros, elevando para 1.007 o total de membros da Brigada Médica Cubana. Em março, um momento de crise intensa, chegamos a reunir 1.722 efetivos de 26 países. Em 2007, a Venezuela se uniu a Cuba no programa integral de saúde. Estamos montando uma rede de unidades nos dez departamentos do país para criar um sistema de saúde integral e gratuito.
Como os médicos cubanos enfrentam a epidemia?
O elemento mais importante é a higiene. Se uma mosca pousa em dejetos humanos (vômito ou fezes) contaminados, pode contagiar alimentos e transmitir a cólera. É preciso tratar, mas também manter um ambiente higiênico e saudável, tarefa complicada nos acampamentos de desabrigados, onde milhares vivem juntos. É tarefa das unidades de saúde ir até as comunidades e educar as pessoas. Qual o melhor local? As igrejas. Durante os cultos, dividimos a cerimônia com um bate-papo educativo, em crioulo. Além disso, Cuba formou 600 jovens médicos do Haiti e há outros 500 lá. Parte desses jovens foi incorporada à Brigada Médica. Além de atuarem como médicos assistenciais, os jovens se transformam em excelentes propagandistas das medidas de higiene.
Quais serão os principais obstáculos daqui para frente no combate à epidemia de cólera?
Não estamos em todas as áreas habitadas e, com isso, as estatísticas não registram os casos em comunidades rurais remotas. O país tem 10 departamentos e 140 municípios, com 570 distritos. Há um número grande de distritos, superior a 200, com povoados de acesso difícil e a cólera já chegou a muitos deles. Com isso, Cuba decidiu criar os Grupos de Pesquisa Ativa (GPA), ou “Bairro adentro”. As unidades são formadas por um médico haitiano, um cubano ou formado na ELAM e três enfermeiras cubanas. Eles então iniciam uma viagem itinerante entre os povoados, dando prioridade aos com casos de cólera. Os integrantes precisam caminhar por sete ou oito horas, caso encontrem condições de transporte adversas.
Além da Venezuela, quais outros países apoiam a missão cubana?
Muitos. Noruega e Namíbia, por exemplo, aprovaram financiamentos importantes. Em março, firmamos um acordo com o Brasil (Cuba, Haiti e Brasil) para o projeto de quatro hospitais modulares em Porto Príncipe, "unidades de pronto atendimento", já em construção. São vários os governos que estão nos ajudando, pois confiam na experiência e no preparo da Brigada Médica. Mas o que me surpreende, e não é lembrado, é como um país pobre como Cuba consegue formar uma força médico-sanitária e enviá-la a locais como o Haiti, onde muitos países mais fortes não têm ninguém. É motivo de grande orgulho e os haitianos reconhecem esse trabalho. Quando as manifestações contra o resultado das eleições presidenciais tomaram as ruas, saímos protegidos somente pela bandeira cubana. Isso diz muito sobre nosso trabalho.
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