Embora não se trate de uma opinião de um cubano comprometido com o aperfeiçoamento do socialismo, não nos pareceu se tratar de um gusano mercenário.
Assim, a título de autocrítica postamos o texto do escritor cubano, Leonardo Padura Fuentes, publicado no sítio OPERA MUNDI.
Em seguida, postamos uma entrevista concedida pelo mesmo escritor ao mesmo sítio, em 22/07/2010, em que revela algumas questões importantes, como:
“Considero-me um sujeito feliz, consigo sobreviver da literatura, que é o que gosto, ainda faço alguns artigos como jornalista, mas é pouca coisa”.
“O país vem crescendo culturalmente nos últimos anos, politicamente também, apesar da situação econômica delicada, mas é um momento promissor para a arte e literatura.”
Todos os seus livros foram publicados, sem restrição ou censura. Também tem o direito de viajar irrestritamente ao exterior. “Meu passaporte, como os dos meus colegas, tem visto de saída válido por dois anos”, afirma. “Vou para onde quiser, ninguém mais me pergunta ou controla.”
1º Texto
Cuba: dedo em uma chaga
As mudanças econômicas e sociais já empreendidas em Cuba e as que serão implantadas em um futuro próximo sob a premissa da atualização necessária e aperfeiçoamento do modelo econômico cubano têm entre seus objetivos expressos uma descentralização do Estado e um desencargo de responsabilidades insustentáveis para essa estrutura.
Esse processo, que permitirá maior independência não só às empresas, aos governos locais e às opções de trabalho dos indivíduos, traz aparelhada uma importante modificação das estruturas sociais cubanas, não só no plano econômico, mas em todas as suas esferas de existência.
Muito se insistiu na necessidade de que o Estado assuma menos responsabilidades que não tem razão para carregar (embora tenha sido decisão sua assumi-las na época, como parte do "modelo" escolhido) e na impossibilidade de manter subsídios, gratuidades e benefícios que até poucos anos atrás o próprio Estado gerou e promoveu.
Muito, também, na necessidade da contribuição dos cidadãos para o sustento desse mesmo Estado, mediante uma produtividade trabalhista adequada e através de impostos diretos (inclusive os destinados à previdência social e, portanto, a esferas como a saúde e a educação). Pouco se falou, por outro lado, nos conflitos individuais que as medidas tomadas e ainda a tomar trarão aos cidadãos, embora, certamente, se tenha reiterado a máxima de que nenhuma pessoa ficará desamparada se precisar da ajuda estatal.
Quando se fala da necessidade de eliminar subsídios, não se menciona, em contrapartida, a possibilidade de reduzir os encargos que, durante os últimos 15 anos, ajudaram no sustento do Estado e na sua possibilidade de conceder subsídios, como são os impostos aplicados sobre os produtos revendidos pelas lojas arrecadadoras de divisas, cujos preços devem duplicar, triplicar e até quatriplicar em relação aos que esses mesmos produtos têm na rede varejista de outros países. Esses preços tão duramente tributados, decerto, são os que regulam os do resto dos mercados (com a exceção dos produtos vendidos pela esquálida e moribunda caderneta de abastecimento) e até os do mercado negro que funciona no país e são os que, em conjunto, fazem com que os salários estatais sejam mais que insuficientes para o sustento do trabalhador e sua familia – o que provocou, entre outros efeitos, o desinteresse pelo trabalho.
Geração escondida
Entre o já comentado houve, entretanto, um silêncio total em relação aos efeitos que tais mudanças e redefinições trarão para o setor das pessoas que, sem chegar à idade de aposentadoria, mas já passada a juventude, deverão refazer suas vidas em novas condições sociais e econômicas nas quais o Estado aspira a obter uma parte maior de seu sustento do trabalho dos cidadãos sem que se mantenham as políticas protecionistas ou paternalistas imperantes no país por décadas.
Esse grupo de pessoas forma a geração que hoje anda entre os 45 e os 55 anos e que é muito definível em Cuba por várias características, entre as quais me ocorre contar o fato de ter sido a primeira que, maciçamente, cursou estudos universitários (e são, portanto, profissionais); é a que, essencialmente, participou das missões militares internacionais dos anos 1970 e 1980, sem terem recebido os benefícios econômicos dos atuais trabalhadores no exterior; foi a que, por volta dos 30 anos, ou seja, em sua etapa de maturidade intelectual e profissional, assistiu à chegada do período especial e viu em muitos casos truncada ou alterada sua estrutura de ascensão econômica e social; e é em alguns casos para sua salvação - a que engendrou a geração de jovens que nos últimos anos emigraram de Cuba ou estão emigrando agora, jovens com capacidade intelectual ou força física para tentar e muitas vezes conseguir - uma inserção satisfatória em outras sociedades, de onde contribuem para o sustento de seus parentes na ilha.
Quantos dos indivíduos pertencentes a essa geração entre os 45 e os 55 anos, mais ou menos, estão em condições físicas e psicológicas para "reciclar-se" no novo modelo econômico em gestação? Quantos podem converter-se em agricultores, operários de construção, policiais ou trabalhadores autônomos, levando em conta sua idade e capacidade? Além do trabalho como professores, que outra alternativa o Estado pode oferecer a muitos deles?
Em alguns dos romances que escrevi, chamo esse setor específico da população cubana de "geração escondida", por sua proverbial falta de rosto público e de capacidade para decidir suas opções de vida e futuro em uma sociedade que esteve ferrenhamente regulamentada e na qual seu papel foi muitas vezes decidido pelas necessidades, exigências e solicitações do Estado. Desde o estudo até a guerra, passando pelo corte de cana, a orientação profissional e um longo e variado leque de necessidades e obediências.
Essa é a geração que hoje deve tentar recolocar-se em um sistema que será necessariamente competitivo, no qual o Estado exigirá produtividade e impostos, ao qual chegam com seus conhecimentos em disputa com os conhecimentos, capacidades e força da geração que os sucede, e, dramaticamente, com a possibilidade da aposentadoria adiada em cinco anos graças a uma mudança recente na legislação.
Nova guerra
Não há dúvida de que o desafio que este setor da população cubana deve enfrentar é árduo, em uma medida ainda difícil de estabelecer. As opções de trabalhar para o Estado serão reduzidas notavelmente e as possibilidades de fazê-lo em empresas mais ou menos autônomas ou de capital misto enfrentarão, mais que nunca, o peso da competitividade.
Os trabalhos por conta própria, entretanto, exigem habilidades e capacidades que muitas dessas pessoas não possuem e também funcionarão, mais adiante, com um alto grau de competitividade que assegure a eles a subsistência e o sucesso.
A conjuntura social e econômica que hoje espreita esta geração será sua nova guerra, seu novo corte de cana.
Mas a linguagem e a retórica que os acompanhará nesse empenho não será nem poderia ser a mesma, pois são outros os fins, outros os tempos, outras as expectativas. E porque o que se aproxima é um choque frontal com a realidade e sua expressão exigirá novas respostas... e não velhas palavras de ordem escutadas por tantos anos.
2º Texto
“Um segundo, por favor, Leonardo acaba de entrar em casa”. Silêncio, vozes ao fundo e um chiado no telefone. A voz de Leonardo Padura Fuentes surge doce e logo de início ele já pede desculpas pela falha na ligação: “É época de muita chuva aqui em Havana, teremos alguns problemas na linha”. Padura é cubano, nasceu em 1955, trabalhou quinze anos como jornalista e depois de 1995 conseguiu dedicar mais tempo à literatura.
“Considero-me um sujeito feliz, consigo sobreviver da literatura, que é o que gosto, ainda faço alguns artigos como jornalista, mas é pouca coisa”, declara o escritor. Seus romances, protagonizados pelo detetive cubano Mario Conde, renderam-lhe diversos prêmios locais e no exterior, entre eles, duas vezes o Prêmio Internacional Dashiell Hammett de melhor romance policial em língua espanhola.
Padura: Cuba seguiu variante “tropical” do stalinismo, de “baixa intensidade”
“Esse reconhecimento é uma honra para qualquer escritor, aqui em Cuba principalmente”, afirma Padura. “O país vem crescendo culturalmente nos últimos anos, politicamente também, apesar da situação econômica delicada, mas é um momento promissor para a arte e literatura.”
O criador de Mário Conde não esconde sua satisfação com as notícias recentes sobre a libertação de dissidentes. “Acredito que é um passo muito importante e benéfico para Cuba, e muito provavelmente outros virão”, ressalta. “O mais interessante é que são mudanças relevantes, mas que não alteram o sistema cubano. O país precisa disso.”.
Padura é um crítico do governo comunista. Suas opiniões sobre os problemas econômicos e políticos do cotidiano são o tempero dos livros que escreve. Não se alinha, porém, com os grupos de oposição. “Precisamos de reformas que destravem a economia e a burocracia”, ressalta. “Não se trata de andar para trás ou jogar fora as conquistas.”
O escritor lamenta que a revolução cubana tenha copiado, em muitos aspectos, o modelo soviético, com excessiva centralização do Estado. Mas registra que seu país seguiu uma variante “tropical” do stalinismo, de “baixa intensidade”. “Não somos uma sociedade reprimida, mas controlada”, analisa. “Há forças vivas e criativas capazes de impulsionar mudanças sem destruição.”
Padura destaca que, com o colapso do socialismo no leste europeu, nos anos noventa, Cuba passou a viver uma primavera cultural. Proibições e limites para a atividade artísticas caíram, segundo o escritor. “Claro que as dificuldades econômicas afetaram a produção de livros e filmes, por exemplo. Mas passamos a viver um clima de liberdade e tolerância”, ressalta.
Todos os seus livros foram publicados, sem restrição ou censura. Também tem o direito de viajar irrestritamente ao exterior. “Meu passaporte, como os dos meus colegas, tem visto de saída válido por dois anos”, afirma. “Vou para onde quiser, ninguém mais me pergunta ou controla.”
Gênese
Foi nesse novo ambiente que nasceu a literatura de Padura Fuentes. O escritor lidera a renovação do gênero policial cubano e se destacou principalmente com a tetralogia As quatro estações, composta de Paisagem de outono (ainda não traduzido no Brasil), Passado perfeito, As máscaras e Ventos de Quaresma, livros editados no Brasil pela Companhia das Letras.
O personagem central, Mario Conde, é policial que vive em Cuba e passa por várias situações que o aproximam de seu inventor. “Mario Conde é meu velho companheiro, tem a minha idade e estudou nos mesmos lugares que eu. A diferença é a profissão. Aliás, como está nos livros, ele gostaria de ser escritor”, diverte-se.
Mario Conde é um anti-herói, não resiste a uma mulher bonita e não vive sem seu rum, a aguardante dos cubanos. “Seu método não é científico, mas baseado em sua inteligência, em suas fobias, em suas manias, em seus erros, que o levam a comandar uma investigação mais pelo olfato que pelos fatos, mais pelo instinto que pela certeza oferecida pelos laboratórios criminais”, orgulha-se de sua criação.
Além dos traços de personalidade, Padura não esconde que utiliza Mario Conde para expressar questionamentos próprios sobre o país em que vive. “Se fosse explicar a uma pessoa que nunca ouviu falar de Cuba, seria uma das maiores dificuldades, precisaria de muitas páginas. Cuba é um país complexo, difícil de explicar para quem vive fora e até para quem vive dentro”.
Padura chama seus livros de “falsos policiais”, porque são um pretexto, um meio para chegar a um fim que não é a descoberta do assassino. Nos livros existem muitas outras perguntas, e quase todas se referem a uma Cuba atual. “Uso o romance policial como um veículo de indagação social.”
Além do gênero policial, o escritor estreou recentemente no romance histórico. O homem que amava os cachorros, livro publicado em 2009 na Espanha, aguardado para setembro nas livrarias cubanas e ainda sem previsão de edição no Brasil, reconta a história dos últimos anos de Leon Trotsky, até seu assassinato.
A obra parte do encontro de Ivan, um jovem cubano, com um espanhol que passeava seus cachorros, em 1977. Esse homem misterioso, doente e abandonado, aos pouco vai entregando sua identidade: Ramón Mercader, o assassino de Trotsky, que passou vinte anos preso no México antes de imigrar para a União Soviética e refugiar-se na ilha caribenha em meados dos anos setenta. Depois de sua morte, em 1978, o corpo foi levado secretamente para Moscou com o nome de Ramón Ivanovich Lopez.
Padura, no momento, dedica-se a um novo romance, o sétimo protagonizado por Mario Conde, que mistura três espaços temporais: a Holanda no século xvii, cenário de uma história que envolve a figura e a obra de Rembrandt; Cuba do período entreguerras e Cuba atual.
Uma família judia é o fio condutor, da qual é membro o personagem central do romance, refugiado político. Um assassinato ocorrido nos anos trinta permeia a narrativa, levando o detetive Mario Conde a reabrir o arquivo do crime nos tempos atuais. “O país mudou muito no século xx, e isso é uma das questões que quero explorar”, conta Padura. “O conceito de liberdade está por trás da trama.”
Assim que terminar este romance, o escritor cubano pretende vir ao Brasil. “Nunca visitei o país, me encantaria conhecê-lo”, declara. “Aliás, posso eu fazer uma pergunta? Quem ganha as eleições presidenciais em outubro?”
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