segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Quatro centavos de real: o preço do transporte público em Cuba

Õnibus cubano em Havana | Foto: Cuba Debate

Por Paulo Jonas de Lima Piva

A cidade de São Paulo contou um dia com uma estatal do transporte público, a CMTC. Naquela época, o preço da passagem era quase que inteiramente subsidiado. Durante a administração petista de Luíza Erundina, por exemplo - lembro-me bem -, meu biblhete de estudante tinha de 50% a 75% de subsídio. O preço da passagem quase não pesava no orçamento de um estudante universitário de classe média baixa.

Porém, a CMTC e seus subsídios existiram até a posse do então prefeito Paulo Maluf. Assim que este assumiu a prefeitura da capital em 1993, uma das suas primeiras iniciativas, com o apoio aberto e militante da grande mídia paulistana, em pleno auge do neoliberalismo e do antipetismo, foi justamente privatizar o transporte público do município, vendendo a CMTC a preço de banana para empresários que, coincidentemente, haviam sido os principais financiadores da sua campanha. Os 50% a 75% de subsídios para estudantes que beneficiavam milhões na administração Erundina, desapareceram logo que a lógica lucrativa se impôs ao tranporte público de São Paulo. Como consequência da privatização e do desmonte da CMTC muitos foram os motoristas e cobradores demitidos, diversas foram as linhas desativadas, o número de ônibus em circulação desabou e, o pior de tudo, a proteção a parcelas da população dependentes de passagens mais baratas (como os desempregados, além dos estudantes) foi abandonada.

Por outro lado, de lá para cá os empresários do setor só se locupletaram na exploração desse serviço público. Já a melhoria da qualidade, uma promessa propalada pela propaganda privatista, esta se revelou uma grande mentira, um sórdido estelionato. O ônibus em São Paulo custa agora três reais, porque os empresários não querem reduzir seus lucros com investimento no aumento da frota, e não há nenhum auxílio substancial das empresas que exploram essa mina de dinheiro para subsídiar trabalhadores e estudantes que necessitam desse serviço essencial e que são lesados por essa lógica desumana de mercado. Para piorar, a justiça burguesa, obviamente, não faz nada para conter essa imoralidade. Ao contrário, legitima e é parceira de primeira hora dessa imoralidade.

Cuba

Enquanto a passagem de ônibus em São Paulo custa três reais, em Havana, Cuba, "no inferno comunista do ditador Fidel Castro, onde se come criancinha e as pessoas morrem de fome", a passagem custa quatro centavos de real. Isso mesmo. Em linguagem cifrada, R$ 0,04. Transporte público lá é entendido como bem essencial. E isso se mostra na prática cotidiana e não em retóricas de contratos. Transporte público em Cuba não pode ser tratado como mercadoria. É efetivamente um dever do Estado e um direito do cidadão, enquanto em São Paulo "Transporte: um dever do Estado, um direito do cidadão" é apenas uma frase discreta de marketing na lataria dos ônibus que os empresários, a prefeitura e a justiça burguesa desprezam.

A passagem em Havana é tão barata, até mesmo para o padrão de vida dos cubanos, que muitos nem pagam a condução. Como não há cobradores, muitos passageiros entram sem pagar, sob o olhar indiferente do motorista. Vale lembrar que em Cuba ninguém paga aluguel (é imoral e ilegal tratar moradia como mercadoria), ninguém paga escola ou faculdade (incluindo pós-graduação), ninguém paga dentista, consulta médica ou operações, as tarifas de água, luz e telefone são irrisórias, pois são subsidiadas pelo Estado socialista, sem contar os remédios, a maioria adquirida de graça. Vale lembrar também que todo cubano recebe em casa uma cesta básica, simples é verdade (poderia ser bem melhor se não houvesse o bloqueio econômico genocida imposto pelo presidente terrorista John Kennedy), mas que contém o básico, gratuitamente, para uma sobrevivência digna, sem luxo. Estava me esquecendo: os cubanos recebem ainda um salário mínimo. E tudo isso num contexto de guerra desigual e sabotagens contra a maior e mais inescrupulosa potência imperialista do planeta, os EUA.

De volta a São Paulo

E no paradisíaco mundo livre do mercado, em particular em São Paulo, o que acontece com a maioria (não a minoria) dos nossos "cidadãos livres" desse capitalismo portador do moderno, onde todo mundo pode comprar celular, tênis de seiscentos reais em duzentas prestações, e acima de tudo adquirir gel à vontade para passar no cabelo e passear no shopping aos sábados e domingos com a namorada, "livremente"?

Em São Paulo, os "cidadão livres" que pagam três reais de passagem, seis reais diários no mínimo, arrancados do minguado e já comprometido salário, para se locomoverem (eis o direito de ir e vir da sociedade neoliberal!), estes pagam ainda faculdade, colégio, plano de saúde, consulta no dentista, a tarifa de celular mais cara do planeta (graças às privatizações da era FHC-Serra), aluguéis exorbitantes, contas de água e luz altíssimas (afinal, as empresas fornecedoras do serviço merecem lucrar...), remédios a preços surreais, e tudo isso sem contar com uma cesta básica fornecida pelo Estado para amenizar os prejuízos. Afinal, abaixo o Estado opressor e paternalista! Viva o mercado libertador e respeitador da autonomia e da livre iniciativa dos indivíduos!

Apesar de tudo, o transporte em Cuba também tem os seus problemas. O bloqueio econômico estadunidense impede o governo cubano de fazer empréstimos internacionais, por exemplo, para renovar sua frota ou investir em meios de transportes mais modernos, cria dificuldades infinitas à ilha para comprar peças de reposição para ônibus e trens, sem contar que, durante o período especial, aquele imediatamente após o fim do bloco socialista, em que Cuba ficou isolada e sob uma das piores pressões internacionais desde o início da Revolução, os EUA intensificaram a barbárie contra a ilha impedindo-a de ter acesso sobretudo ao petróleo. Com as mudanças em curso na ilha, as quais incluem as parcerias solidárias com a Venezuela, Brasil, Bolívia e Equador, a tendência é que tais transtornos e sacrifícios imposto pelo bloqueio estadunidense sejam definitivamente superados.

 Paulo Jonas de Lima Piva é professor. 

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