Foto: Cuba Debate |
Escritor indiano premiado e defensor dos modelos sustentáveis de agricultura, Raj Patel concedeu recentemente entrevista a emissora TeleSur, em que fala sobre como o modelo agroecológico cubano – que cultiva alimentos mais intensamente, recicla nutrientes através da terra, não cultiva apenas uma única colheita, mas várias, constrói a fertilidade do solo e maneja os recursos hídricos, usando menos fertilizantes e pesticidas – poderia ajudar a tornar o mundo mais sustentável se adotado por outros países.
Por outro lado, avalia que este modelo pode estar ameaçado devido ao fato de que multinacionais pressionam para entrar na ilha com a normalização das relações diplomáticas entre a ilha e os EUA.
Confira a íntegra da entrevista:
TeleSur – Você acha que o futuro do modelo agroecológico em Cuba pode estar comprometido se a normalização das relações diplomáticas com os EUA servir para o setor agrícola norte-americano empurrar seus produtos nos mercados cubanos?
TeleSur – Você acha que o futuro do modelo agroecológico em Cuba pode estar comprometido se a normalização das relações diplomáticas com os EUA servir para o setor agrícola norte-americano empurrar seus produtos nos mercados cubanos?
Raj Patel – Estou bastante preocupado, como todos os cubanos deveriam estar. O modelo que floresceu em Cuba é um modelo de sustentabilidade, onde os cientistas são diretamente responsáveis pelos agricultores, e os agricultores são tratados não como cobaias, mas como parceiros no campo que experimentam e inovam. E a grande genialidade do experimento cubano foi ter democratizado o conhecimento, a competência e o poder.
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Minha grande preocupação sobre os EUA é que já temos muitos relatos, com os documentos do Wikileaks, que os funcionários do governo estão sendo pressionados pela Monsanto e outras empresas do tipo. Os cidadãos cubanos precisam saber o que está em jogo – assim como os demais – que este belo exemplo poderá ser extinto em breve, e acho que temos que fazer tudo que pudermos para evitar isso.
TeleSUR – Por causa das circunstâncias – o colapso da URSS e o bloqueio dos EUA – os agricultores cubanos tiveram de adaptar e produzir comidas sem pesticidas ou fertilizantes. A produção foi capaz de garantir a segurança alimentar para todos os cubanos?
Patel – Cuba não produziria o suficiente para alimentar a população se ela quisesse se alimentar como os norte-americanos. Ou seja, a dieta dos EUA requer muito em termos de água, combustível etc, por causa do alto nível de consumo de carne. Mas isso não é um defeito no modelo de agricultura cubana, e sim um defeito no modelo de consumo norte-americano: consomem muita carne.
Patel – Cuba não produziria o suficiente para alimentar a população se ela quisesse se alimentar como os norte-americanos. Ou seja, a dieta dos EUA requer muito em termos de água, combustível etc, por causa do alto nível de consumo de carne. Mas isso não é um defeito no modelo de agricultura cubana, e sim um defeito no modelo de consumo norte-americano: consomem muita carne.
Eu acho que é injusto culpar Cuba por não ser capaz de sustentar a dieta norte-americana. Se todos comessem o tanto de carne que os norte-americanos comem precisaríamos de sete planetas a mais para alimentar todos. É a dieta dos EUA que é insustentável, antes de o modelo de agricultura em Cuba ser subprodutivo.
TeleSUR – Cuba ainda depende de importações de alimentos, como cereais?
Patel – Eles importam arroz. Mas produzem a maioria de suas frutas e vegetais. É difícil executar um modelo justo, porque agora, com o petróleo da Venezuela (desde que Hugo Chávez foi eleito em 1999), há muito mais agricultura industrial. Isso significa um retorno aos antigos modelos e é difícil saber a situação atual em Cuba para reforçar um modelo sustentável em oposição ao modelo insustentável, porque há uma grande mistura na conjuntura atual. Não é um estudo de caso puro.
Patel – Eles importam arroz. Mas produzem a maioria de suas frutas e vegetais. É difícil executar um modelo justo, porque agora, com o petróleo da Venezuela (desde que Hugo Chávez foi eleito em 1999), há muito mais agricultura industrial. Isso significa um retorno aos antigos modelos e é difícil saber a situação atual em Cuba para reforçar um modelo sustentável em oposição ao modelo insustentável, porque há uma grande mistura na conjuntura atual. Não é um estudo de caso puro.
Mas o que sabemos é que o modelo de agroecologia – que cultiva alimentos mais intensamente, recicla nutrientes através da terra, não cultiva apenas uma única colheita, mas várias, constrói a fertilidade do solo e maneja os recursos hídricos, usando menos fertilizantes e pesticidas – vai bem, pelo que sabemos. Há muito mais sustentabilidade associada a este modelo e muito mais comida por área que o cultivo no centro-oeste dos EUA. Isso tudo é sustentado por dúzias de estudos comparando a agroecologia com a agricultura industrial.
TeleSUR – E é também mais uma prova de desastre, um ponto crucial para entender os desastres naturais causados pelo aquecimento global?
Patel – Sem dúvida. Particularmente agora pouco tivemos um furacão atravessando o Caribe e há mais deles no caminho. Sim, é importante lembrar que se você tiver um portfólio diverso de culturas, há uma gama de opções caso uma colheita seja atingida. Não temos ainda evidências, mas os agricultores dizem que o solo agroecológico é muito melhor para resistir às inundações, pois há muito mais “solo vegetal”, não alaga tanto.
Patel – Sem dúvida. Particularmente agora pouco tivemos um furacão atravessando o Caribe e há mais deles no caminho. Sim, é importante lembrar que se você tiver um portfólio diverso de culturas, há uma gama de opções caso uma colheita seja atingida. Não temos ainda evidências, mas os agricultores dizem que o solo agroecológico é muito melhor para resistir às inundações, pois há muito mais “solo vegetal”, não alaga tanto.
TeleSUR – Poderia o modelo agroecológico implementado há três décadas em Cuba ser transportado hoje para outras partes do mundo, que enfrentam novos desafios como mudança climática e urbanização?
Patel – Muito países já estão adotando este modelo, na América Latina (ver os trabalhos da SLOAS) e também em Laos, Malawi, onde eu vi resultados incríveis no combate à subnutrição em terras poucos férteis graças à adoção da agroecologia.
Patel – Muito países já estão adotando este modelo, na América Latina (ver os trabalhos da SLOAS) e também em Laos, Malawi, onde eu vi resultados incríveis no combate à subnutrição em terras poucos férteis graças à adoção da agroecologia.
Mas as pessoas precisam perceber também que a história da agroecologia não é apenas sobre “você precisar plantar milhos, feijão e etc”! O que define a agroecologia é o entendimento de ecologia que você está inserido e a utilização dos conhecimentos para desenvolver sistemas apropriados que combinem com seu lugar no mundo. Agroecologia é sobre princípios, não é uma receita.
Mas as pessoas precisam perceber também que a história da agroecologia não é apenas sobre “você precisar plantar milhos, feijão e etc”! O que define a agroecologia é o entendimento de ecologia que você está inserido e a utilização dos conhecimentos para desenvolver sistemas apropriados que combinem com seu lugar no mundo. Agroecologia é sobre princípios, não é uma receita.
É claro que é possível ter uma produção insustentável de – digamos – alface, não precisa envolver animais para se ter uma agricultura insustentável, por exemplo; basta você plantar apenas alface com toneladas de produtos químicos e uma enorme quantidade de água. Mas isso não é uma comparação justa e, na verdade, muitos sistemas agroecológicos incluem carne, de forma reduzida. Não é uma questão de carnívoros x vegetarianos, é sobre sustentável x insustentável.
Tradução: Cauê S. Ameni/Outras Palavras.
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