quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O poeta, a ilha socialista e suas transformações

Por Tatiana Merlino na Caros Amigos

A história do escritor e jornalista Félix Contreras confunde-se com a da revolução que ajudou a tornar realidade. Por isso mesmo ele não tem pudor em criticá-la, para que o socialismo em Cuba se transforme permanentemente.

A mãe era analfabeta. A família, negra e pobre. Foi num dia de dezembro de 1939, na província de Pinar del Río, no ocidente da ilha de Cuba, que nasceu Félix Contreras, “um filho da fome”, como ele se define. A pobreza conduzia a família por uma vida itinerante. No ritmo das safras de cana, de tomate, de tabaco, percorriam aquela Cuba então miserável.

Muito bonita, a mãe dormiu com um homem de família rica por dinheiro. “Foi a trepada da fome”. Nove meses depois, veio ao mundo o poeta, pesquisador, jornalista e escritor cubano. Com inúmeros livros publicados (perdeu a conta de quantos) sobre música, poesia e jornalismo, e  uma enorme paixão por Cuba e pelo socialismo cubano, ele esteve no Brasil pela quinta vez entre outubro e novembro deste ano. Na estadia de dois meses, participou de atividades culturais em São Paulo e Rio de Janeiro e divulgou seu livro Eu conheci Benny Moré, uma obra sobre a vida e trabalho do artista. Félix é autor, também, de livros importantes como La música cubana, uma cuestión personal e Porque tienen filin. O poeta cubano ainda biografou o pianista e compositor Bola de Nieve para a editora Cosac Naify, que deve lançá-lo no início do ano que vem.

O jornalista já afirmou, em entrevistas, e reafirmou na nossa conversa, que ama a revolução e morreria por ela, mas quer estar vivo para transformá-la. “As coisas acabam ficando velhas. Em um processo revolucionário, a cada dez anos, as coisas mudam”. Entre as mudanças, ele apóia as transformações na economia cubana aprovadas recentemente – em 13 de setembro, o governo anunciou a demissão de 500 mil servidores públicos e o estímulo à formação de cooperativas ou à iniciativa econômica pessoal.

O homem magro, de bigode grisalho, sobrancelhas descabeladas e igualmente grisalhas define-se como um rebelde nato. Talvez o seja mesmo, pois ele ousa criticar aspectos do socialismo cubano (pela esquerda, é claro) mesmo Cuba sendo um tema que polariza opiniões, no geral passionais, contra ou a favor da ilha de Fidel. Mas, como bom revolucionário, o escritor critica o sistema socialista para que ele melhore. “Eu gosto que a revolução mude com os revolucionários e não com os inimigos. Mas, quando um revolucionário tem vontade de mudança, sempre é olhado com desconfiança. E eu não sei a causa disso. Me chama muito a atenção o fato de a esquerda não gostar da crítica”, alfineta.

Usando óculos e uma boina, que tira na metade da conversa, e segurando um charuto que não acendeu durante a entrevista de três horas, Félix defende as conquistas da Revolução Cubana, que ele, como guerrilheiro, ajudou a triunfar. Com a vitória da revolução e a derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista, em 1° de janeiro de 1959, a vida do filho da fome mudou completamente. “O país começou a se transformar, em 59 mesmo acabou o desemprego”.

Mas, do ano em que nasceu até a vitória dos barbudos rebeldes, passaram-se duas décadas, de muitas dificuldades. Aos cinco anos, a mãe foi embora. O menino foi adotado por um casal de parentes. A felicidade da criança que achava que ia ter pai e mãe durou quatro anos, pois. Aos nove, foi tirada da escola e obrigada a trabalhar numa loja de frutas e verduras recém-adquirida pelo pai adotivo. “Fiquei na escravidão. Não é uma metáfora, era literalmente na escravidão, das seis da manhã às oito da noite”.

A situação do menino deixava a avó revoltada, que sempre dizia: “Filho da puta do seu pai, tem dinheiro e você aqui, trabalhando como um escravo”. Um dia, o garoto achou que era hora de dar um basta: “Vou me matar”, disse à avó. “Não, não. Lá nas montanhas, na costa norte de Pinar del Río, há um povoado que se chama San Diego de los Baños. Ali há águas termais. Há muitos turistas dos Estados Unidos e Europa. Lá fica a família do seu pai biológico. Peça ajuda a ele”, disse, encorajando o neto, já adolescente.

Foi então que em 1957, aos 18 anos, o jovem pulou a janela de casa e fugiu. “Eu era muito rebelde. Nasci com essa sorte debaixo do braço”. Ao chegar ao vilarejo, Félix encontrou o irmão de seu pai, que era dono de um hotel. E por ali ficou. Comia bem, estudava de manhã. À tarde e de noite, trabalhava no bar do hotel. “Eu estudava, lia, comprava livros”. Também recebia gorjeta dos turistas. E enganava os visitantes estadunidenses, contra quem nutria antipatia desde a infância. O truque era vender-lhes bilhetes de loteria já usados. Certa vez, numa visita à avó em Pinar del Río, perguntou sobre um amigo. “Foi morto”. Sobre outro. “A ditadura matou”. Era o ano de 1958, e o regime de Batista torturava e matava opositores.

O jovem não teve dúvida. Entrou na luta armada. Especificamente, na guerrilha urbana, em uma célula clandestina. “Eu não tinha consciência política nenhuma, somente um sentimento de justiça, de solidariedade”. Durante seu tempo de militância, uma das tarefas revolucionárias que lhe foram incumbidas foi arrumar um trabalho numa farmácia. Então, ele conseguiu emprego na maior farmácia da cidade, e, nas noites de plantão do estabelecimento, separava pacotes de algodão, sabonete e mercúrio e levava aos homens da guerrilha de Fidel Castro. Os sacrifícios do período de guerrilheiro valeram a pena. “Você não pode acreditar os benefícios que a revolução trouxe à Cuba, e de um modo tão radical...”.


Para ler a reportagem completa e outras matérias confira a edição de novembro da revista Caros Amigos, já nas bancas.

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