quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Fidel Castro: A dupla traição da Philips


O EUA é o maior proprietário de patentes do mundo. Têm roubado cérebros de todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, que realizam investigações em numerosas esferas desde a produção de armas de extermínio em massa até nas áreas de medicamentos e equipamentos médicos. Por isso, o bloqueio econômico e tecnológico não é algo que serve como pretexto para culpar o Império pelas dificuldades próprias.

A saúde pública é uma das áreas na qual o nosso país avançou mais, apesar de que os Estados Unidos roubaram quase 50 por cento dos médicos formados na única universidade de Cuba, que eram mais de 5 mil, muitos dos quais não tinham emprego.

Nessa área foi escrita uma das páginas mais brilhantes da cooperação internacional da Revolução Cubana, iniciada com o grupo de médicos que foi enviado para a recém-independizada Argélia há quase meio século. Aquela política não cessou e nesse ramo tão humano o nosso país goza de reconhecimento universal.

Ninguém pense que foi tarefa fácil. Os Estados Unidos fizeram todos os possíveis por evitá-lo. Durante o tempo transcorrido realizou o máximo esforço por sabotá-la. Aplicaram contra Cuba todas as variantes possíveis de seu criminoso bloqueio econômico que, mais tarde, em virtude da Lei Helms Burton, adquiriu caráter extraterritorial durante a administração de Bill Clinton.

Depois do derrubada do campo socialista e quando meses mais tarde o seu principal bastião, a União Soviética, foi desintegrada, Cuba decidiu continuar lutando. Já então, o nosso povo tinha adquirido um alto nível de consciência e de cultura política.

No ano 1992, Hugo Chávez chefiou o levantamento militar contra o governo oligárquico burguês do pacto de Ponto Fijo, que durante mais de três décadas saqueou a Pátria de Bolívar. Foi preso como nós. Visitou Cuba no ano 1994 e anos mais tarde, com pleno apoio de seu povo, chegou à presidência e inicia a Revolução Bolivariana.

O povo da Venezuela, da mesma forma que o povo de Cuba, teve que encarar imediatamente a hostilidade dos Estados Unidos, que programaram o golpe de Estado fascista no ano 2002, derrotado pelo povo e pelos militares revolucionários. Meses depois aconteceu o golpe petroleiro, que foi o momento mais difícil, no qual brilharam novamente o líder, o povo e os militares venezuelanos. Chávez e a Venezuela ofereceram-nos toda a solidariedade durante o Período Especial, e nós lhe oferecemos a nossa.

Naquela altura o nosso país tinha não menos que 60 mil médicos especializados, mais de 150 mil professores experientes e um povo que tinha escrito brilhantes páginas internacionalistas. Depois do golpe petroleiro começou o rio de nossos cooperantes para os programas de educação e saúde e cooperaram com a Revolução Bolivariana em um dos mais profundos e rápidos programas sociais que foram realizados em algum país do Terceiro Mundo.

Cito estes antecedentes porque são indispensáveis para julgar a perfídia do imperialismo e compreender o tema que abordo hoje: a claudicação e a traição a Cuba e a Venezuela de quem foi uma conhecida e relativamente prestigiosa transnacional européia: a transnacional holandesa Philips, especializada na fabricação de equipamentos médicos.

Sobre o tema escrevi uma reflexão há dois anos, no dia 14 de julho de 2007, mas eu não quis mencionar o seu nome. Ainda tinha esperança de que ela retificasse.

Tínhamos cooperado com o povo da Venezuela para criar um dos melhores sistemas de saúde. Lá ofereceram os seus serviços dezenas de milhares de médicos especializados e outros profissionais cubanos da saúde. O presidente Hugo Chávez, satisfeito com o trabalho dos primeiros contingentes que viajaram para a Venezuela, visando trabalhar no Bairro Adentro, um programa destinado a levar os serviços de saúde para as zonas urbanas e agrícolas mais pobres do país, em uma de suas visitas a Cuba nos solicitou a criação de um programa que pudesse beneficiar a todas as camadas da população venezuelana de classe pobre, média ou rica. Surgiram assim os Centros de Diagnóstico de alta tecnologia; eles complementariam a tarefa dos 600 Centros de Diagnóstico Integral que, como policlínicas de amplos serviços, com seus laboratórios e equipamentos, apoiariam os consultórios de Bairro Adentro. Um número elevado de centros de reabilitação assumiria a humana tarefa de encarar qualquer tipo de deficiência física ou motora.

Em virtude dessa solicitação do presidente, adquirimos os equipamentos pertinentes para 27 Centros de Diagnóstico de Alta Tecnologia, distribuídos nos 24 Estados venezuelanos, três dos quais, por sua elevada população, contam com dois deles.

Nossa norma é contratar sempre o equipamento médico com as firmas mais prestigiosas e avançadas a nível mundial. Procuramos que nos fornecimentos dos equipamentos mais complexos participem, pelo menos, duas das firmas mais especializadas.

Desta maneira, os equipamentos mais sofisticados e custosos de imagenologia, como o Tomógrafo Computarizado Multicorte, a Ressonância Nuclear Magnética, o Ultra-som Diagnóstico e outros semelhantes foram adquiridos da firma alemã Siemens e da holandesa Philips. Nenhuma delas produz, naturalmente, todos os equipamentos, mas sim alguns dos mais complexos e sofisticados. Ambas deviam competir em qualidade e preço. Compramos meios de diagnóstico das duas firmas para a Venezuela e para Cuba, onde desenvolvíamos um plano semelhante de serviços médicos, que durante os anos de pleno Período Especial tinha recebido muitos poucos recursos.

Em mais de 10 especialidades diferentes adquirimos equipamentos de ambas as firmas para os serviços dos dois países. Não mencionarei os da firma alemã Siemens, que cumpriu seus compromissos. Apenas farei referência à Philips; ela forneceu equipamentos para serem utilizados em 12 especialidades nas quais partilhou com a outra firma os mais importantes e custosos: 15 Tomógrafos de 40 cortes, 28 de Ressonância Magnética Nuclear de 0,23 tesla, 8 Mesas Telecomando para Urologia, 37 Ultra-sons Diagnósticos 3D, 2 Angiógrafos de Neurologia, 2 Angiógrafos de Cardiologia, 2 Polígrafos, 1 Câmara Gamma de cabeçote duplo, 3 Câmaras Gamma de cabeçote simples, 250 Raios-X móveis, 1 200 Monitores não invasivos e 2 000 Monitores-Desfibriladores.

No total 3.553 equipamentos com um valor de 72,7 milhões de dólares.

Participei pessoalmente nas negociações dessas compras com as duas firmas.

Os preços discutidos, equipamento por equipamento, implicavam importantes reduções de preço visto que se pagavam à vista e em quantidades elevadas, unindo os destinos: Cuba e Venezuela. De outra forma não poderiam ser adquiridos com a urgência necessária, especialmente nesse país, devido às necessidades acumuladas nos setores mais pobres de sua população total, que já ultrapassava os 27 milhões de pessoas.

Os mais complexos estavam destinados aos Centros de Alta Tecnologia, os menos complexos e abundantes aos Centros de Diagnóstico de Bairro Adentro, embora não eram os únicos a serem utilizados nesses centros. Quase todos foram adquiridos no início de 2006.

Adoeci gravemente a fins de julho desse ano. A Philips forneceu peças até fins de 2006. Em 2007 deteve-se totalmente o fornecimento: nem uma só foi fornecida.

No mês de março desse ano uma representação cubana viajou ao Brasil, onde estava a sede do escritório principal da firma Philips para a América Latina que negociou com Cuba. Começaram a explicar suas dificuldades. O governo de Bush exigia-lhes informação pormenorizada dos equipamentos fornecidos a Cuba pela firma, alegando que alguns deles continham programas e em alguns casos componentes de patente ianque, e a Philips tinha entregado a informação solicitada acerca dos adquiridos a essa firma para Cuba e a Venezuela. Jamais existiu o menor problema com ela.

O chefe da Philips no Brasil disse textualmente à representação cubana: “O governo dos Estados Unidos mantém-se intransigente no relativo às regulamentações dos equipamentos e às solicitações de licenças com respeito a Cuba.”

“Eu sei que o problema afeta o plano do Comandante. Nossa organização está afetada e ameaçada. Todas nossas organizações têm muito medo”. Imediatamente repete: “têm muito medo”.

Acrescentaram finalmente que eles queriam cooperar e buscariam fórmulas.

Em meados de julho de 2007, numa chamada Conferência da Casa Branca sobre as Américas, Bush, a Secretaria de Estado e outros líderes do governo dos Estados Unidos “falaram até pelos cotovelos”, segundo anunciava a AP, sobre educação e saúde. Parecia irreal. Prometiam repartir saúde pela América Latina.

Fizeram ênfase no Confort, um velho porta-aviões convertido, segundo ele, “no maior navio hospital do mundo”, que faria uma visita de 10 dias a cada país deste hemisfério ao Sul dos Estados Unidos. Esse era seu programa de saúde. O que ele não disse é que estava sabotando na Venezuela o programa de saúde mais sério que jamais tinha sido proposto num país do Terceiro Mundo.

Apesar da coincidência em data eu não quis abordar diretamente nesse momento o problema da Philips. No mês de março ela prometeu resolver o problema. Ainda tinha esperança de que retificasse.

Nessa mesma reflexão limitei-me a escrever: “O problema é que os Estados Unidos não podem fazer o que faz Cuba. Em câmbio, pressiona brutalmente as firmas produtoras de excelentes equipamentos médicos fornecidos a nosso país, para impedir que sejam repostos determinados programas computadorizados ou alguns sobressalentes que possuem patentes dos Estados Unidos. Posso citar casos concretos e o nome das firmas. É repugnante…”

Apesar da solene promessa da Philips a Cuba, transcorreu o resto do ano 2007, os 12 meses do ano 2008 e quase a metade de 2009 sem que uma só peça dos equipamentos chegasse dessa firma.

Em junho de 2009, após ter pagado ao Governo de Barack Obama uma multa de 100 mil euros, não muito afastado das normas de seu ilustre predecessor, a Philips dignou-se comunicar que em breve forneceria a Cuba as peças de seus equipamentos.

Contudo, ninguém tem ressarcido os cubanos, nem os doentes venezuelanos de nossos médicos do Bairro Adentro e dos que freqüentam os Centros de Diagnóstico de Alta Tecnologia, pelo dano humano ocasionado.

Como é lógico, desde a última compra realizada nos inícios de 2006, não temos adquirido da Philips mais nenhum equipamento.

Por outro lado, temos cooperado com a Venezuela na compra de centenas de milhões de dólares de equipamentos médicos para sua rede nacional de saúde, com uma variedade de equipamentos sofisticados de alta tecnologia procedentes de outras firmas européias com prestigio, e também japonesas. Desejava crer que essa firma faria um esforço para cumprir.

Desta maneira a Venezuela possui moderníssimos equipamentos em sua rede hospitalar estatal; as más ricas clínicas privadas só poderiam adquirir alguns deles. Todo o que resta dependerá agora da eficiência que o país possa atingir em seus serviços. O presidente da Venezuela está seriamente interessado em conseguir esse objetivo. Acho que faria muito bem se mitiga o hábito venezuelano de adquirir equipamentos médicos norte-americanos, não por sua qualidade, que é boa embora com normas menos exigentes que as da Europa, senão pela entranha da política desse país, capaz de bloquear o fornecimento de peças mesmo como fez com Cuba.

Logicamente que para os Centros de Diagnóstico da Venezuela, os de Alta Tecnologia e outros atendidos por nossos médicos, temos enviado equipamentos de marcas reconhecidas no mundo como as melhores em sua especialidade como Siemens, Carl Zeiss, Drager, SMS, Schwind, Topcon, Nihon Kohden, Olympus e outras da Europa e do Japão, algumas das quais foram fundadas há mais de 100 anos.

Agora que a Pátria de Bolívar, à qual Martí pediu servir, está mais ameaçada do que nunca pelo imperialismo, a organização, o trabalho e a eficiência de nosso esforço devem ser maiores do que nunca, e não só no setor da saúde, mas também em todos os campos de nossa cooperação.

06 de Setembro de 2009.

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