sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Devolvam Guantánamo a Cuba.


Fonte: The Opinion Pages, New York Times

Nos 10 anos desde que o campo de detenção de Guantánamo foi aberto, o angustiante debate sobre se o complexo deve ser fechado - ou tornado permanente - tem obscurecido uma profunda falha que remonta há mais de um século e implica todos os estadunidenses: a saber, nossa contínua ocupação de Guantánamo em si. Já passou da hora de devolver este enclave imperialista a Cuba.



A partir do momento em que o governo dos Estados Unidos forçou Cuba a arrendar a base militar da baía de Guantánamo para nós, em junho de 1901, a presença estadunidense tem sido mais do que um espinho no lado de Cuba. Ela tem servido para lembrar ao mundo da longa história estadunidense de militarismo intervencionista. Poucos gestos teriam um efeito tão salutar sobre o absurdo impasse nas relações estadunidense-cubanas quanto entregar este desejado pedaço de terra.

As circunstâncias em que os Estados Unidos passaram a ocupar Guantánamo são tão problemáticas quanto a sua última década de atividade lá. Em abril de 1898, as forças estadunidenses intervieram na luta que Cuba seguia há três anos pela sua independência quando tal luta estava quase vencida, transformando assim a Guerra de Independência de Cuba no que os norte-americanos ainda estão acostumados a chamar de Guerra Hispano-Americana. As autoridades estadunidenses de então excluíram o Exército de Cuba do armistício e negaram a Cuba um lugar na conferência de paz de Paris. "Há tanta raiva natural e desgosto por toda a ilha", comentou o general cubano Máximo Gómez em janeiro de 1899, após o tratado de paz ter sido assinado, "que as pessoas realmente não tem sido capazes de celebrar o triunfo do fim do poder de seus ex-governantes."

Curiosamente, a declaração estadunidense de guerra à Espanha incluía a garantia de que os Estados Unidos não procuravam "soberania, jurisdição ou controle" sobre Cuba e pretendiam "entregar o governo e o controle da ilha a seu povo."

Mas após a guerra, imperativos estratégicos se sobrepuseram à independência cubana. Os Estados Unidos queriam o domínio sobre Cuba, juntamente com bases navais para exercer tal domínio.

Surge em cena o general Leonard Wood, a quem o Presidente William McKinley havia nomeado governador militar de Cuba, sustentando disposições que ficaram conhecidas como a Emenda Platt. Duas foram particularmente odiosas: uma garantia aos Estados Unidos o direito de intervir à vontade nos assuntos de Cuba; a outra previa a venda ou arrendamento de instalações navais. Juan Gualberto Gómez, um delegado à Constituinte Cubana, disse que a emenda tornaria os cubanos "um povo vassalo." Prenunciando a Crise dos Mísseis, ele advertiu profeticamente que bases estrangeiras em solo cubano só iriam arrastar Cuba "para conflitos que não vêm de nossas próprias decisões e nos quais nós não temos interesse."

Mas aquela era uma oferta que Cuba não podia recusar, como Wood informou aos delegados. A alternativa para a emenda era a continuação da ocupação. Os cubanos entenderam a mensagem. "Há, é claro, pouca ou nenhuma independência real deixada à Cuba sob a Emenda Platt," Wood comentou com o sucessor de McKinley, Theodore Roosevelt, em outubro de 1901, logo após a Emenda Platt ter sido incorporada à Constituição cubana. "Os cubanos mais sensatos percebem isso e sentem que a única coisa consistente a fazer agora é buscar a anexação."

Mas com a Emenda Platt, quem precisava de anexação? Nas duas décadas seguintes, os Estados Unidos repetidamente enviaram fuzileiros navais baseados em Guantánamo para proteger seus interesses em Cuba e impedir a redistribuição de terras. Entre 1900 e 1920, algo entre 44 mil estadunidenses afluíram para Cuba, impulsionando os investimentos de capitais na ilha de apenas pouco mais de US$ 1 milhão para aproximadamente US$ 80 milhões e levando um jornalista à observação de que "pouco a pouco, toda a ilha está passando para as mãos de cidadãos norte-americanos."

Como isso aparece na perspectiva de Cuba? Bem, imagine que, ao final da guerra de independência dos EUA, os franceses tenham decidido permanecer aqui. Imagine que os franceses tenham se recusado a permitir que Washington e seu exército comparecessem ao armistício em Yorktown. Imagine que eles tenham negado ao Congresso Continental um assento no Tratado de Paris, proibido a expropriação de bens dos colaboracionistas britânicos, ocupado o porto de Nova York, despachado tropas para reprimir Shays' e outras rebeliões e depois emigrado para as colônias em massa, pegando para si as terras mais valiosas.

Tal é o contexto em que os Estados Unidos passaram a ocupar Guantánamo. É uma história excluída dos livros escolares estadunidenses e negligenciada nos debates sobre terrorismo, direito internacional e o alcance do poder executivo. Mas esta é uma história conhecida em Cuba (onde ela motivou a revolução de 1959) e por toda a América Latina. Isso explica porque Guantánamo continua sendo um evidente símbolo de hipocrisia por todo o mundo. Não precisamos nem mesmo falar da última década.

Se o presidente Obama reconhecer esta história e iniciar o processo de devolução de Guantánamo a Cuba, ele poderia começar a colocar os erros dos últimos 10 anos para trás, para não mencionar a cumprimento de uma promessa de campanha (dada a intransigência do Congresso, não poderia haver melhor maneira de fechar o campo de detenção do que entregar o restante da base naval junto com ele). Isso iria retificar um antigo ressentimento e assentar as bases para novas relações com Cuba e outros países do Hemisfério Ocidental e do restante do globo. Finalmente, seria enviar uma mensagem inequívoca de que integridade, autocrítica e sinceridade não são evidências de fraqueza, mas sim atributos indispensáveis de liderança em um mundo em constante mudança. Certamente não haveria maneira mais adequada de observar este terrível aniversário do que se pôr a favor dos princípios que Guantánamo tem solapado por mais de um século.

Jonathan M. Hansen é professor de estudos sociais em Harvard, autor de “Guantánamo: An American History.”

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