Fidel Castro e Malcom X nos EUA na década de 60 - Foto: Prensa Latina |
Por Ronald Howell no Quartz [artigo de dezembro de 2014]
Quando se trata de comparar palavras com feitos no tema da igualdade racial, o líder mais fiel do hemisfério ocidental, durante o século XX, foi Fidel Castro.
Eu digo isso como um estadunidense negro que se conectou com muita proximidade à América Latina quando adulto, vivendo no México por quase dois anos, trabalhando e ficando com famílias na República Dominicana e fazendo mais do que meia dúzia de visitas a Cuba, onde eu vaguei por suas cidades encantadoras e dirigi até os limites mais distantes do interior, forjando relações com seu povo, especialmente aqueles de matiz mais escura.
Nós estamos sentindo agora o calor deste assunto incandescente, o homem que abrigou estadunidenses negros em sua ilha no Caribe. Sim, é Fidel Castro quem – mesmo sem poder e agora já há anos – está irritando tanto os estadunidenses, especialmente policiais, por causa de uma ação de governo sua de três décadas atrás.
Foi Fidel quem garantiu anistia a Joanne Chesimard, conhecida agora como Assata Shakur, ainda procurada em 1973 pelo assassinato de um policial estadual de Nova Jersey, Werner Foerster, em um tiroteio na estrada. Shakur foi condenada, mas conseguiu escapar da prisão em 1979 com a ajuda de camaradas. Como uma das lideranças da Black Liberation Army (Exército da Libertação Negra), que tomou ações mais duras até que o Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party), não apenas entrando em tiroteios com policiais, mas também assaltando banco, Shakur se tornou uma lenda no seu tempo, uma Robin Hood das massas negras.
Em um momento histórico, o presidente Barack Obama anunciou que procuraria normalizar as relações com Cuba. No mesmo dia, policiais federais e de Nova Jersey repetiram sua oferta de 2 milhões de dólares por informações que levassem à captura de Shakur. No último ano, os federais colocaram Shakur como única mulher na lista do FBI de pessoas mais procuradas.
Foi Fidel quem garantiu anistia a Joanne Chesimard, conhecida agora como Assata Shakur, ainda procurada em 1973 pelo assassinato de um policial estadual de Nova Jersey.
Vocês podem ter certeza que em sites e jornais negros será dada atenção aos chamados cada vez mais intensos pela captura ou retorno negociado de Shakur. Aquela atenção virá com uma história.
Castro não apenas forneceu um refúgio para revolucionários fugitivos, com o argumento, aceito talvez pela maioria dos cubanos sob o governo de Fidel Castro, que os negros eram um povo oprimido lutando por tratamento justo e pelo fim de abusos policiais em suas comunidades.
Não, ele foi um tipo de Martin Luther King com poder. Por exemplo, antes que os revolucionários cubanos liderados por Castro tomassem o poder em Cuba em 1959, havia uma segregação racial extremamente rígida no país, incluindo, por exemplo, Santa Clara, no interior de Cuba.
Quando eu estive em Santa Clara no começo de 2001, uma mulher lá me contou como negros e brancos cubanos na década de 1950 e antes andavam por caminhos separados no belo Parque Vidal no centro da cidade. (Tudo o que se precisava em Cuba para ser branco era ter cabelo liso, ter uma tez clara e não querer ser chamado de “negro”).
Esta divisão racial em sua maior parte terminou no governo de Fidel Castro. Mais do que isto, Castro fez um esforço para alcançar os negros nos EUA.
Quando veio a Nova York em 1960 para a reunião das Nações Unidas, Castro se irritou com a gerência do hotel em que ele estava se hospedando, o Shelburne, arrumou suas malas e levou sua comitiva para o Hotel Theresa no Harlem, onde ele celebremente apareceu na janela e acenou para os moradores negros da comunidade. Milhares de moradores do Harlem gritaram seu nome em uma conexão com o poder com o qual eles estavam totalmente desacostumados.
E não parou aí.
Nos anos oitenta, antes do fim da Guerra Fria, Fidel enviou aproximadamente 25 mil tropas para lutar em Angola ao lado dos opositores do então governo do apartheid na África do Sul. Este aspecto do tempo de Castro no poder foi pouco noticiado pela mídia dos EUA. Fidel se opôs de forma militante à África do Sul racista em um momento em que os Estados Unidos a estavam apoiando diplomaticamente.
Eu fui o primeiro a reportar em 1987 que Shakur tinha escapado para Cuba e estava morando lá, sob proteção de Castro. Eu passei vários dias com Shakur em seu apartamento e caminhando pelo Malecón. Meu colega do Newsday, o fotógrafo Ozier Muhammad, a fotografou quando ela posava provocativamente do lado de fora do escritório para interesses dos EUA, com as mãos para o alto, vitoriosa.
Como vocês sabem, as coisas mudaram desde então.
Os soviéticos pararam de apoiar Cuba e, então, a própria União Soviética entrou em colapso total. Por duas décadas, tem havido especulações de que um dia um presidente estadunidense liberal poderia acabar com o embargo de meio século que proíbe trocas com Cuba e permitir aos estadunidenses viajar livremente para lá.
Republicanos e muitos democratas ficaram muito ofendidos com o que chamaram de uma concessão de Obama ao comunismo que Cuba – através de Raul, irmão do Fidel aposentado – ainda representa.
Abafados na discussão em canais de televisão pagos, estão os sentimentos de pertencimento e apreciação que os estadunidenses negros mantêm por Fidel Castro.
Muitos daqueles que mantêm sentimentos de afeição em relação ao barbudo não gritam isto aos quatro ventos porque eles não querem ser acusados de antiamericanismo. Mas simpatia a Fidel pode ser vista em décadas de voto negro no Congresso. O congressista Charles Rangel, do Harlem, por exemplo, tem estado entre os mais progressistas de todos os representantes quando se trata de políticas em relação a Cuba, tendo proposto na virada do ano (2013-2014) um afrouxamento do embargo. E poucos na cena nacional têm sido mais militantes em se opor ao embargo do que a congressista negra da Califórnia Maxine Waters.
Nos próximos dias, Assata Shakur será mencionada mais frequentemente nas notícias sobre Cuba, especialmente no Nordeste. Há reivindicações crescentes de que os Estados Unidos encontrem uma maneira de trazê-la de volta e colocá-la na cadeia. E nestas histórias, jornais de Nova Jersey estão percebendo o quanto Assata Shakur está sendo tratada como uma heroína em muitas comunidades negras nos Estados Unidos.
Policiais federais e outros estão cientes do quanto Shakur tem se tornado um tipo de heroína popular entre negros estadunidenses e mesmo negros no Caribe, inclusive com um número crescente de pais nos últimos 25 anos que estão nomeando suas filhas de Assata.
Somado ao apelo com os negros, está a ligação de Assata Shakur com o rapper Tupac Shakur, que é ligado a Assata através de seus ancestrais masculinos (não por sangue) e é considerado um sobrinho.
Quando eu escrevi sobre Tupac Shakur para um jornal semanal negro agora defunto (o City Sun), eu falei com um chefe da polícia federal em Nova York, Ken Walton, que disse que Assata Shakur tinha que ficar esperta com cada movimento dela – então, em 1996, e enquanto o coração dela continuasse batendo.
Eu escrevi então sobre Walton: “Ele me disse em palavras medidas e irritadas que ele ‘ou alguém como ele’ iria capturar Assata um dia e trazê-la aos EUA”.
Isto eu sei que é verdade: toda vez que um punho foi levantado por Assata Shakur, simpatia também foi dirigida ao agora antigo líder de Cuba Fidel Castro.
Aliás, Assata não é a única revolucionária recebida por Fidel de braços abertos. Ele também garantiu asilo a Nehanda Obiodun (antes Cheri Laverne Dalton), a única pessoa ainda procurada pelo assalto de 1,5 milhão de dólares a um carro forte no começo de 1981 em Nanuet, Nova York, em que dois policiais foram mortos.
Nos dias de hoje não é difícil localizar onde Assata Shakur e Nehanda Obiodun estão ou mesmo o que eles estão pensando. Eu encontrei Obiodun e escrevi sobre ela em Cuba em 1990, mas fui proibido quando tentei marcar um encontro com ela, Shakur e um grupo de estudantes da Universidade de Stony Brook que levei a Cuba em Janeiro de 2012.
Obiodun tem estado cada vez mais fora do radar nos últimos anos, mas Assata Shakur não. “Nova Jersey espera que o descongelamento das relações entre Cuba e os EUA ajudem a extraditar a ex-Pantera Negra”, gritava uma manchete do Atlantic City News em 18 de Dezembro.
Então, dado todo este pano de fundo, negros estadunidenses não estão apenas refletindo nostalgicamente sobre Fidel Castro, eles estão preocupados com a situação difícil de Assata Shakur.
Alguns, talvez muitos, policiais negros declararam publicamente seu desejo de que Shakur seja capturada e devolvida à cadeia nos EUA. Mas outros negros têm respeito pela coragem que ela mostrou ao viver no exílio por 30 anos, carregando em seu peito os restos de uma bala que ela tomou durante um tiroteio em 1973.
Mais do que tudo, podem apostar, há um acordo amplo com Barack Obama: de que o tempo de hostilidade entre o governo cubano, não mais liderado por Fidel Castro, mas por seu irmão Raul, deve terminar.
Tradução: Tomaz Amorim Izabel/blog Negro Belchior.
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