terça-feira, 15 de dezembro de 2015

História: Cuba consolidou sua revolução com apoio da comunidade socialista

Fidel Castro discursando em Havana após vitória da Revolução de 1959
Por Analúcia Danilevicz Pereira na Revista de História

Os processos de descolonização iniciados após a Segunda Guerra Mundial geraram ondas de democratização e libertação nacional, produzindo um novo equilíbrio global, com o nascimento do chamado Terceiro Mundo. Pelo seu potencial militar e diplomático, e diante do declínio da influência europeia, a União Soviética desempenhou um importante papel junto aos novos países – apresentando-se como um parceiro tolerante à diversidade de sistemas sociais e níveis econômicos. Os novos Estados socialistas adotaram diferentes vias para a construção dos seus modelos revolucionários. E Cuba foi um caso à parte, de grande significação para o mundo.

O programa inicial de Fidel Castro e do Movimento 26 de Julho, juntamente com os demais grupos que lutaram contra o regime de Fulgêncio Batista e em 1959 assumiram o poder, consistia em um conjunto de instruções democráticas e reformistas. O novo líder cubano pregava uma doutrina humanista, não exatamente marxista, a não ser pelos princípios democráticos e de justiça social.

A primeira fase da Revolução encerrou-se entre 1961 e 1962. O ataque fracassado dos Estados Unidos à baía dos Porcos e seus efeitos – a Crise dos Mísseis com a URSS e a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA) – desencadearam uma sucessão de rupturas nas relações dos governos latino-americanos com a ilha. Por outro lado, desde que o vice-primeiro-ministro soviético Anastas Mikoyan visitou Cuba em fevereiro de 1960, e assinou os primeiros de muitos acordos de troca de petróleo e açúcar entre os países, a URSS e o bloco socialista passaram a ser vistos como uma possível saída para a dependência econômica de Cuba no continente, especialmente diante da crescente oposição norte-americana.

Nos anos 1970, a economia cubana se integrou ao Conselho Econômico de Assistência Mútua (Comecon) – organismo fundado para dar apoio aos Estados comunistas do Leste europeu – e passou a contar com um mercado e preços estáveis para suas exportações. Em contrapartida, os cubanos garantiam seu abastecimento de petróleo e outros gêneros essenciais. As trocas com a URSS passaram a representar 60% do comércio exterior do país, e o conjunto de países da comunidade socialista somava o total de 75% daquele fluxo. Essa estabilidade, combinada com os planos quinquenais e com avanços tecnológicos, educacionais, culturais, sociais e políticos, possibilitou ao país alcançar altos níveis de crescimento em todos os planos. E, especialmente, manter o equilíbrio entre os desenvolvimentos econômico e social.

Na lógica revolucionária cubana, tratava-se de alcançar e defender uma independência real, cuja projeção externa deveria enfatizar as transformações sociais. O Estado cubano, historicamente pouco importante em assuntos globais, agora poderia (e deveria) interferir na dinâmica internacional, com vistas ao fortalecimento da própria Revolução. Para Cuba, a política exterior sempre representou muito mais do que simples estabelecimento de relações comerciais e diplomáticas. Influenciava a formulação das políticas domésticas e servia de base para a construção de uma nova identidade nacional. Afinal, o posicionamento internacional de Cuba refletia sua relação com as duas superpotências da Guerra Fria: Estados Unidos e União Soviética, oposição que perduraria até 1991, com a queda do regime comunista soviético.

Por uma década, os cubanos treinaram grupos de guerrilha por toda a América Latina. Cuba também deu apoio civil e militar à série de guerras de libertação nacional na África e na Ásia. Sua atuação internacional se revelou muito mais ampla e complexa do que o simples estímulo revolucionário. Parte desses movimentos guerrilheiros, que não consideraram ter as condições próprias para a revolução e que não possuíam a experiência cubana, sucumbiu diante de grupos de oposição cada vez mais fortes e apoiados pelos Estados Unidos.

O golpe final na estratégia de guerrilhas veio em 1967, quando Che Guevara foi morto na Bolívia. O episódio coincidiu com novos fatores regionais. No final dos anos 1960, começou a se desenvolver na América Latina uma espécie de “militarismo reformista”, que adotou aspectos do discurso de esquerda e produziu legislações progressistas e nacionalistas. No mesmo período, foi revista a exclusão de Cuba da OEA, que voltou a reconhecer o país. Assim, com uma porta se fechando e outra se abrindo, a política cubana para a América Latina deixou de lado a confrontação e adotou uma incipiente cooperação.

A ideia de que a revolução no continente africano era iminente – diante da instabilidade em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Congo e Zaire – fez com que os cubanos acreditassem na importância de estabelecer uma política também naquele continente. As relações externas de Cuba se mostraram proveitosas junto a movimentos de libertação na Ásia: o país desenvolveu forte afinidade com o Vietnã, compreendendo sua resistência ao imperialismo norte-americano como paralela à luta cubana. A mesma postura teve Cuba em relação ao Iêmen do Sul, e em ambos os casos interpretou que aqueles países foram “abandonados” pela China e pela URSS.

Entretanto, no final dos anos 1970 os cubanos adotaram uma posição menos militante e mais próxima da URSS. Observadores apressados afirmaram que a ilha havia perdido o entusiasmo e deixado de lado seu comprometimento com a Revolução. O que se viu foi uma postura pragmática diante das transformações mundiais. Antes cercada, Cuba não tinha nada a perder. Agora, em um novo contexto e depois das muitas conquistas, era necessário se preservar para sobreviver. Essa decisão não significou o esvaziamento da política africana nem da visão terceiro-mundista, pois as relações de cooperação permaneceram.

As primeiras quatro décadas da Revolução ensinam algumas coisas sobre a trajetória cubana. Seu governo foi obrigado a reagir e a se adaptar a circunstâncias externas em transformação, seja em termos de oportunidades econômicas, seja em função de alianças ou conflitos políticos. Porém, diferentemente da situação anterior a 1959, Cuba conseguiu forjar certa independência através de jogadas estratégicas que garantiram a colaboração de aliados e a distância dos inimigos. Mesmo nos períodos de maior proximidade com a URSS, Havana impunha certo preço à sua dependência, que era mais aparente do que real. Em muitos momentos o país perseguiu seus próprios interesses sem consultar os soviéticos. Outra característica do perfil externo da Revolução até os anos 1990 foi o equilíbrio entre ativismo e pragmatismo. A política exterior cubana buscou garantir o máximo de independência e soberania política e econômica, e o fez através dos mais práticos meios para transpor o isolamento. A nova realidade que emergiu a partir de 1991 iria testar esse padrão no limite.

Para os críticos da Revolução Cubana, é difícil explicar sua sobrevivência. Ela iniciou um processo de transformação social em que o tradicional sistema de valores foi substituído por uma sociedade igualitária. O coletivo se sobrepôs ao subjetivo. A eliminação do racismo como prática institucional e valor social foi uma grande conquista. A integração das mulheres ao processo revolucionário e à força de trabalho modificou velhas práticas. O acesso à saúde pública e de qualidade e a novas oportunidades educacionais consolidaram a formação do “Homem Novo”.

Desde que assumiu o poder, Raúl Castro promoveu algumas reformas econômicas de médio e pequeno portes, com o objetivo de adaptar a economia cubana à realidade do século XXI. O documento intitulado “Projeto de alinhamento de política econômica e social” programou 313 diretrizes para reformas econômicas e políticas, as quais foram aprovadas pelo Congresso do Partido Comunista em abril de 2011, e que estão sendo cautelosamente implementadas no país. As relações econômico-comerciais com a China foram ampliadas, a cooperação técnico-militar com a Rússia foi retomada e o Brasil identificou a ilha como um espaço estratégico para a potencialização da dinâmica comercial na região (suporte para a construção do porto de Mariel). Nesse novo momento de atuação coordenada dos BRICS, os EUA buscam rever sua posição em relação a Cuba, inicialmente promovendo uma reaproximação diplomática. Porém, tardiamente...

Saiba Mais

AZICRI, Max. Cuba: politics, economics and society. Marxist Regimes. London/New York: Pinter Publishers, 1988.

BOERSNER, Demetrio. Relaciones Internacionales de America Latina. Breve História. Caracas: Editorial Nueva Sociedad, 1996.

KAPCIA, Antoni. Cuba in revolution: A History since the Fifties. Londres: Reaktion Books, 2008.
SADER, Emir. Cuba: um socialismo em construção. Petrópolis: Vozes, 2001.

Analúcia Danilevicz Pereira é professora de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos Africanos e pesquisadora do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais.

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