segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

“Uma luta cubana contra o subdesenvolvimento”: entrevista ao economista Juan Triana


Por Mónica Rivero na On Cuba

Traduzido para o Solidários por Eduardo Vasco

O recém terminado período de sessões do Parlamento cubano concedeu à economia um espaço privilegiado. Se deram a conhecer os resultados econômicos em 2013 e a proposta para o ano que se inicia; além da Lei do Orçamento do Estado a partir de 2014 e um juizo da Comissão de Assuntos Econômicos.

No contexto da aspiração a um modelo econômico que atualize e acredite, do que se está falando quando se fala de crescimento econômico e em especial, o que representa em relação ao desenvolvimento? Qual é o caminho traçado até o desenvolvimento em Cuba? Em quais setores da economia se deve apostar? O que está pendente e o que está em risco?

Estas e outras questões conduziram OnCuba a um intercâmbio com o Doutor em Ciências Econômicas Juan Triana Cordoví.

Mónica Rivero (MR): O que é crescimento e o que é desenvolvimento?


Juan Triana (JT): Se trata de uma velha história no pensamento econômico. Eu diria que o desenvolvimento é uma das matérias mais novas na Economia, é das primeiras décadas do século passado, depois se converte em um tema próprio nos anos quarenta e cinquenta e se foi expandindo e enriquecendo até a atualidade, onde é muito difícil usar unicamente o termo desenvolvimento. Em geral se fala de desenvolvimento econômico, desenvolvimento social...; o qual nos diz que hoje o desenvolvimento como tal é uma matéria ou um fato multidimensional, que toca praticamente todos os setores da vida de um país e de uma pessoa.

O que mais se generaliza e o que mais se conhece é essa ideia básica de desenvolvimento sustentável, que não é mais que o conjunto do social, ambiental e econômico.

É um conceito que implica não só que as economias cresçam, mas que melhorem as condições de vida das pessoas. O PNUD tem um conceito para medir isto, que se chama “Bem-estar Percebido”. Ou seja, não é apenas para o crescimento das economias, mas para que as pessoas melhorem sua condição de vida e que a percebam; o que é difícil de medir, e é um conceito que deve ser muito flexível, porque a percepção do bem-estar é muito distinta dependendo dos países  inclusive dentro de um mesmo país.

Definitivamente é parte de uma realidade que não se pode negar: os países buscam o desenvolvimento, há diferentes formas de entendê-lo e diferentes formas de medi-lo.

A diferença entre crescimento e desenvolvimento é antiga. Desde os anos quarenta, por exemplo, no caso de Raúl Prebisch, que foi o primeiro secretário executivo da CEPAL, se encarregou de fazer essa diferença dizendo que se desenvolver era mais que crescer porque significava ainda o melhoramento dos níveis de vida das amplas massas da população. No caso de Cuba, Carlos Rafael Rodríguez nos anos cinquenta deu muita ênfase em diferenciar desenvolvimento econômico e crescimento econômico.

Na história da humanidade há casos em que os países cresceram, mas não se desenvolveram. Portanto, se pode dizer que o crescimento econômico é uma condição necessária para que os países se desenvolvam, mas não suficiente.

Em Cuba também, durante um tempo, entre os anos oitenta e noventa, se difundiu a ideia de que era possível se desenvolver sem crescer, e isso em certa medida pode se dizer que é possível mas sob determinados limites, porque na realidade é muito difícil que um país possa se desenvolver sem crescer sistematicamente; porque para se desenvolver também é necessário mudanças na tecnologia, melhoramento nos níveis de vida da população, na qualidade de vida das pessoas, e para isso é preciso ter os meios necessários. Não se pode melhorar a partir de nada.

O tema final é ético: como fazer com que esse crescimento se transmita a toda a população, como fazer com que se melhore as condições de vida de todo o país. Isso depende dos governos, dos Estados, de sua base socioeconômica, da filosofia que praticarem...

Juan Triana. Foto: Roberto Meriño.

MR: Como se comporta essa percepção do bem-estar em Cuba?

JT: Cuba é um caso muito especial e às vezes é muito – vou usar o termo – gracioso. Na realidade é algo paradoxal porque quando se examina um grupo de indicadores associados ao bem-estar e ao desenvolvimento humano de Cuba em relação a outros países, pode surpreender.

Por exemplo, Cuba no índice de desenvolvimento humano está conceituado entre os países do grupo Alto (acima desse grupo há outro que é o de Mais alto desenvolvimento, onde estão Suécia, Suíça, Alemanha...). Quando se fala isso o cubano médio se surpreende porque para nós essa percepção do bem-estar é muito rara; entre outras coisas, porque uma parte desse bem-estar nós temos incorporada, é quase genético.

Se alguém estabelecer uma pesquisa de qualquer indicador de desenvolvimento humano, notará que em Cuba há coisas que a Revolução resolveu há quarenta anos. Então o que para outros países possa ser uma grande conquista em termos de bem-estar, em Cuba é uma vantagem adquirida por todos os cubanos.

É paradoxal porque por outro lado nós cubanos consideramos que estamos vivendo muito mal. Não percebemos essa melhoria, não a entendemos. No entanto, se comparam os indicadores e é totalmente diferente. Às vezes não nos damos conta de que, se bem é certo que passamos muito trabalho em muitas coisas, em outras não passamos nenhum. Isso é meio macondiano. Dizemos por um lado “Como está mal a moradia em Cuba”, mas incrivelmente em Cuba 80% da população é proprietária de sua moradia. É um dos poucos países que pode exibir um índice assim. Então isso é impressionante, e é parte desse bem-estar percebido que nós não percebemos, porque já o temos “geneticamente incluído”.

A educação gratuita, a saúde gratuita, são verdades que às vezes as pessoas não gostam nem sequer de ouvir e só se dão conta delas quando começam a padecer de uma educação ou uma saúde não gratuita; porque são coisas que se notam não por sua existência, mas por sua ausência.

Isso acontece em Cuba muitas vezes, porque também não temos um sistema que permita demonstrar ao cidadão o quanto isso é importante. Existem outros países onde a saúde é gratuita, mas você vai a um hospital e te fazem uma fatura honorária onde diz quanto custou a operação. Em Cuba ninguém sabe quanto custa uma radiografia nem quanto custa uma operação. Também é certo que nem todo o mundo vai aos hospitais todos os dias, mas é uma garantia que têm pela vida toda e que custa mantê-la. Para que alguém possa ir um dia, é preciso mantê-la todos os dias.

O mesmo acontece com a educação. Nós cubanos logo nos demos conta do quanto importante era a educação quando nosso sistema de educação começou a sofrer por problemas de qualidade, mas enquanto funcionou bem ninguém se importou. Ninguém nunca pensou que o Estado tinha que dedicar muito dinheiro para manter o sistema de educação, que todos os cubanos pagamos. Uma parte de nosso salário vai para esses fundos sociais que pagam a educação; mas ninguém pensou nisso até que começou a se falar e hoje é um dos problemas em que todos estamos envolvidos. Ninguém pensou no professor de ensino primário nem em seu baixo salário até que logo nossos estudantes começaram a sofrer o déficit na qualidade da educação.

Nós cubanos nos temas de desenvolvimento humano temos um índice muito alto. A partir daí é muito difícil melhorar porque a melhora significa uma margem de custo muito alta; é como quando se está no topo de uma grande montanha e subir um metro a mais custa muito. Há países que estão muito abaixo e é muito fácil melhorar, mas há países como Cuba em que já há assuntos que estão garantidos e portanto conseguir que a melhora se perceba custa muito. É um dos grandes problemas que temos com este caso do desenvolvimento, da percepção do bem-estar...

Talvez haja interpretações muito maniqueístas sobre este assunto. Há também uma espécie de cultura ou de subcultura popular de que para muitos o bem-estar é viver como se vive no primeiro mundo ou como se vive nas telenovelas, pensando que todo o mundo pode viver assim; sem se dar conta de que em certa medida há uma grande diferença entre riqueza absoluta entre um país e outro, ou uma espécie de ficção tremenda em transmitir determinadas construções ideográficas nas pessoas.

Hoje por sorte há outras ideias, por exemplo o presidente Correa no Equador fala do bom viver, que não é exatamente reproduzir a cultura do consumo. Mas o cubano em geral não o percebe assim, lamentavelmente. Tem a ver com essa prática do cotidiano que é nossa vida.

MR: Também acontece que se tende a comparar com o que se pode ser, partindo da realidade objetiva...

JT: Pode ser. Sempre há espaço para tomar melhores decisões e sempre existiram más decisões. Comparar-se com o que potencialmente se pode ser creio que também é válido; mas também é preciso entender que este é um país pequeno, pobre, subdesenvolvido e bloqueado.

Muitas vezes fazemos essa comparação de maneira mecânica, quase como um exercício de especulação. Eu não sei realmente até onde algo assim possa ser verdade.

De todo o modo acho que é bom comparar-se com o potencial. Creio que estamos em um processo que, entre outras coisas, está tentando recuperar isso e permitir às pessoas que usem o mais possível esse potencial, e que está criando condições para exigir à população que o faça; mas é um processo. Estamos caminhando para isso.

MR: Este processo seria a chamada atualização?

JT: Este processo tem a ver com estas grandes transformações que se estão fazendo para atualizar e para criar coisas novas. Está abrindo realmente espaços a essas potencialidades das pessoas, pouco a pouco, passo a passo. Hoje como nunca o cidadão cubano tem melhores oportunidades de aplicar esse potencial por decisão própria. Isso não era assim uns anos atrás.

Às vezes eu rio porque muita gente diz: “É que o Estado me paga muito pouco”. E creio que isso é real: ainda hoje o salário em setores estatais são muito baixos; no entanto, as pessoas têm outra opção, que é a de desenvolver – inclusive sem deixar de ser trabalhador estatal – uma atividade de trabalho cooperativa ou por conta própria e melhorar sua renda. E muita gente não faz isso, sendo que se pode fazer.

MR: Você se referiu em várias oportunidades à “debilidade estrutural das bases” do crescimento em Cuba e que as potencialidades da economia nacional não são “suficientemente aproveitadas”. Como estariam suficientemente aproveitadas? O que poderia se fazer e não se faz?

JT: Partimos de uma situação quase sempre de decisões abaixo do ideal, por conta do bloqueio. Muitas vezes isso nos faz decidirmos por opções que podem não ser as ideais. Deixando isso estabelecido, realmente temos uma debilidade estrutural para o crescimento econômico que está associada, primeiro que tudo, a termos um sistema produtivo muito fraco com grandes deficiências em temas tecnológicos. Há uma grande distância entre nossa indústria e nossa agricultura em relação à tecnologia de ponta mundial. Déficit em eficiência, produtividade e organização de trabalho e em incentivos de todo tipo. Isso acontece em quase todos os setores, lamentavelmente.

Vimos de uma cultura muito igualitarista. Foram feitas tentativas de romper com ela, ou ir mudando-a, mas vai levar tempo porque, entre outras coisa, a igualdade é cômoda.

Melhorar nestas coisas e ir mudando as condições que fazem que tenhamos problemas estruturais em termos de crescimento tem a ver com essa combinação de fatores; não é só um tema macroeconômico, que possa ser apenas de taxas de câmbio ou apenas de políticas industriais. É muito mais abarcador.

Às vezes nós cubanos, por uma deformação histórica, estamos acostumados a buscar a solução, mas nestes temas não há a solução: há um conjunto de soluções que, combinadas, permitem melhorar. Uma delas por si só não resolve o problema. Isso o faz muito mais complexo.

É preciso tomar medidas estruturais, conjunturais, sociais, é preciso criar instituições. Não existe uma varinha mágica. Toma tempo porque são coisas que se deve construir, não só atualizar, e implicam a maneira de pensar e de se conduzir das pessoas. Essa frase de mudar a mente, que já se tornou tão banal, fala de algo que é o mais difícil de tudo. Tem gente que não vai mudar nunca, que não pode mais mudar, ao que já passou seu tempo de mudar. Também porque não quer mudar; se adequou a uma maneira de viver e não entende que para seguir vivendo é preciso mudar.

MR: No que Cuba pode apostar seu desenvolvimento?

JT: Cuba deve apostar no que foi o produto mais importante: no cubano, numa população instruída, altamente qualificada. Na capacidade que temos de formar pessoas, coisa que outros países não têm. Nos valores já estabelecidos como parte da vida das famílias: que seus filhos estudem, por exemplo. Nossas famílias todas têm como um valor estabelecido o de que seus filhos devem ir à escola. E quando terminem a escola, é que se deve pensar em trabalhar. Em outros muitos mundos não é assim, não só subdesenvolvidos, mas desenvolvidos também.

É o recurso mais abundante que há em Cuba, é o mais importante de todos, é o mais flexível. É preciso apostar nessa gente qualificada que temos e a partir daí desenvolver setores. Quais? Todos aqueles em que possamos incutir nas tendências mundiais, desde o turismo até os serviços médicos. Todos, para mim nenhum é excludente. Sigo acreditando que o açúcar para Cuba é um grande recurso e um grande setor, a indústria da cana-de-açúcar, mas acredito que a indústria biotecnológica pode ser do mesmo modo uma grande oportunidade, como a telefonia, como a indústria de software ou como a produção de lajotas hidráulicas para não precisar importar.

Há um potencial enorme que é preciso cultivar, é preciso lhe dar apoio e opções, e que pode preencher vazios que hoje as empresas estatais não podem cobrir. Eu apostaria nisso. Creio que é um erro neste mundo tão dinâmico, tão globalizado, que vive mudanças, “casar-se” com um setor.

Se me “caso” com o cubano qualificado, esse está em todos os setores, é capaz de montar desde uma empresa turística até construir maquinária para fazer lajotas hidráulicas. Essa é uma grande possibilidade que tem o país, é verdade que não a aproveitamos diretamente, nos falta abrir mais espaço. Mas estamos nesse caminho e se está aprendendo.

MR: Qual o tempo necessário? Se diz que não deve se empregar um período excessivamente longo, pelo custo que tem a espera em termos políticos e sociais para a credibilidade e sustentabilidade.

JT: Não restam dúvidas. Na realidade o desenvolvimento é uma meta que devemos alcançar no menor tempo possível. Cuba vem experimentando durante cinquenta anos – para parafrasear o título de um filme -, uma luta cubana contra o subdesenvolvimento. Ainda estamos nessa luta. O que acontece é que também o desenvolvimento tem uma expressão nas gerações e foram muitas gerações nessa batalha. Por isso eu creio que os tempos são importantes e que poder alcançar o desenvolvimento em um tempo adequado é importante, em um tempo que não signifique três ou quatro gerações. Por isso também a relação entre desenvolvimento e crescimento é importante, porque para poder nos desenvolver necessitamos crescer a determinadas taxas e não a outras.

Ainda hoje estamos crescendo a taxas muito baixas para as aspirações de desenvolvimento que tem Cuba, para as melhorias que temos que conquistar e para a margem de gasto que devemos fazer.

Por exemplo, temos o índice de mortalidade infantil mais baixo de nossa história. O gasto que o país tem que fazer para baixar um décimo é gigantesco em comparação com o gasto que teve que fazer para baixar de 60 a 50, para baixar um ponto percentual; porque já baixar um décimo significa garantir condições muito especiais nos hospitais e fora dos hospitais e isso custa muito. O mesmo acontece com a melhoria da saúde em geral, com a melhoria de um grupo de serviços.

Essas são as tremendas metas do desenvolvimento em um país que já conseguiu muitos altos índices de melhoramento nas condições de vida das pessoas.

Outro exemplo: todas as nossas crianças chegam ao 6º grau, e quase todos chegam ao 12º grau ou ao ensino técnico. Isso supõe um esforço tremendo. Em Cuba temos gastado para por três professores para duas crianças, há escolas que têm 6 estudantes e têm mobilizada uma força grande. A pergunta é: Isso é sustentável economicamente? Muito difícil se enfoca tudo de forma econômica, mas é parte do bem-estar da população, então gastar no bem-estar dessas pessoas, dessas famílias, é uma inversão muito alta e nos faz um país muito pobre que além disso está bloqueado. Às vezes não nos damos conta disso porque estamos imersos nesta cotidianidade.

MR: É possível que tenha a ver com o que se tem repetido muito e mal...

JT: Talvez, talvez pensem que o Estado nos está dando coisas, quando na realidade o Estado somos todos, porque todos contribuímos para recebermos coisas: uma parte de nosso salário não a ganhamos pois ela é passada aos fundos sociais de consumo e se distribui nessas coisas. Às vezes o enfoque é muito verticalista, lamentavelmente muito estatista desde uma concepção deste assunto, eu diria, passada de moda.

Se fizer as contas e disser para os cubanos: “Você não recebe nada mais do que 40% do seu salário, porque 60% dedicamos à educação gratuita” e se colocá-lo na sua frente e disser: “estes são os impostos que você paga para que a educação em Cuba seja gratuita, para que teus netos, teus filhos vão à escola de maneira gratuita”, creio que a imensa maioria estaria de acordo. Lamentavelmente não o dizemos nunca, nós não sabemos que parte de nossos salários vai para a educação, que parte vai para a saúde, que parte vai para manter os aposentados. É algo que em algum momento deveríamos também atualizar. Nos dizem isso de outra maneira: “O Estado lhe dá...”, mas definitivamente o Estado nada produz, somos nós quem produzimos, quem produz é este povo que é o dono dos meios de produção e todos contribuímos com isso. É a melhor aplicação da frase de Napoleão: L' État c' est moi, o Estado sou eu, o Estado somos todos.

Isso às vezes tampouco o compreendemos porque não conseguimos que a população identifique com qual parte ela contribui ao Estado e com qual parte não contribui. Não conseguimos que a população identifique em qual parte é credora e em qual é devedora do Estado. Com outras contas talvez pudéssemos conseguir isso: que cada qual se veja identificado em sua contribuição individual ao Estado e se veja identificado em sua melhora individual desde o Estado, que é de todos nós. Isto também é participação.

MR: Segundo você, em Cuba até há poucos anos os problemas de distribuição da riqueza não constituíam um obstáculo significativo ao crescimento; no entanto, dadas as transformações realizadas nos últimos anos, estes problemas deverão se ter em conta. Que riscos isto traz para a política social?

JT: O risco está em não reconhecer e não atuar consequentemente com que em Cuba há uma estratificação da renda. Isto vai seguir ocorrendo. Quando se abre espaço a diferentes atores, haverá exitosos e outros não. É injusto que o trabalhador exitoso não seja retribuído em função de seu êxito, como é injusto deixar nas mãos de Deus o que não está na empresa exitosa. O Estado deve cuidar essas falhas na justiça social, que deve ser mais ativa, mais dirigida. Isto é inevitável.

Temos que conseguir que nossos aposentados vivam melhor do que estão vivendo, mas para isso temos que conseguir uma política em que aqueles que não necessitam esse apoio não o tenham. Passa pela caderneta, pelo serviço de eletricidade, passa pelo transporte... É uma ação muito complexa, e implementá-la é muito mais difícil ainda. Não é preciso atualizar: é preciso inovar. É preciso criar as bases suficientes para um país que tem mudado. É preciso criar regras do jogo, instituições, normas. O perigo está em desconhecer isso.

Creio que hoje realmente há muitas pessoas dentro dos níveis de decisão política que sabem disso e vêm fazendo pequenas coisas. É preciso conseguir ter uma política completa sobre isso.

MR: Quem está definindo a política econômica em Cuba?

JT: Como em todos os países há decisores escolhidos para lidar com a situação, aí está o Estado, o governo, o partido, os poderes locais. São dos decisores importantes, é a maneira em que a imensa maioria das pessoas quer participar de uma ou outra forma. É a maneira que está instituída em Cuba para participar. Têm que melhorar, porque o país está mudando.

Creio que neste processo que se centrou muito nos Lineamientos houve uma participação real da população. Esse documento variou com a participação da população. É preciso avançar na participação a nível dos bairros.

A academia participa, estuda, investiga, produz, discute, faz propostas. Existe o Conselho de Ciência de Tecnologia na Comissão de Implementação, onde participam professores de maneira constante. Como nunca antes a academia está participando nestas coisas.

MR: Alguma vez se fez política econômica que contradissesse princípios econômicos?

JT: Nossas aspirações sempre estiveram acima da realidade de nossos números. Isso não é ruim. O ruim o confundir as aspirações com a realidade.

Durante muito tempo o país viveu em condições especiais, inserido em um campo socialista e com uma relação muito especial com a União Soviética. Isso permitiu ter aspirações acima das capacidades próprias que o país tinha para mantê-las. O saldo positivo é que conseguimos ter a população que temos hoje, melhoramos a vida da maneira em que se fez.

A outra parte desse assunto é que as aspirações econômicas são muito altas. Nossa realidade econômica não alcança a satisfazer essas necessidades; mas tampouco é ruim porque ao final nos obriga a ser melhores em economia. É algo que nos puxa.

MR: Como a economia concebe a possibilidade de um modelo socialista próspero e sustentável?

JT: Penso que é possível, além de ser uma frase que nos permite montar uma visão de país. Sintetiza as aspirações da população cubana: ser próspera, seguir sendo socialista e que se possa sustentar no tempo. Eu sou daqueles que pensam que a maioria da população cubana continua se identificando com o que conheceu como socialismo, nesse aspecto social, e não quer renunciar a ele.

Não creio que ser prósperos seja uma meta inalcançável, em todo caso é dura, difícil, alta. Mas é alcançável. Também requer fazer muitas coisase mudar muitas outras. Penso que se está fazendo uma parte. Estamos chegando a uma etapa muito mais difícil e sensível onde os espaços de manobra são mais pequenos e onde os perigos de cometer um erro estratégico teriam um custo muito alto. Fomos avançando desde as coisas mais evidentes e elementares, até transformações que cada vez mais requerem de uma maior sintonia fina, por esses mesmos custos, pela profundidade que implicam essas transformações.

Socialista, próspera e sustentável: quando se caminha até dentro há muitas coisas que decodificar, tanto pensando no que é o socialismo cubano e o que deve ser, o que é ser sustentável, o que é ser próspero em Cuba e o que deve ser, como garantir que seja sustentável. Há muito o que trabalhar aí, mas sem dúvida é uma magnífica construção de uma visão de país.

MR: Em algum momento se pensou que a prosperidade se contradizia com o socialismo?

JT: Sim, houve momentos em que coisas assim se espalharam como parte de uma filosofia que fomos transformando.

A prosperidade como país, como família, como pessoas, é um valor que devemos difundir e conseguir que as pessoas vejam como parte de suas metas tanto individuais como coletivas.

MR: Quais seriam algumas dessas transformações profundas?

JT: Diria que há várias, se anunciou uma: a unificação monetária e cambiária. É uma medida profundíssima, que terá vantagens e custos. A transformação do sistema empresarial cubano seria outra: conseguir que nossas empresas sejam realmente empresas. É uma cultura que não temos. Mas é preciso fazê-lo se queremos ser bons, se queremos competir com o mundo e ter nosso próprio espaço no mundo.

MR: Com o perdão da palavra, se pudesse extirpar algo da economia cubana, o que seria?

JT: Não em economia, mas no geral da sociedade cubana: Extirparia a tendência à unanimidade, a tendência à simulação e a tendência ao conformismo. Essas três são um grande lastro para Cuba.

MR: Que obstáculos tem Cuba para o desenvolvimento?

JT: Primeiro: nossa própria deformação estrutural; segundo: o bloqueio norte-americano; terceiro: nossa aversão ao risco em geral. Além dessas três tendências que te disse.

Já em termos econômicos: distorções macroeconômicas como a dualidade cambiária e monetária; debilidade nos incentivos positivos; baixa poupança nacional; baixa taxa de acumulação e de inversão... Logicamente, essa distância tecnológica que nos separa das tendências que marcam os países de ponta no mundo.

Cuba tem muitíssimas oportunidades e logicamente tem tremendos desafios. Mas em geral estamos vivendo uma etapa de mudanças importantes. Minha visão é positiva sobretudo porque há muitas oportunidades abertas para melhorar, para que o país avance. Isso vai desde as potencialidades que tem nosso país, com uma população altamente qualificada – não totalmente aproveitada – até o feito de que Cuba segue sendo um país virgem em muitas coisas, que podem ser desenvolvidas tanto pelas empresas e os cubanos como pelo capital estrangeiro.

Um comentário:

  1. "Extirparia a tendência à unanimidade, a tendência à simulação e a tendência ao conformismo. Essas três são um grande lastro para Cuba." Disse tudo.

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