sábado, 28 de maio de 2011

Félix Contreras: um poeta da Revolução ( + entrevista e poemas)!

Por Mariana Viel do Portal Vermelho

Filho da miséria e da repressão da ditadura do general Fulgencio Batista, o poeta, escritor e jornalista Félix Contreras é um exemplo das profundas transformações que a Revolução Cubana promoveu na vida do povo da maior ilha do Caribe. Para quem assiste a uma de suas palestras é difícil imaginar como o menino que aos cinco anos de idade foi abandonado pela mãe — obrigada a se prostituir para comer — conquistou um futuro tão distante daquele que, teoricamente, o aguardava.

Além do abandono, o jovem Contreras sofreu ainda a angústia da escravidão, a insegurança da vida nas ruas e a dor da fome. Sua história é composta de diversos elementos ficcionais, que parecem só encontrar um sentido real quando ele passa a integrar uma célula clandestina da guerrilha cubana. Ele conta que tinha apenas 21 anos quando a Revolução Cubana triunfou e afirma orgulhoso que, de repente, o impossível deixou de existir. “Vocês não podem acreditar o que é viver o privilégio de uma Revolução. Tudo muda. Não posso explicar com palavras o que foi a Revolução Cubana. De repente para mim tudo era possível. O impossível não existia”.

A vitória da Revolução inaugurou uma série de profundas mudanças na vida do povo cubano, e uma delas em especial, a educação, foi responsável por mudar definitivamente o destino do escritor. “Sempre gostei muito de livros, queria estudar, conhecer culturas e visitar outros países. Eu falava com a minha avó que queria outra vida. Graças à Revolução terminei o primário, o secundário e fiz duas carreiras universitárias”.

Aos 70 anos de idade, Félix ministra palestras e aulas sobre a cultura cubana em diversos países do continente latino-americano e europeu. Entre as dezenas de livros publicados estão; El fulano tiempo, Cuaderno para el que va a nacer, Corazón semejante al tuyo e Album de la vida e os títulos de música Porque tienen filin (sobre a canções misturadas com o jazz), Música cubana: uma cuestíon personal e Yo conocí a Benny Moré — que reúne textos sobre a vida de um dos maiores expoentes da música cubana.

Em suas palestras, o escritor explica que a história da cultura e das mais variadas manifestações artísticas de Cuba não pode ser dissociada da vitoriosa história da luta de seu povo por independência. Segundo ele o próprio espírito da ilha é formado pela união entre liberdade e beleza. “Nossa cultura nasce das mesmas forças da independência. Para nós, cultura e independência são inseparáveis. A cultura cubana alcança sua cristalização, seu verdadeiro rosto, com as lutas de independência”.

Contreras ressalta que as principais figuras da independência de Cuba eram poetas e cita como exemplo máximo o grande mártir José Marti — político, pensador, jornalista e filósofo, criador do Partido Revolucionário Cubano (PRC) e organizador da Guerra de 1895.

Outro elemento fundamental para a formação da riqueza cultural da ilha é a mistura das tradições dos escravos africanos e seus colonizadores espanhóis. Para o poeta é justamente a união de tantos elementos distintos — que também se repetiu no Brasil e nos Estados Unidos — que concede à cultura desses países características tão peculiares.

“Onde as culturas se misturam saem as melhores culturas, porque une o melhor de cada uma delas. É isso que explica por que Cuba, Brasil e Estados Unidos têm as músicas mais significativas, ouvidas e dançadas do mundo. É onde mais se misturam todos os ritmos”. A presença da cultura dos escravos africanos é outro forte elemento dessa singularidade musical.

“Todas as culturas e todas as formas de expressão humana dos continentes africano e europeu ficam em um selo. Nos Estados Unidos através dos afro-norte-americanos, no Brasil com os afro-brasileiros e em Cuba com os afro-cubanos. Essa é uma demonstração de que onde há negros, há boa música. Nos Estados Unidos o jazz começou com os negros, as canções de amor românticas em Cuba nasceram nos barracões e no Brasil a música saiu dos negros da Bahia. Quando as culturas se misturam não há repressão”.

Durante uma palestra para estudantes dos cursos de História e Letras de uma faculdade de Bragança Paulista, a 90 km de São Paulo, na sexta-feira (20), ele falou sobre as tendências culturais de Cuba e ressaltou as transformações que o socialismo promoveu na maior ilha do Caribe.

Ao ser questionado por um dos alunos sobre a “falta de democracia em seu país”, o revolucionário foi taxativo. “Essa é a opinião de vocês. Não é a opinião do povo cubano. Cuba sempre realizou eleições, isso não se fala aqui. Cuba sempre fez eleições e Fidel sempre ganhou. O melhor serviço de saúde da América Latina está em Cuba e foi iniciado por Fidel Castro em 1961. Qualquer pessoa que for até lá pode comprovar. As melhores escolas de educação gratuita estão em Cuba. O primeiro país onde as mulheres se tornaram ministras foi Cuba. Isso tudo foi graças à Revolução”.

Entrevista ao Portal Vermelho

Vermelho: A história da cultura cubana se mistura à história da luta do povo cubano por liberdade?

Félix Contreras: Nossa cultura nasce das mesmas forças da independência. Para nós, cultura e independência são inseparáveis, são sinônimos. A cultura cubana alcança sua cristalização, seu verdadeiro rosto, com as lutas de independência. As principais figuras da independência cubana eram poetas. A principal figura da história de Cuba de todos os tempos é José Marti – que era um grande poeta. Estou falando da significação que tem a cultura cubana no espírito do povo cubano. O espírito de Cuba é essa mistura de liberdade com beleza. O patrimônio cultural cubano tem suas raízes nas tradições artísticas e literárias. O primeiro e maior romance cubano chama-se Cecília Valdés, e foi escrito pelo médico revolucionário Cirilo Villaverde – melhor amigo de José Marti. É um romance muito importante porque é um retrato de como era a sociedade cubana no século 19.


Vermelho: Durante a palestra você afirma que Brasil, Estados Unidos e Cuba possuem a música mais importante do mundo. Quais elementos concedem essa característica tão especial a esses países?

FC: É onde mais se misturam todos os ritmos. Todas as culturas e todas as formas de expressão humana dos continentes africano e europeu ficam em um selo. Nos Estados Unidos através dos afro-norte-americanos, no Brasil com os afro-brasileiros e em Cuba com os afro-cubanos. Onde as culturas se misturam saem as melhores culturas, porque une o melhor de cada uma delas. É isso que explica por que Cuba, Brasil e Estados Unidos têm as músicas mais significativas, ouvidas e dançadas do mundo. Uma coisa muito importante também é a presença dos negros. Essa é uma demonstração de que onde há negros, há boa música. Nos Estados Unidos o jazz começou com os negros, as canções de amor românticas em Cuba nasceram nos barracões e no Brasil a música saiu dos negros da Bahia. Quando as culturas se misturam não há repressão.

Vermelho: Como essa mistura de culturas influenciou o jazz?

FC: O jazz que chega na ilha nos anos 20 é um jazz negro, mas com muita influência branca, sobretudo na harmonia. Tem muito da harmonia da música francesa chamada impressionismo. A música francesa, depois de Claude Debussy mudou muito: uma harmonia mais complexa. E é esse jazz que chega em Cuba na década de 1920. Só que o jazz quando chega a Havana e encontra a música cubana muda novamente. Na década de 1940, quando nosso maior percussionista, Chano Pozo, vai com seus tambores para Nova Iorque, os músicos de jazz brancos e negros ficaram loucos. Então o jazz norte-americano se converteu em latin-jazz.

Vermelho: Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos levam para Cuba importantes elementos culturais, o imperialismo norte-americano tem uma ação devastadora na ilha. É possível diferenciar as influências positivas e negativas?

FC: Nós assimilamos muito da cultura norte-americana. O jeito do conto cubano vem do conto dos Estados Unidos. Na década de 1930 os escritores cubanos começaram a escrever a partir do esquema do conto curto, que era norte americano, e daí nascem os maiores contos da década de 1940 e 1950 da América Latina, que são os contos cubanos. A cultura norte-americana em Cuba foi muito boa. Cuba tem esse jeito muito especial em sua cultura, nós nunca misturamos política norte-americana com cultura. A cultura norte-americana é produto de um povo, de pobres e ricos — como todas as culturas do mundo. As culturas são iguais, todas têm seus jeitos e todas são boas. O que não é bom é o poder do governo, do império, que usa essa cultura para sua conveniência. Mas o povo cubano sabe distinguir bem o que é cultura e o que é império norte-americano.

Vermelho: As mentiras sobre a falta de liberdade em Cuba te incomodam?

FC: Essa é uma mentira saída de uma necessidade muito grande que têm os Estados Unidos. A principal necessidade do império norte-americano é que Cuba desapareça. Cuba é o pior exemplo que há no mundo para eles porque a Revolução Cubana mostra aos povos da América Latina que o socialismo é melhor. Cuba não quis uma revolução reformista, quis uma revolução radical. Os Estados Unidos sempre estão pedindo aos diplomatas cubanos, nos encontros internacionais, que Cuba seja mais flexível. A Revolução Cubana incomoda os Estados Unidos, porque a partir de 1959 a esquerda latino-americana teve um exemplo muito próximo de como é possível mudar um país. E essa é uma pedra no sapato que eles não aguentam mais.

Vermelho: Entre as mentiras amplamente difundidas no Brasil e em diversos outros países do mundo está a questão da liberdade de imprensa em Cuba. Como você vê essa situação em Cuba e em outros países da América Latina?

FC: Esse é outro mito que se fala aqui: ‘Cuba não há liberdade de imprensa’. Liberdade de imprensa para quem? Só não falam para quem eles querem liberdade. A coisa tem nome e sobrenome. Liberdade de imprensa para o patrão ou para o operário? Operário não vê a liberdade de imprensa como o patrão. Liberdade de imprensa não é algo abstrato, liberdade de imprensa tem um fato concreto. Estou seguro de que o dono da Folha de São Paulo não tem a mesma opinião que eu. Meu conceito de liberdade de imprensa é o do jornalismo do operário, que fala de suas necessidades e de exploração. A burguesia não tem a mesma opinião sobre liberdade de imprensa que os operários. As pessoas nunca falam isso porque manipulam o conceito de liberdade de imprensa.

Outra grande manipulação, que tem um fato concreto, é a ideia de que o cubano quer sair da ilha. As pessoas não fazem avaliações com sentido histórico. Tudo acontece no marco da história. As pessoas retiram um fato, que tem um sentido histórico, e falam que os cubanos querem fugir da ilha. O que aconteceu foi uma emigração econômica e não política. Toda a história da Revolução Cubana muda a partir de 1989, com a queda do Muro de Berlin, da União Soviética.

A economia cubana se apoiava cerca de 80% na União Soviética. Cerca de 84% das exportações eram feitas para a União Soviética. Nos anos 1990 em Cuba acabaram as reservas de alimentos, de petróleo, de tudo. Os anos 1991 e 1992 foram os mais dramáticos de toda a história de Cuba. Transformávamos os móveis em combustíveis para cozinhar aquilo que conseguíamos. Passamos uma fome terrível. Apareceu a prostituição e apareceu também um turismo de que eu tenho ódio, mas que foi um câncer necessário. Um fato importante é que as únicas putas no planeta terra que tinham diploma universitário eram as cubanas.

A crise foi espantosa. Mais de 14 mil pessoas morreram tentando chegar aos Estados Unidos. E o governo norte-americano o que fez? Pegou uma lei que dizia que os cubanos que chegassem aos EUA teriam direito a dinheiro,
casa, carro e tudo mais. Mas os cubanos não estavam fugindo do socialismo cubano. Não foi uma fuga política e sim uma fuga econômica.

Vermelho: Como você se posiciona em relação às mudanças no rumo político, econômico e social cubano aprovadas no 6º Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC)?

FC: O povo cubano sempre apoiou as transformações. Agora a Revolução Cubana está fazendo mudanças que são muito necessárias. Antes nós não podíamos fazer essas mudanças porque não havia estabilidade social. Agora sim, estamos fazendo mudanças necessárias na economia. Com o passar dos anos algumas coisas ficam velhas. Um processo revolucionário deve continuar promovendo mudanças sempre.

Félix Contreras: Meus poemas brasileiros

Este poema

Para ganhar a vida
escrevo este poema
olhando o que se foi
e como sempre
o que há que escolher
Para ganhar a vida
escrevo este poema
enquanto minha infância
uiva no fundo destas palavras


Neste papel

Neste papel estão meus dedos
e outros que fizeram a cerâmica
os que arrancam os motores com ternura.
Neste papel
junto com os meus
estão os que fizeram minha morada
a escritura
e as coisas que me olham.
Neste papel
estão também
os dedos
que permitem aos meus
mover minhas mãos
neste moinho da vida


Manuel Bandeira

Com curiosidade sentimental procurei em Recife
a Manuel Bandeira
e as provincianas rosas que exalam de seus poemas
me acompanharam Verlaine, Guimarães Rosa,
Vinícius de Morais,
Mário de Andrade e o variado Fernando Pessoa
Mas
Manuel Bandeira andava arrumando o mundo
pedindo governos honestos soldados e coroneis
com honradez dos monumentos das praças
ruas sem misérias
mares sem sargaços letais águas limpas
mães para crianças meninas
e manhãs
para gente que procura vida


A chuva na Paraíba

A chuva na Paraíba sonha
na profundidade dos olhos
a chuva aqui se esqueceu de tudo nesta terra
tanto como seus políticos de sua gente
gente tão pobre como um punhado de cinzas
é tão breve a chuva aqui como a felicidade do pobre
gente que se põe a chorar todos de uma vez
viria o naufrágio
têm mais pranto nos olhos
que todas as nuvens do céu


Extraído do livreto Meus poemas brasileiros


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