Símbolo da Organização dos Estados Americanos | Foto: Brasil Escola |
Por Oscar Sánchez Serra no Granma
Desde seu surgimento como nação, os Estados Unidos da América sempre contrapuseram ao ideário de unidade e integração latino-americana. Sua pretensão de dominação continental, ambição expressa, em 2 de dezembro de 1823, na conhecida Doutrina Monroe, pode ser resumida na frase "América para os Americanos".
No final do século XIX essa filosofia pôde pôr-se em prática, quando a indústria estadunidense cresceu como nenhuma outra, até se tornar uma potência com ascensão acelerada, com o qual pretendia não só dominar o continente, mas também criar as condições para se lançar à luta por uma nova partilha do mundo.
No final de 1889, o governo norte-americano convocou a Primeira Conferência Pan-Americana, que foi o ponto de partida do "pan-americanismo", visto como o domínio econômico e político da América sob uma suposta "unidade continental". Isso levava à atualização da Doutrina Monroe, no momento em que o capitalismo norte-americano chegava a sua fase imperialista. José Martí, testemunha excepcional do surgimento do monstro imperialista, perguntava-se a propósito daquela Conferência:
Para que ir de aliados, no melhor da juventude, na batalha que os EUA se preparam para travar com o resto do mundo?
E tinha razão, entre 1899 e 1945, durante oito conferências similares, três reuniões de consulta e várias conferências sobre temas especiais, foi-se estabelecendo o avanço da penetração econômica, política e militar dos EUA na América Latina.
Auge do pan-americanismo monroísta
No final da Segunda Guerra Mundial, da qual os EUA saíram beneficiados, começa uma etapa de auge do Pan-americanismo e do Sistema Interamericano que vai desde a Conferência de Chapultepec, em 1945, passando pela criação da OEA, em 1948, até a invasão à República Dominicana, em 1965, consolidando-se a subordinação dos governos do continente à política externa dos EUA.
Por tal motivo, a Conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz, em Chapultepec, em março de 1945, teve um objetivo político definido: juntar os países da região para enfrentar o processo que viria com a criação da ONU.
Em consequência disso, na Conferência de São Francisco, em abril de 1945, na qual foi fundada a ONU, a diplomacia norte-americana, apoiada pelos países latino-americanos, defendeu a "autonomia" para o Sistema Interamericano e conseguiu que no artigo 51 da Carta da organização mundial se preservasse a solução das controvérsias mediante métodos e sistemas "americanos". A interpretação do Conselho Diretivo da União Pan-Americana foi que tal Carta nasceu compatível com o Sistema Interamericano e a Ata de Chapultepec.
Em agosto de 1947, a Conferência Pan-Americana do Rio de Janeiro aprovou uma resolução que deu origem à ferramenta que daria vida à cláusula de permissividade arrancada à ONU: o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que reafirmava o princípio de "solidariedade" continental utilizado por Washington, com vista a enfrentar qualquer situação que pusesse em perigo "sua paz" na América e adotar as medidas necessárias, inclusive, o uso da força. Com o TIAR, foi imposta a decisão ianque no continente, constituindo uma ameaça permanente para a soberania dos países latino-americanos.
Entre 30 de março e 2 de maio de 1948, a Conferência Internacional Americana de Bogotá, deu vida à Organização dos Estados Americanos (OEA). Quando se realizava essa reunião, foi assassinado o líder liberal colombiano Jorge E. Gaitán, com muito arraigo popular, fato que motivou a grande revolta conhecida como o "Bogotazo", brutalmente reprimida e que serviu para manipular o curso e os resultados da Conferência, pois os EUA promoveram a ameaça que significava para a democracia o "auge" da União Soviética e do comunismo, que culpavam pelas mortes do Bogotazo.
Mas, tanto a Conferência do Rio quanto a de Bogotá agravaram os problemas econômicos na América Latina, cujos países, — entusiasmados com o Plano Marshall para a Europa — começavam a exigir um de assistência para a região. Contudo, o próprio secretário de Estado, George Marshall encarregou-se de defraudá-los.
Da discussão e adoção da Carta da OEA surgiu um extenso documento de 112 artigos, assinado pelos 21 países participantes do encontro em Bogotá. A Carta aprovou alguns dos princípios cardinais e justos do Direito Internacional, porém, a pedido de Washington, incluíram-lhe disposições que transferiram à OEA os postulados principais do TIAR, por tal motivo, desde seu nascimento, a OEA foi o instrumento jurídico ideal para a dominação estadunidense no continente.
Sua retórica diplomática relativa aos postulados sobre a independência e soberania das nações e os direitos do homem e dos povos, ficaram como letra morta.
Página de um dossiê sangrento
Em 1954, a Guatemala foi invadida por tropas mercenárias organizadas pela CIA, que derrubaram o governo de Jacobo Árbenz. A OEA tinha aprovado uma resolução que introduzia a possibilidade de intervenção coletiva regional, violando sua Carta e a da ONU. Diante disso, o organismo limitou-se a "deixar agir" os EUA e adiou a análise da situação, ignorando os interesses do país agredido.
Sua atuação contra Cuba desde o triunfo revolucionário, o apoio à invasão da Baía dos Porcos em 1961, as ações levadas a cabo na ordem política e diplomática para nos isolarem, que terminaram com a expulsão do nosso país em janeiro de 1962 e com a ruptura das relações diplomáticas dos países da região com Cuba, demonstravam tanto ódio, que colocou a organização ainda mais em entredito.
Em abril de 1965, os fuzileiros ianques desembarcaram em Santo Domingo para impedir a iminente vitória do movimento popular constitucionalista sobre as forças da reação militarista. A OEA enviou seu secretário-geral, o uruguaio José A. Mora, à capital dominicana com o aparente propósito de conseguir uma trégua entre os beligerantes, enquanto o Órgão de Consulta dilatava a decisão, para facilitar que as forças militares ianques tomaram o controle da situação. Depois de múltiplas diligências, os Estados Unidos conseguiram, por estreita margem de um voto, a aprovação de uma resolução que dispôs a criação de uma Força Interamericana de Paz, tendo lugar, pela primeira vez, sob a anuência da OEA, uma intervenção coletiva num país da área.
A OEA, que tinha entre seus postulados básicos o princípio de não-intervenção de nenhum Estado nos assuntos internos de outros, continuava em crise.
Em março de 1982, teve lugar a intervenção britânica que deu início à Guerra das Malvinas e à primeira agressão de uma potência extracontinental contra um país do Sistema Interamericano, o qual, segundo o TIAR, devia exortar à solidariedade continental ao país agredido. E que aconteceu..? Os Estados Unidos apoiaram política e militarmente a Grã-Bretanha e impuseram sanções econômicas à Argentina. E que fez a OEA? Adotou uma leve resolução apelando ao fim do conflito, e só um mês depois foi que condenou o ataque armado e instou os EUA a suspenderem de imediato as medidas aplicadas à Argentina".
Em outubro de 1983, um golpe militar derrubou o primeiro-ministro de Granada, Maurice Bishop, assassinado pelos golpistas. Os EUA enviaram a Granada uma força invasora de 1.900 fuzileiros para tomar o controle da ilha. O princípio de não-intervenção era novamente violado. Na OEA, a maioria aprovou essa ação como "medida preventiva", enquanto outros a rejeitaram. Finalmente, a invasão foi condenada por transgredir a Carta de Bogotá.
A bancarrota do Pan-americanismo
O fim da chamada Guerra Fria e o colapso da URSS mudaram a geopolítica mundial e, a OEA, a pedido dos Estados Unidos, tentou readaptar-se com o objetivo de ser mais fiel às oligarquias, por tal motivo, em 1991 começou a promover os preceitos da democracia representativa burguesa e do neoliberalismo. Sob essas bandeiras, nasceram as Cúpulas das Américas, por iniciativa dos EUA, as quais outorgaram renovados mandatos à organização.
Neste momento, sobressai a criação da Carta Democrática Interamericana em 1992, que levou a nível de tratado a imposição do unipolarismo na região, quer dizer, a OEA não mudou de rosto, pois diante do golpe militar no Haiti, que derrubou o presidente Jean-Bertrand Aristide, demonstrou o mesmo grau de incapacidade e putrefação. Delegou o tema ao Conselho de Segurança da ONU, que aprovou uma força militar multinacional, liderada pelos EUA.
No século 21, ninguém duvida da irrelevância, obsolescência e descrédito de uma organização que tem sido cúmplice dos principais crimes de Estado acontecidos na América Latina e no Caribe na segunda metade do século 20. Apesar de que nalgumas ocasiões os EUA a relegou, jamais a pôs de lado. Os EUA precisam da OEA para influir e dividir a região e para frear a consagração de seu único, inevitável e verdadeiro destino histórico: a integração martiana e bolivariana de seus povos.
A OEA Contra Cuba
Em 18 de março de 1959, dois meses e meio depois da vitória popular de 1º de janeiro, o novo embaixador de Cuba na Organização dos Estados Americanos, Raúl Roa García, expressou a posição que definiu a relação entre a triunfante Revolução e o organismo hemisférico:
(...) Em longos anos não se tinha levantado e escutado a voz genuína de Cuba no Conselho da OEA (...)
É bom lembrá-lo pela sua novidade histórica e pelo óbvio estímulo aos povos ainda oprimidos. O derrubamento de uma tirania mediante a luta armada não é um fato insólito na nossa América, no entanto, a que derrubou a tirania de Fulgencio Batista, sim é.
Esta posição cubana partia do conhecimento de sua liderança revolucionária sobre a breve e triste história da OEA nessa época, a serviço dos EUA, que desde 1959 projetou um plano para utilizar a organização contra a Revolução e contra o nosso povo. Até esse momento, nenhum mecanismo multilateral ou regional tinha feito ou tentado fazer mais dano a um país que o que a OEA impôs a Cuba.
A denominada "questão cubana" ocupou lugar prioritário na agenda da OEA e, segundo os interesses dos EUA, começou a colocar as bases para o isolamento político-diplomático de Cuba e a ativação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), para tentar "legitimar" uma agressão militar direta contra Cuba.
Em agosto de 1959, os governos do Brasil, Chile, Estados Unidos e Peru, fizeram a convocatória para uma Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores para abordar a situação no Caribe. A Revolução cubana havia promulgado a Primeira Lei de Reforma Agrária, eliminando os grandes latifúndios, entre os quais, os da United Fruit, onde tinham interesses econômicos os irmãos Allan Dulles, secretário de Estado e Foster Dulles, chefe da CIA.
A 5ª Reunião de Consulta, em Santiago do Chile, não adotou nenhum documento condenando nosso país, mas criou o "âmbito conceitual" que serviria aos propósitos da política ianque contra o nosso país, estabeleceu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Paz recebeu novas faculdades, o qual fazia parte da estratégia de criação ou aperfeiçoamento de ferramentas para a aplicação de diretivas ianques contra Cuba no seio da OEA.
Efetuaram-se várias reuniões e Roa, prevenido dos objetivos desses encontros sobre o Caribe, declarou, primeiro em Washington: O governo de Cuba tem certeza de que todas essas acusações visam (...) criar um ambiente internacional hostil, e organizar em Cuba uma conjura internacional de tipo intervencionista, para intervir, obstaculizar ou fazer fracassar o desenvolvimento da Revolução Cubana. Depois, em San José, reafirmou suas palavras com uma acusação reveladora: Se o objetivo é fazer justiça, deveriam sancionar-se, conjuntamente, Trujillo e o governo dos Estados Unidos.
Conjura e vindicação em San José
De 22 a 29 de agosto de 1960, teve lugar em San José, Costa Rica, a 7ª Reunião de Consulta. Entre os pontos da agenda, aparecia o fortalecimento da solidariedade continental e do sistema interamericano, especialmente diante das ameaças de intervenção extraterritorial, e a consideração das tensões internacionais existentes na região do Caribe, para garantir a harmonia, a unidade e a paz da América, e outros.
A reunião adotou uma Declaração que nos seus parágrafos operativos 4 e 5 assinalava:... o Sistema Interamericano é incompatível com toda forma de totalitarismo e a democracia somente conseguirá a realização de seus objetivos no continente quando todas as repúblicas americanas adequem sua conduta aos princípios enunciados na Declaração de Santiago do Chile e todos os Estados-membros da organização regional têm a obrigação de se submeter à disciplina do sistema interamericano, voluntária e livremente acertada e que a firme garantia de sua independência política procede da obediência às disposições da Carta da Organização dos Estados Americanos.
Em San José ficaram estabelecidas as condições necessárias, conforme os termos ianques, para impor a exclusão do governo cubano. À maneira de protesto, ao anunciar a decisão de se retirar daquele vergonhoso conciliábulo, o chanceler Roa sentenciou com uma memorável e contundente frase a ruptura definitiva com a OEA: (...) Os governos latino-americanos deixaram Cuba sozinha. Vou embora com meu povo, e com meu povo vão embora também os povos da nossa América.
Em resposta aos resultados da reunião de San José, mais de um milhão de cubanos reunidos na Praça da Revolução, numa histórica Assembleia Geral do Povo de Cuba, adotaram a Primeira Declaração de Havana, mediante a qual foram rechaçadas as pretensões hegemônicas dos EUA contra Cuba, sua política de isolamento contra nossa nação e o servilismo da OEA ante essas patranhas.
A expulsão e a tentativa de isolamento
Em dezembro de 1961, o Conselho Permanente da OEA decidiu, a pedido da Colômbia, convocar a 8ª Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores para janeiro de 1962 (de 23 a 31), em Punta del Este, onde foram adotadas nove resoluções, quatro delas contra Cuba, mas a 4ª era a "jóia" da OEA, intitulada Exclusão do atual governo de Cuba de sua participação no Sistema Interamericano, que era a máxima aspiração ianque para deslegitimar no âmbito político e diplomático nossa Revolução. A resolução foi aprovada com 14 votos a favor (os Estados Unidos tiveram que comprovar o voto do Haiti para obter a maioria mínima), um contra — Cuba — e seis abstenções: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador e México. As duas últimas nações expressaram que a expulsão de um Estado-membro não procedia, pois não existia uma reforma prévia da Carta da organização.
O presidente de Cuba nessa época, Osvaldo Dorticós, levantou a bandeira que tinha alçado antes, naquele mesmo cenário, o chanceler Roa e expressou: (...) Se o objetivo é que Cuba se submeta às determinações de um país poderoso, se o objetivo é que Cuba capitule, que renuncie às aspirações de bem-estar, progresso e paz que anima sua Revolução socialista e entregue sua soberania, se o que tentam é que Cuba rejeite países que têm demonstrado uma amizade sincera e respeito cabal; se o objetivo é escravizar um país que conquistou sua liberdade, depois de século e meio de sacrifícios, é bom saiberem de uma vez: "Cuba não capitulará. (...) Viemos aqui convencidos de que se tomaria uma decisão contra Cuba, mas isso não afetará o desenvolvimento da nossa Revolução. Viemos aqui para passar de acusados a acusadores, para acusar o culpado, que não é outro que os Estados Unidos. (...) A OEA é incompatível com a eliminação do latifúndio, com a nacionalização dos monopólios imperialistas, com a igualdade social, com o direito à educação, com a erradicação do analfabetismo (...) e nesse caso, Cuba não deve estar na OEA (...) Poderemos não estar na OEA, mas Cuba socialista estará na América, poderemos não estar na OEA, mas o governo imperialista dos EUA continuará contando a 90 milhas de suas costas com uma Cuba revolucionária e socialista (...)
Derrotados na Baía dos Porcos, em 1961, fracassados os planos da Operação Mangosta que levaram à Crise dos Mísseis em 1962, com o bloqueio econômico, comercial e financeiro já proclamado e com bandos terroristas combatendo nas montanhas do Escambray, aos Estados Unidos apenas restavam internacionalizar sua abjeta política, para o qual utilizou a 9ªReunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores, em Washington, em julho de 1964, mediante uma resolução inspirada no TIAR, que já tinha substituído a Carta da OEA, dispondo que os governos dos Estados Americanos rompessem relações diplomáticas ou consulares com o governo de Cuba. Apenas o México manteve uma posição digna e não acatou os desígnios do império.
A carta democrática e o fracasso de uma má política
Precisamente, em 11 de setembro de 2001, quando desabava o World Trade Center em Nova Iorque, promulgou-se a Carta Democrática Interamericana, a mais recente e solapada manobra ianque contra a Ilha na OEA, que estabeleceu as regras que os países tinham a obrigação de cumprir para serem membros do bloco hemisférico. Antes não se podia ser marxista-leninista; agora havia que adotar como requisito a democracia representativa burguesa e o "Deus Mercado". No fundo, promovia-se, de forma similar, a exclusão de Cuba.
Contudo, a Revolução chegou ao século 21 vitoriosa do mais longo e cruento assédio que nenhum povo da história da humanidade conhecera. É um símbolo de que os poderes imperiais não são onímodos nem eternos. A nobreza e a vontade do nosso povo são reconhecidas em todo o planeta. A OEA havia fracassado rotundamente.
Cuba tem fluidas relações diplomáticas com todas as nações do hemisfério e foi aclamada no Grupo do Rio, porque nenhum povo do continente jamais nos excluiu . Nosso país não se amedrontou, não claudicou, não mudou um ápice sua decisão soberana, não negociou sua liberdade, sua independência e sua livre determinação. Não é uma posição até a morte, é um princípio, e foi ratificado pelo Chanceler da Dignidade, Raúl Roa, em agosto de 1959, ao dizer: (...) A Revolução Cubana não está à direita nem à esquerda de ninguém: está em frente de todos, com posição própria e inconfundível. Não é terceira, nem quarta, nem quinta posição. É nossa própria posição.
O final do ministério de colônias dos EUA
Em 2 de setembro de 1960, após se materializar a conjura da OEA contra Cuba, em San José, Fidel convocou o povo de Cuba a uma magna Assembleia Geral, efetuada na Praça da Revolução José Martí, e leu o histórico proclama conhecido como a Primeira Declaração de Havana, em cujo oitavo e último parágrafo dispositivo, definiu:
(...) A Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba reafirma sua fé em que a América Latina irá logo para frente, unida e vitoriosa, livre das ataduras que convertem suas economias em riqueza alienada ao imperialismo norte-americano e que lhe impedem ouvir sua verdadeira voz nas reuniões, onde chanceleres domesticados, fazem de coral infame ao amo despótico. Ratifica, portanto, sua decisão de trabalhar em prol desse destino latino-americano comum, que permitirá aos nossos países edificar uma solidariedade verdadeira, baseada na livre vontade de cada um deles e nas aspirações conjuntas de todos. Na luta por essa América Latina livre, frente às vozes obedientes dos que usurpam sua representação oficial, agora surge, com potência invencível, a voz genuína dos povos, voz que abre caminho nas entranhas de suas minas de carvão e de estanho, de suas fábricas e usinas açucareiras, de suas terras dominadas, onde rotos, cholos, gaúchos, jíbaros, herdeiros de Zapata e de Sandino, empunharam as armas da liberdade, voz que revive em seus poetas, novelistas e estudantes, em suas mulheres e crianças, em seus idosos desvelados. A essa voz irmã, a Assembleia Geral Nacional do Povo de Cuba respondeu: Presente! Cuba não falhará. Cuba está aqui hoje para ratificar, perante a América Latina e o mundo, como um compromisso histórico, seu dilema irrenunciável: Pátria ou Morte.
Em meio aos aplausos e aprovação de mais de meio milhão de braços, Fidel expressou: (...) Agora só falta uma coisa. E com a declaração de San José, que vamos fazer? O povo respondeu em coro: Rasgá-la! Rasgá-la! Pegou aquela declaração vexatória e rasgou-a diante da multidão. Ficavam claras as coisas entre Cuba e a OEA. As palavras finais da Declaração era a premonição do que ocorreria quase meio século depois, ao ver a Revolução Cubana estertorar a organização que se prestou para a suja tarefa de coveiro imperial.
Terapia contra o desprestígio
Desprestigiada e desvalorizada, em pleno ocaso do império, encontrou sua salvação numa iniciativa do presidente William Clinton, que em 1994 propôs as cúpulas com todos os chefes de Estado e de Governo do hemisfério, cuja organização, condução e acompanhamento confiou à Organização dos Estados Americanos, com o fim de resgatá-la da inópia em que se encontrava.
Após a 4ª Cúpula das Américas (Mar del Plata 2004), onde foi enterrada a Área de Livre Comércio das Américas, a OEA recebia outra bofetada que passaria a seu nefasto legado. Depois, seu silêncio, face à incursão colombiana no Equador em 1º de março de 2008, também a abalou e, como outras tantas vezes, o governo ianque amparou o fato, enquanto o Grupo do Rio respondeu pela depauperada e velha dama, deixando-a para sempre sem voz.
Durante a 5ª Cúpula, em Porto Espanha, Trinidad e Tobago, em abril passado, a OEA também não soube estar à altura da situação nos fatos que conduziram à chacina de camponeses em Pando, Bolívia, em setembro de 2008. Foi a jovem Unasul, a nova voz vigorosa que vindicou os direitos dos ignorados de sempre. Mais uma vez calou aquela que o agudo Chanceler da Dignidade, Raúl Roa García, qualificara de " Ministério de Colônias" dos EUA.
Diante de uma realidade que já lhe é alheia, a OEA deparou-se com a firme posição dos países da região pela injusta exclusão de Cuba do encontro trinitário. Nem ela nem seu secretário-geral, o chileno José Miguel Insulza, conseguiram impedir que o questionamento à política norte-americana em relação à Ilha fosse o grande protagonista. Insulza, alertou Fidel, não tinha consciência de que (...) O trem passou há tempo, e ele ainda não sabe...
O que aconteceu ali demonstrou aos estadunidenses (acostumados a não aprenderem com os fracassos) que a América Latina e o Caribe vivem uma realidade bem diferente da de 1960 e 1962, na qual a região exercia como dócil cenário. A OEA e seu porta-voz, Insulza, não o compreenderam, e repetiram a velha prática de falar em nome do amo: os EUA têm vontade de falar com eles (Venezuela e Bolívia). Mas deve ser um diálogo sem condições. Muitos dos problemas surgiram porque se elevaram condições. E isso é verdade tanto no caso de Cuba quanto no dos outros. Assim reencaminhava seus passos para o que foi o centro da conflituosa relação entre Estados Unidos e a região, inclusive Cuba: um diálogo com condições, impostas por Washington.
A OEA impôs a dupla moral, a corrupção política e administrativa, tornou ingovernáveis as democracias, converteu-as em ditaduras e quando não prestaram mais, transformou-as em democracias mais minguadas e submissas ainda, pois na nova era neoliberal, com os capitais oligárquicos transnacionalizados, estas faziam parte de uma rede de poder muito mais sofisticada, cujos fios não provinham necessariamente das Casas de Governo o dos Parlamentos, mas das corporações do continente.
Sangue por todos os poros
Washington e a OEA foram coerentes com seu tenebroso passado quando perceberam as primeiras ameaças.
A organização que havia favorecido o golpe de Estado de 1952 em Cuba, a que foi tão indeterminada face à ação militar contra o governo constitucional de Jacobo Árbenz na Guatemala; a que apoiou o sátrapa Anastasio Somoza e, em 1961, não condenou a invasão mercenária a Cuba, enquanto evitava toda crítica ao golpe de Estado contra o presidente eleito do Equador, Velazco Ibarra, continuava sendo exatamente a mesma que auspiciava com sua indulgência a invasão militar à República Dominicana em 1965 e o envio de boinas verdes e armas à Guatemala em 1966, e à Bolívia em 1967, ao passo que aplaudia as formaturas de centenas de torturadores e repressores da Escola das Américas do Canal do Panamá.
Contemplou os golpes de Estado patrocinados pelo governo dos Estados Unidos no Uruguai, Argentina e Chile. Ficou calada diante da morte de Salvador Allende, diante do assassinato e desaparecimento forçoso de milhares de sul-americanos durante a tenebrosa Operação Condor. Não promoveu a paz na América Central durante a década de 1980, num conflito onde morreram quase mil pessoas. Não apoiou as investigações para esclarecer a suspeitosa morte do general Torrijos no Panamá, nem seus embaixadores deixaram de tomar café quando as inglórias invasões a Granada, em 1983, e ao próprio Panamá, em 1989.
Apoiou Pedro "El Breve", durante as difíceis jornadas que viveu a Venezuela em abril de 2002, depois da tentativa golpista, vencida pela resposta exemplar do povo, que resgatou seu presidente. Essa atitude evidenciou até onde era capaz de chegar sua hipocrisia e submissão ao poder imperial, ao não aceitar o caráter genuíno do processo bolivariano venezuelano, que lhe deu uma ótima lição, submetendo-se como nenhum outro governo ao escrutínio de seus eleitores, e sair vitoriosos.
A OEA, empenhada em questionar a legitimidade democrática das eleições para favorecer a política estadunidense de derrubar a Revolução Bolivariana, pôs a nu toda a imoralidade da famosa Carta Democrática.
Só faltava a este pútrido histórico o caso particular da Bolívia, com abundantes e claras evidências do comprometimento dos EUA numa guerra suja para derrubar Evo Morales, o primeiro presidente indígena da América. À OEA e ao senhor Isulza sobrou pudor (?) para evitar chamar as coisas pelo nome (golpe de Estado, por exemplo) e preferiram indicar com linguagem arlequinada que (...) na Bolívia ou se põe de imediato fim às hostilidades e se inicia a negociação, ou a situação ficará muito difícil (...). Em sua cumplicidade por omissão, a OEA ignorou as suficientes evidências de que a DEA e a CIA estavam por trás dos planos de magnicídio na Bolívia.
Enterrar o pestilento cadáver
Em toda esta longa história, há comprometimento demais com a morte, o genocídio e a mentira para que a OEA sobreviva a estes tempos. É um cadáver político e deve ser enterrado quanto antes. No entanto, não falta quem no seu afã de ressuscitar o morto, procuram salvá-lo pela via de "perdoar a vida a Cuba", devolvendo-lhe o espaço do qual não deveu ser privada. Não faltam sequer os tecnicismos, como que, quem foi excluído foi o governo, e não o país, como se a pessoa jurídica de um Estado pudesse ser separada de sua mesma existência. A realidade é que sem a OEA, os Estados Unidos perderiam um de seus principais instrumentos político-jurídicos de controle hegemônico sobre o hemisfério ocidental.
Desmantelar a OEA e fundar uma nova organização de países latino-americanos e caribenhos, sem os EUA, seria a única maneira para que América Latina e o Caribe possam determinar seu destino sem porem em perigo sua identidade e avanço realmente para uma grande pátria unida, que Martí e Bolívar indicaram como meta histórica.
Quanto a Cuba, não precisa da OEA. Não quer entrar nela nem reformada. Escorre sangue e infâmia por todos seus poros. Nunca voltaremos a esse vetusto casarão de Washington, testemunha de tantas vergonhas compradas e tantas humilhações. Raúl o expressou com palavras de Martí: Antes de ingressar na OEA, primeiro se unirá o mar do Norte com o Mar do Sul e nascerá uma cobra de um ovo de águia.
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