Ontem foi um dia longo. Desde o meio-dia acompanhava as peripécias de Obama no Chile, como tinha feito no dia anterior com suas aventuras na cidade do Rio de Janeiro. Essa cidade, em brilhante desafio, tinha derrotado Chicago em sua aspiração a ser sede da Olimpíada de 2016, quando o novo presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz parecia um êmulo de Martin Luther King.
Ninguém sabia quando chegaria a Santiago do Chile e o que faria ali um presidente dos Estados Unidos, onde um de seus antecesores havia cometido o doloroso crime de promover a derrubada e a morte física de seu heroico presidente, horríveis torturas e o assassinato de milhares de chilenos.
Ao mesmo tempo, eu tratava de acompanhar as notícias que chegavam da tragédia do Japão e a brutal guerra desencadeada contra a Líbia, enquanto o ilustre visitante proclamava a “Aliança Igualitária” na região do mundo onde a riqueza está pior distribuída.
Ninguém sabia quando chegaria a Santiago do Chile e o que faria ali um presidente dos Estados Unidos, onde um de seus antecesores havia cometido o doloroso crime de promover a derrubada e a morte física de seu heroico presidente, horríveis torturas e o assassinato de milhares de chilenos.
Ao mesmo tempo, eu tratava de acompanhar as notícias que chegavam da tragédia do Japão e a brutal guerra desencadeada contra a Líbia, enquanto o ilustre visitante proclamava a “Aliança Igualitária” na região do mundo onde a riqueza está pior distribuída.
Entre tantas coisas, me descuidei um pouco e não vi nada do opíparo banquete de centenas de pessoas com as raridades que a natureza dotou os mares, que se fosse realizado em um restaurante de Tóquio, cidade onde se paga até 300 mil dólares por um atum fresco de aleta azul, teriam sido gastos até 10 millones de dólares.
Era muito trabalho para um jovem de minha idade. Escevi uma breve Reflexão e depois dormi longas horas.
Hoje de manhã estava tranquilo. Meu amigo só chegaria a El Salvador depois do meio-dia. Pedi despachos telegráficos, artigos da Internet e outros materiais recém chegados.
Vi, em primeiro lugar, que por minha culpa os despachos telegráficos tinham dado importância ao que eu dissera sobre o cargo de primeiro-secretário do Partido, e explicarei isso com a maior brevidade possível. Concentrado na “Aliança Igualitária” de Barack Obama, um assunto de tanta relevância histórica ― estou falando sério ― nem sequer recordei que no próximo mês terá lugar o Congresso del Partido.
Minha atitude com relação ao tema foi elementarmente lógica. Ao compreender a gravidade de minha saúde, fiz o que a meu juízo não foi necessário quando tive o doloroso acidente em Santa Clara; depois da queda o tratamento foi duro, mas a vida não estava em perigo.
Quando, porém, escrevi a Proclamação de 31 de julho era evidente para mim que meu estado de saúde era sumamente crítico.
Retirei-me de imediato de todas as minhas funções públicas, acrescentando algumas instruções para oferecer segurança e tranquilidade à população.
Não era necessária a renúncia, em concreto, de cada um de meus cargos.
A função mais importante para mim era a de primeiro-secretário do Partido. Por ideologia e por princípio, em uma etapa revolucionária, corresponde a esse cargo político a máxima autoridade. O outro cargo que eu exercia era o de presidente do Conselho de Estado e de Governo, eleito pela Assembleia Nacional. Para ambos os cargos existia um substituto, e não em virtude de vínculo familiar, que jamais considerei fonte de direito, mas por experiência e méritos.
O grau de Comandante em Chefe foi-me outorgado pela própria luta, uma questão de acaso mais do que de méritos pessoais. A própria Revolução, em etapa posterior, atribuiu corretamente a chefia de todas as instituições armadas ao presidente, uma função que a meu juízo deve corresponder à de primeiro-secretário do Partido. Entendo que deve ser assim em um país que, como Cuba, tem tido que enfrentar um obstáculo tão considerável como o império criado pelos Estados Unidos.
Transcorreram quase 14 anos desde o último Congresso do Partido, anos que coincidiram com o desaparecimento da URSS e do campo socialista, o Período Especial e minha própria doença.
Quando progressiva e parcialmente recuperei a saúde, nem sequer me passou pela cabeça a ideia ou necessidade de proceder ao formalismo de fazer renúncia expressa de nenhum cargo. Aceitei nesse período a honra da eleição como deputado à Assembleia Nacional, que não exigia a presença física, e com a qual podia compartilhar ideias.
Como disponho de mais tempo que nunca para observar, informar-me, e expor determinados pontos de vista, cumprirei modestamente meu dever de lutar pelas ideias que tenho defendido ao longo de minha modesta vida.
Rogo aos leitores que me desculpem pelo tempo gasto nesta explicação, que as circunstâncias mencionadas me obrigaram a dar.
O assunto mais importante, não esqueço, é a insólita aliança entre milionários e famintos que o ilustre presidente dos Estados Unidos propõe.
Os bem informados - aqueles que conhecem, por exemplo, a história deste hemisfério, suas lutas, ou inclusive, somente a do povo de Cuba defendendo a Revolução contra o império que, como o próprio Obama reconhece, tem durado mais tempo que “sua própria existência”-, com segurança se assombrarão com sua proposta.
Sabe-se que o atual presidente é um bom alinhavador de palavras, circunstância que, unida à crise econômica, o crescente desemprego, as perdas de habitações e a morte de soldados norte-americanos nas guerras estúpidas de Bush, o ajudaram a obter a vitória.
Depois de observá-lo bem, não me surpreenderia que fosse o autor do ridículo título com que se batizou a matança na Líbia: “Odisseia do Amanhecer”, que fez tremer o pó dos restos de Homero e dos que contribuíram para idealizar a lenda dos famosos poemas gregos; embora eu admita que talvez o título fosse uma criação dos chefes militares que manejam as milhares de armas nucleares com as quais uma simples ordem do Prêmio Nobel da Paz pode determinar o fim de nossa espécie.
De seu discurso aos brancos, negros, índios, mestiços e não mestiços, crentes e não crentes das Américas, pronunciado no Centro Cultural Palácio de la Moneda, as embaixadas dos Estados Unidos distribuíram cópia fiel em todas as partes, e foi traduzido e divulgado por Chile TV, CNN, e imagino que outras emissoras em outros idiomas.
Foi ao estilo do que pronunciou no primeiro ano de seu mandato, no Cairo, a capital de seu amigo e aliado Hosni Mubarak, cujas dezenas de bilhões de dólares subtraídos ao povo é de se supor que um presidente dos Estados Unidos sabia.
“…O Chile demostrou que não temos por que estar divididos por raças […] ou conflitos étnicos”, assegurou, deste modo o problema americano foi apagado do mapa.
Insiste obsessivamente quase de imediato em que “…este maravilhoso lugar onde nos encontramos, a poucos passos de onde o Chile perdeu sua democracia há várias décadas…” Tudo menos pronunciar o golpe de Estado, o assassinato do meticuloso general Schneider, o nome glorioso de Salvador Allende, como se o governo dos Estados Unidos não tivesse que ver em absoluto nada com isso.
O do grande poeta Pablo Neruda, cuja morte o golpe traidor acelerou, foi pronunciado mais de uma vez, nesse caso para afirmar de forma poeticamente bela que nossas “estrelas” primordiais são a “luta” e a “esperança”. Obama ignora que Pablo Neruda era comunista, amigo da Revolução Cubana, grande admirador de Simón Bolivar, que renasce a cada cem anos, e inspirador do Guerrilheiro Heroico Ernesto Guevara?
Fiquei admirado quase desde o início de sua mensagem, com os profundos conhecimentos históricos de Barack Obama. Algum assessor irresponsável se esqueceu de explicar-lhe que Neruda era militante do Partido Comunista do Chile. Depois de outros parágrafos sem transcendência, reconhece que: “Sei que não sou o primeiro presidente dos Estados Unidos a prometer um novo espírito de cooperação com nossos vizinhos latino-americanos. Sei que às vezes, os Estados Unidos não têm dado suficiente importância a esta região.”
“…A América Latina não é o velho estereótipo de uma região em conflito perpétuo nem prisioneira por ciclos intermináveis de pobreza.”
“Na Colômbia, grandes sacrifícios por cidadãos e forças da segurança têm restaurado um nível de seguriança que não se via desde há décadas.” Ali jamais houve narcotráfico, paramilitares nem cemitérios clandestinos.
Em seu discurso a classe operária não existe, nem camponeses sem terras, tampoco os analfabetos, a mortalidade infantil ou materna, os que perdem a visão, ou são vítimas de parasitas como o mal de Chagas ou de doenças bacterianas como o cólera.
“Desde Guadalajara até Santiago e São Paulo, uma clase média está exigindo mais de si mesma e mais de seu governo”, expressa.
“Quando um golpe de Estado em Honduras ameaçou o progresso democrático, os países do hemisfério invocaram unanimemente a Carta Democrática Interamericana, o que ajudou a assentar as bases do retorno ao Estado de direito.”
A verdadeira razão do maravilhoso discurso de Obama se explica de forma indiscutível no meio da sua mensagem e com as suas próprias palavras: “A América Latina só vai se tornar mais importante para os Estados Unidos, especialmente para nossa economia. […] Compramos mais de seus produtos e serviços que nenhum outro país, e investimos mais nesta região que nenhum outro país. […] nós exportamos mais de três vezes à América Latina do que o que exportamos para a China. Nossas exportações para esta região… aumentam mais rápido do que nossas exportações para o resto do mundo…”. Pode-se ocasionalmente deduzir disto que “quanto mais próspera seja a América Latina, mais próspero serão os Estados Unidos.”
Obama dedica mais adiante insípidas palavras aos fatos reais:
“Mas sejamos francos e também admitamos […] que o progresso do continente americano não é suficientemente rápido. Não para os milhões que sofrem a injustiça da extrema pobreza. Não para as crianças nos bairros e favelas, que só querem as mesmas oportunidades que têm os demais.”
“O poder político e econômico com demasiada frequência está concentrado nas mãos de poucos, em vez de servir à maioria”, expressou textualmente.
“Não somos a primeira geração que enfrenta esses desafios. Há exatamente 50 anos, o presidente John F. Kennedy propôs uma ambiciosa Aliança para o Progresso.”
“O desafio diante do presidente Kennedy persiste: ‘construir um hemisfério em que todos [os povos] possam ter a esperança de um nível de vida apropriado, em que todos possam viver sua vida com dignidade e liberdade’.”
É incrível que venha agora com essa história tão tosca que constitui um insulto à inteligência humana.
Não lhe resta mais remédio que mencionar entre as grandes calamidades um problema que se origina no colossal mercado dos Estados Unidos e com as armas homicidas desse país: “Os bandos de criminosos e narcotraficantes não são apenas uma ameaça contra a segurança dos cidadãos. São uma ameaça contra o desenvolvimento porque afugentam o investimento de que a economia necessita para prosperar. E são uma ameaça direta contra a democracia porque alentam a corrupção que solapa as instituições por dentro.”
Mais adiante acrescenta relutantemente: “Mas nunca eliminaremos o atrativo dos cartéis e bandos a não ser que também enfrentemos as forças sociais e econômicas que alimentam a criminalidade. Necessitamos chegar aos jovens vulneráveis antes que recorram às drogas e ao crime.”
“Como presidente, tenho deixado claro que nos Estados Unidos aceitamos nossa responsabilidade pela violência gerada pelas drogas. A demanda de drogas, incluída a dos Estados Unidos, impulsiona esta crise. Por isso formulamos uma nova estratégia para o controle das drogas que está centrado em reduzir a demanda de drogas por meio da educação, prevenção e tratamento.”
O que ele não diz é que em Honduras 76 pessoas em cada 100 mil habitantes morrem por causa da violência, 19 vezes mais do que em Cuba, onde praticamente, apesar da proximidade dos Estados Unidos, tal problema quase não existe.
Depois de umas quantas bobagens do tipo, sobre as armas direcionadas ao México, que estão confiscando, um Acordo Transpacífico, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, com o qual diz que se esmeram em aumentar o “Fundo de Crescimento com Microfinanciamento para as Américas” e prometer a criação de novas “Vias à Prosperidade” e outros termos altissonantes que pronuncia em inglês e espanhol, volta a suas peregrinas promessas de unidade hemisférica e trata de impressionar os ouvintes com os riscos das mudanças climáticas.
Obama acrescenta: “E se alguém duvida da urgência das mudanças climáticas, basta que olhem dentro do continente americano, desde as fortes tormentas do Caribe até o derretimento das geleiras nos Andes e a perda de bosques e terras de cultivo em toda a região.” Sem o valor de reconhecer que seu país é o máximo responsável por essa tragédia.
Explica que se orgulha de anunciar que “…os Estados Unidos estão trabalhando com sócios na região, entre eles o setor privado, para aumentar em 100 mil o número de estudantes dos Estados Unidos na América Latina e em 100 mil o número de estudantes da América Latina que estudam nos Estados Unidos.” Já se sabe o que custa estudar Medicina ou outra carreira nesse país e o roubo descarado de cérebros que os Estados Unidos praticam.
Todo o seu palavreado para terminar com uma loa à OEA que Roa qualificou como “Ministério Ianque das Colônias”, quando em memorável denúncia de nossa pátria nas Nações Unidas, informou que o governo dos Estados Unidos tinha atacado nosso território em 15 de abril de 1961 com bombardeiros B-26 pintados com insígnias cubanas; um fato desavergonhado que dentro de 23 dias completará 50 anos.
Dessa forma acreditou que tudo estava totalmente pronto para proclamar o direito a subverter a ordem em nosso país.
Confessa heroicamente que estão “permitindo que os estadunidenses enviem remessas para dar certa esperança econômica às pessoas em Cuba, como também mais independência das autoridades.”
“…continuaremos buscando maneiras de aumentar a independência do povo cubano, que tem direito à mesma liberdade que todos os demais países neste hemisfério.”
Em seguida, reconhece que o bloqueio prejudica Cuba, priva a economia de recursos. Por que não reconhece que as intenções de Eisenhower e o objetivo declarado dos Estados Unidos quando o aplicou era render pela fome o povo de Cuba?
Por que se mantém? A quantas centenas de bilhões de dólares ascende a indenização que os Estados Unidos devem pagar a nosso país? Por que mantêm na prisão os cinco heróis anti-terroristas cubanos? Por que não se aplica a Lei de Ajuste a todos os latino-americanos em vez de permitir que milhares deles morram ou fiquem feridos na fronteira imposta ao país do qual foi arrebatada mais da metade do seu território?
Rogo ao presidente dos Estados Unidos que me escuse a franqueza.
Não abrigo sentimentos hostis para com ele ou seu povo.
Cumpro o dever de expor o que penso de sua “Aliança Igualitária”.
Os Estados Unidos nada ganharão ao criar e estimular o ofício de mercenários. Posso asegurar-lhe que os melhores e mais preparados jovens de nosso país graduados na Universidade de Ciências Informáticas conhecem muito mais de Internet e computação do que o Prêmio Nobel e presidente dos Estados Unidos.
Fidel Castro Ruz
22 de março de 2011, 21h17
Era muito trabalho para um jovem de minha idade. Escevi uma breve Reflexão e depois dormi longas horas.
Hoje de manhã estava tranquilo. Meu amigo só chegaria a El Salvador depois do meio-dia. Pedi despachos telegráficos, artigos da Internet e outros materiais recém chegados.
Vi, em primeiro lugar, que por minha culpa os despachos telegráficos tinham dado importância ao que eu dissera sobre o cargo de primeiro-secretário do Partido, e explicarei isso com a maior brevidade possível. Concentrado na “Aliança Igualitária” de Barack Obama, um assunto de tanta relevância histórica ― estou falando sério ― nem sequer recordei que no próximo mês terá lugar o Congresso del Partido.
Minha atitude com relação ao tema foi elementarmente lógica. Ao compreender a gravidade de minha saúde, fiz o que a meu juízo não foi necessário quando tive o doloroso acidente em Santa Clara; depois da queda o tratamento foi duro, mas a vida não estava em perigo.
Quando, porém, escrevi a Proclamação de 31 de julho era evidente para mim que meu estado de saúde era sumamente crítico.
Retirei-me de imediato de todas as minhas funções públicas, acrescentando algumas instruções para oferecer segurança e tranquilidade à população.
Não era necessária a renúncia, em concreto, de cada um de meus cargos.
A função mais importante para mim era a de primeiro-secretário do Partido. Por ideologia e por princípio, em uma etapa revolucionária, corresponde a esse cargo político a máxima autoridade. O outro cargo que eu exercia era o de presidente do Conselho de Estado e de Governo, eleito pela Assembleia Nacional. Para ambos os cargos existia um substituto, e não em virtude de vínculo familiar, que jamais considerei fonte de direito, mas por experiência e méritos.
O grau de Comandante em Chefe foi-me outorgado pela própria luta, uma questão de acaso mais do que de méritos pessoais. A própria Revolução, em etapa posterior, atribuiu corretamente a chefia de todas as instituições armadas ao presidente, uma função que a meu juízo deve corresponder à de primeiro-secretário do Partido. Entendo que deve ser assim em um país que, como Cuba, tem tido que enfrentar um obstáculo tão considerável como o império criado pelos Estados Unidos.
Transcorreram quase 14 anos desde o último Congresso do Partido, anos que coincidiram com o desaparecimento da URSS e do campo socialista, o Período Especial e minha própria doença.
Quando progressiva e parcialmente recuperei a saúde, nem sequer me passou pela cabeça a ideia ou necessidade de proceder ao formalismo de fazer renúncia expressa de nenhum cargo. Aceitei nesse período a honra da eleição como deputado à Assembleia Nacional, que não exigia a presença física, e com a qual podia compartilhar ideias.
Como disponho de mais tempo que nunca para observar, informar-me, e expor determinados pontos de vista, cumprirei modestamente meu dever de lutar pelas ideias que tenho defendido ao longo de minha modesta vida.
Rogo aos leitores que me desculpem pelo tempo gasto nesta explicação, que as circunstâncias mencionadas me obrigaram a dar.
O assunto mais importante, não esqueço, é a insólita aliança entre milionários e famintos que o ilustre presidente dos Estados Unidos propõe.
Os bem informados - aqueles que conhecem, por exemplo, a história deste hemisfério, suas lutas, ou inclusive, somente a do povo de Cuba defendendo a Revolução contra o império que, como o próprio Obama reconhece, tem durado mais tempo que “sua própria existência”-, com segurança se assombrarão com sua proposta.
Sabe-se que o atual presidente é um bom alinhavador de palavras, circunstância que, unida à crise econômica, o crescente desemprego, as perdas de habitações e a morte de soldados norte-americanos nas guerras estúpidas de Bush, o ajudaram a obter a vitória.
Depois de observá-lo bem, não me surpreenderia que fosse o autor do ridículo título com que se batizou a matança na Líbia: “Odisseia do Amanhecer”, que fez tremer o pó dos restos de Homero e dos que contribuíram para idealizar a lenda dos famosos poemas gregos; embora eu admita que talvez o título fosse uma criação dos chefes militares que manejam as milhares de armas nucleares com as quais uma simples ordem do Prêmio Nobel da Paz pode determinar o fim de nossa espécie.
De seu discurso aos brancos, negros, índios, mestiços e não mestiços, crentes e não crentes das Américas, pronunciado no Centro Cultural Palácio de la Moneda, as embaixadas dos Estados Unidos distribuíram cópia fiel em todas as partes, e foi traduzido e divulgado por Chile TV, CNN, e imagino que outras emissoras em outros idiomas.
Foi ao estilo do que pronunciou no primeiro ano de seu mandato, no Cairo, a capital de seu amigo e aliado Hosni Mubarak, cujas dezenas de bilhões de dólares subtraídos ao povo é de se supor que um presidente dos Estados Unidos sabia.
“…O Chile demostrou que não temos por que estar divididos por raças […] ou conflitos étnicos”, assegurou, deste modo o problema americano foi apagado do mapa.
Insiste obsessivamente quase de imediato em que “…este maravilhoso lugar onde nos encontramos, a poucos passos de onde o Chile perdeu sua democracia há várias décadas…” Tudo menos pronunciar o golpe de Estado, o assassinato do meticuloso general Schneider, o nome glorioso de Salvador Allende, como se o governo dos Estados Unidos não tivesse que ver em absoluto nada com isso.
O do grande poeta Pablo Neruda, cuja morte o golpe traidor acelerou, foi pronunciado mais de uma vez, nesse caso para afirmar de forma poeticamente bela que nossas “estrelas” primordiais são a “luta” e a “esperança”. Obama ignora que Pablo Neruda era comunista, amigo da Revolução Cubana, grande admirador de Simón Bolivar, que renasce a cada cem anos, e inspirador do Guerrilheiro Heroico Ernesto Guevara?
Fiquei admirado quase desde o início de sua mensagem, com os profundos conhecimentos históricos de Barack Obama. Algum assessor irresponsável se esqueceu de explicar-lhe que Neruda era militante do Partido Comunista do Chile. Depois de outros parágrafos sem transcendência, reconhece que: “Sei que não sou o primeiro presidente dos Estados Unidos a prometer um novo espírito de cooperação com nossos vizinhos latino-americanos. Sei que às vezes, os Estados Unidos não têm dado suficiente importância a esta região.”
“…A América Latina não é o velho estereótipo de uma região em conflito perpétuo nem prisioneira por ciclos intermináveis de pobreza.”
“Na Colômbia, grandes sacrifícios por cidadãos e forças da segurança têm restaurado um nível de seguriança que não se via desde há décadas.” Ali jamais houve narcotráfico, paramilitares nem cemitérios clandestinos.
Em seu discurso a classe operária não existe, nem camponeses sem terras, tampoco os analfabetos, a mortalidade infantil ou materna, os que perdem a visão, ou são vítimas de parasitas como o mal de Chagas ou de doenças bacterianas como o cólera.
“Desde Guadalajara até Santiago e São Paulo, uma clase média está exigindo mais de si mesma e mais de seu governo”, expressa.
“Quando um golpe de Estado em Honduras ameaçou o progresso democrático, os países do hemisfério invocaram unanimemente a Carta Democrática Interamericana, o que ajudou a assentar as bases do retorno ao Estado de direito.”
A verdadeira razão do maravilhoso discurso de Obama se explica de forma indiscutível no meio da sua mensagem e com as suas próprias palavras: “A América Latina só vai se tornar mais importante para os Estados Unidos, especialmente para nossa economia. […] Compramos mais de seus produtos e serviços que nenhum outro país, e investimos mais nesta região que nenhum outro país. […] nós exportamos mais de três vezes à América Latina do que o que exportamos para a China. Nossas exportações para esta região… aumentam mais rápido do que nossas exportações para o resto do mundo…”. Pode-se ocasionalmente deduzir disto que “quanto mais próspera seja a América Latina, mais próspero serão os Estados Unidos.”
Obama dedica mais adiante insípidas palavras aos fatos reais:
“Mas sejamos francos e também admitamos […] que o progresso do continente americano não é suficientemente rápido. Não para os milhões que sofrem a injustiça da extrema pobreza. Não para as crianças nos bairros e favelas, que só querem as mesmas oportunidades que têm os demais.”
“O poder político e econômico com demasiada frequência está concentrado nas mãos de poucos, em vez de servir à maioria”, expressou textualmente.
“Não somos a primeira geração que enfrenta esses desafios. Há exatamente 50 anos, o presidente John F. Kennedy propôs uma ambiciosa Aliança para o Progresso.”
“O desafio diante do presidente Kennedy persiste: ‘construir um hemisfério em que todos [os povos] possam ter a esperança de um nível de vida apropriado, em que todos possam viver sua vida com dignidade e liberdade’.”
É incrível que venha agora com essa história tão tosca que constitui um insulto à inteligência humana.
Não lhe resta mais remédio que mencionar entre as grandes calamidades um problema que se origina no colossal mercado dos Estados Unidos e com as armas homicidas desse país: “Os bandos de criminosos e narcotraficantes não são apenas uma ameaça contra a segurança dos cidadãos. São uma ameaça contra o desenvolvimento porque afugentam o investimento de que a economia necessita para prosperar. E são uma ameaça direta contra a democracia porque alentam a corrupção que solapa as instituições por dentro.”
Mais adiante acrescenta relutantemente: “Mas nunca eliminaremos o atrativo dos cartéis e bandos a não ser que também enfrentemos as forças sociais e econômicas que alimentam a criminalidade. Necessitamos chegar aos jovens vulneráveis antes que recorram às drogas e ao crime.”
“Como presidente, tenho deixado claro que nos Estados Unidos aceitamos nossa responsabilidade pela violência gerada pelas drogas. A demanda de drogas, incluída a dos Estados Unidos, impulsiona esta crise. Por isso formulamos uma nova estratégia para o controle das drogas que está centrado em reduzir a demanda de drogas por meio da educação, prevenção e tratamento.”
O que ele não diz é que em Honduras 76 pessoas em cada 100 mil habitantes morrem por causa da violência, 19 vezes mais do que em Cuba, onde praticamente, apesar da proximidade dos Estados Unidos, tal problema quase não existe.
Depois de umas quantas bobagens do tipo, sobre as armas direcionadas ao México, que estão confiscando, um Acordo Transpacífico, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, com o qual diz que se esmeram em aumentar o “Fundo de Crescimento com Microfinanciamento para as Américas” e prometer a criação de novas “Vias à Prosperidade” e outros termos altissonantes que pronuncia em inglês e espanhol, volta a suas peregrinas promessas de unidade hemisférica e trata de impressionar os ouvintes com os riscos das mudanças climáticas.
Obama acrescenta: “E se alguém duvida da urgência das mudanças climáticas, basta que olhem dentro do continente americano, desde as fortes tormentas do Caribe até o derretimento das geleiras nos Andes e a perda de bosques e terras de cultivo em toda a região.” Sem o valor de reconhecer que seu país é o máximo responsável por essa tragédia.
Explica que se orgulha de anunciar que “…os Estados Unidos estão trabalhando com sócios na região, entre eles o setor privado, para aumentar em 100 mil o número de estudantes dos Estados Unidos na América Latina e em 100 mil o número de estudantes da América Latina que estudam nos Estados Unidos.” Já se sabe o que custa estudar Medicina ou outra carreira nesse país e o roubo descarado de cérebros que os Estados Unidos praticam.
Todo o seu palavreado para terminar com uma loa à OEA que Roa qualificou como “Ministério Ianque das Colônias”, quando em memorável denúncia de nossa pátria nas Nações Unidas, informou que o governo dos Estados Unidos tinha atacado nosso território em 15 de abril de 1961 com bombardeiros B-26 pintados com insígnias cubanas; um fato desavergonhado que dentro de 23 dias completará 50 anos.
Dessa forma acreditou que tudo estava totalmente pronto para proclamar o direito a subverter a ordem em nosso país.
Confessa heroicamente que estão “permitindo que os estadunidenses enviem remessas para dar certa esperança econômica às pessoas em Cuba, como também mais independência das autoridades.”
“…continuaremos buscando maneiras de aumentar a independência do povo cubano, que tem direito à mesma liberdade que todos os demais países neste hemisfério.”
Em seguida, reconhece que o bloqueio prejudica Cuba, priva a economia de recursos. Por que não reconhece que as intenções de Eisenhower e o objetivo declarado dos Estados Unidos quando o aplicou era render pela fome o povo de Cuba?
Por que se mantém? A quantas centenas de bilhões de dólares ascende a indenização que os Estados Unidos devem pagar a nosso país? Por que mantêm na prisão os cinco heróis anti-terroristas cubanos? Por que não se aplica a Lei de Ajuste a todos os latino-americanos em vez de permitir que milhares deles morram ou fiquem feridos na fronteira imposta ao país do qual foi arrebatada mais da metade do seu território?
Rogo ao presidente dos Estados Unidos que me escuse a franqueza.
Não abrigo sentimentos hostis para com ele ou seu povo.
Cumpro o dever de expor o que penso de sua “Aliança Igualitária”.
Os Estados Unidos nada ganharão ao criar e estimular o ofício de mercenários. Posso asegurar-lhe que os melhores e mais preparados jovens de nosso país graduados na Universidade de Ciências Informáticas conhecem muito mais de Internet e computação do que o Prêmio Nobel e presidente dos Estados Unidos.
Fidel Castro Ruz
22 de março de 2011, 21h17
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