terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A viagem de um gaúcho para desvendar Havana

A viagem de um gaúcho para desvendar Havana
Por Mário Marcos


Qualquer informação sobre Cuba aqui no Brasil, você sabe, vem sempre contaminada por ranços ideológicos e exageros, à esquerda ou à direita. É assim há muitas décadas.

Por isso, um livro como este do gaúcho Airton Ortiz, jornalista, escritor e fotógrafo, tem um valor e tanto para quem pretende conhecer um pouco da Ilha que fez uma revolução em 1959 – e desde lá resiste a todas as pressões, apesar das proximidades com o vizinho poderoso. É minha sugestão desta terça-feira para os sempre interessados leitores do blog.

Na obra Expedições Urbanas: Havana (Editora Record), Ortiz mantém a linha habitual de seu trabalho: passa um bom período no lugar, convive com as pessoas comuns, hospeda-se geralmente em casas de família e busca conhecer a cidade no seu dia a dia. Quando volta das viagens, faz uma espécie de diário – um relato detalhado sobre o que viu.


Neste livro, que você lê rapidamente, Ortiz conta algumas histórias. Uma delas, que vem logo a seguir, mostra bem algumas diferenças entre o mundo dos cubanos e o de um país como o Brasil. A conversa de Ortiz com a médica, uma especialista que valoriza a solidariedade, uma qualidade que anda escassa por aqui, se deu durante visita ao Hospital Nacional Hefmanos Ameijeiras.

Aqui está um trecho do capítulo:

(…) Não desisti. Apelei para Carmencita. Ela me indicou uma colega que trabalhava no hospital nacional Hermanos Almeijeifas. Peguei um bicitaxi e me fui (…) O hospital fica em frente ao enorme monumento dedicado a Antonio Maceo, perto do Torreón de San Lázaro, antiga torre de observação construída pelos espanhóis, a poucos metros do Malecón. Além de atender a população do país, de graça, abriga diversas clínicas especializadas no tratamento de estrangeiros. A consulta para um gringo custa 20 euros (…)

Conversei longamente com a Doutora amiga de Carmencita. Ela ganhava pouco mais do que Bernardinho, o barbeiro, e eu queria saber se não achava injusto. Afinal, ela estudara a vida inteira, ele não.

Não, ela não achava injusto. Primeiro: ganhava mais do que ele. Pouco, mas ganhava mais. Segundo: por que deveria ganhar muito mais do que ele se foram pessoas como ele que pagaram seus estudos? É possível que ele não tenha estudado para que ela pudesse estudar. Afinal, não haveria vagas para todos. Assim, uns pagam, outros estudam. Então por que, agora formada, exploraria exatamente as pessoas que pagaram para que ela pudesse estudar?

(…) Expliquei que no Brasil os médicos, mesmo os que estudam na universidade pública, quando formados cobram pela consulta valores que a maioria da população não tem condições de pagar. Ah, lembrei também dos que se doutoram no exterior com as despesas pagas com dinheiro público. Alguns desses conseguem bons empregos em outros países e nunca mais voltam ao Brasil.

(…) ADoutora pensou um pouco e disse que não entendia o Brasil. Falei para não se preocupar: a maioria dos brasileiros também não entende Cuba (…)

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