quarta-feira, 27 de março de 2013

Um zungueiro em Cuba (2)

por Armindo Laureano
Fonte: O PAÍS.

Linda e apaixonante estava Cuba em Fevereiro.

Do hotel Deuville onde estamos hospedados, a linda marginal e o Malecon desafiavamnos para uns bons passeios, e sentir a brisa do mar. Durante este período correr de manhã no Malecon era como se estivesse a passear no Rossio (Portugal), era inevitável um encontro com um irmão angolano.

Fazia-me bem cruzar com o Jacques Arlindo dos Santos, com Gabriel Tchiema ou o Etona, seguir as suas passadas e trocar uns dedos de conversa.

Faltou sim o Bastos Galiano (UNAP), com quem havia combinado um encontro para um passeio pela avenida Galiano e depois visitar o Mercado Galiano e outros estabelecimentos comerciais com o mesmo nome, para um reencontro com a história familiar. Será que os Galianos já estão a investir em Cuba? Se sim ou não, a verdade é que eles têm uma avenida com este nome, e para seu orgulho, e em particular dos primos Bastos e Guilherme Galiano, meus amigos.

Sob coordenação do ICAP (Instituto Cubano de Amizade com os Povos) participámos de vários encontros, uns na sua sede e outros na Casa da Amizade. Sempre muito disponíveis e cooperantes, os “nuestros hermanos” prepararam-nos encontros onde foram abordados e debatidos temas como “Actualização sobre o novo modelo económico cubano” e “Os efeitos do bloqueio a Cuba e a sua incidência noutros países”.


Participámos do lançamento do livro sobre “os Cinco”, de um encontro com a imprensa cubana e de outro com o Presidente e membros da Associação de Amizade CubanoAfricana (AACAF).

Estes dois últimos encontros ficaram marcados e registados na minha memória, e digo-vos já porquê. O encontro com a imprensa cubana acabou por superar as minhas expectativas, pois não esperava ver tão grande número de jornalistas.

Eram da Rádio Havana-Cuba, Rádio Rebelde, Prensa Latina e jornal Granma, entre outros, que sempre muito atentos iam ouvindo as explicações do Laurindo Miguel “Mike” acerca da visita dos ‘caimaneros’ a Cuba. Eu, como único jornalista angolano presente, fui “tomado de assalto” pelos colegas cubanos que me levantaram várias questões sobre Angola em paz, o seu desenvolvimento e crescimento.

Depois, lá chegou o dia de visitar a histórica cidade de Santa Clara, a cidade de Che Guevara e de Marta Abreu Arencibia.

A cidade de Santa Clara, capital da província de Villa Clara, foi fundada a 15 de Julho de 1689 por um grupo de habitantes de Remédios(uma vila junto à costa norte) que se deslocaram da costa para ficarem a salvo dos ataques dos piratas. Santa Clara foi durante séculos a capital de Las Villas, que incluía as actuais províncias de Cienfuegos, Sancti Spriritus e Villa Clara.

Dista mais de 250 km de Havana e está no centro de Cuba, a apenas 60 km da costa norte. A sua localização faz com que receba muito turismo, e, neste domínio, tem como pólos de interesse o Parque Leôncio Vidal, o Memorial Ché Guevara (na Praça da Revolução) e o monumento Tren Blindado.

Santa Clara é uma cidade com uma personalidade exclusiva, que consegue despertar em nós uma alma guerreira e multicultural, com as suas gentes alegres, autênticas, prontas a receber e sempre dispostas a mostrar os tesouros da sua pequena e doce cidade.

Não se pode falar da história de Cuba sem se referir a esta cidade, pela decisiva e histórica batalha de Santa Clara, que culminou com a vitória da Revolução, e pela figura que esteve no seu comando, Che Guevara!

O Trem Blindado Um comboio blindado que seguia de Havana para Santiago de Cuba com 28 vagões carregados de armamento e quinhentos soldados para tentar deter Fidel Castro e seus companheiros no maciço montanhoso Sierra Maestra. Che Guevara, que combatia na frente de Santa Clara com apenas trezentos homens e munições escassas, recebeu a missão de travar a marcha do comboio.

A vitória na Batalha de Santa Clara foi decisiva para a Revolução.

Ernesto Che Guevara sabia que a guerra psicológica demonstrando superioridade ali seria decisiva.

Após o descarrilamento (provocado por um buldozer que foi usado para arrancar a linha), um pequeno grupo de apenas 23 homens subdivididos disparou de modo intenso, convencendo o general que comandava o comboio de que estava diante de uma força superior. Assustado e sem comunicações com Havana, rendeuse. Che apoderou-se do armamento, o que permitiu combater as forças que defendiam a cidade. A batalha durou três dias até as tropas inimigas serem derrotadas. Che Guevara recebeu então ordens de Fidel para avançar sobre Havana, onde entra triunfante a 1 de Janeiro de 1959.

A estátua de Che caminhando com uma criança nos braços simboliza a saída do guerrilheiro em Dezembro de 1958 para cumprir a nova missão ordenada por Fidel Castro: ocupar o complexo Morro Cabaña, um forte localizado em Havana que servia como uma poderosa unidade militar do ditador Batista.

A escultura está exposta na sede do Comité provincial do Partido Comunista Cubano em Santa Clara, que à época (1958) abrigou o segundo comando das tropas rebeldes em Santa Clara. Repleta de miniesculturas por todo o corpo e roupa, a obra é rica em expressões sobre a vida do revolucionário argentino.

No local do descarrilamento encontra-se um museu, composto pelos vagões do comboio que descarrilou e um buldózer. Alguns vagões foram transformados em salas do museu.

O Memorial onde repousam os restos mortais de Che Guevara está situado na Praça da Revolução, uma enorme praça com 17.500m2 e capacidade para 80.000 pessoas.

Completam o cenário enormes placards com fotos e slogans evocativos da figura de Che.

Foram plantadas 28 palmeiras devidamente organizadas, sendo 14 de um lado e outras tantas do lado oposto. A explicação: Che nasceu a 14 de Junho de 1928.

A estátua tem 6.80 metros de altura, colocada no cimo de um pedestal com 16 metros e retrata Che Guevara tal como entrou em Santa Clara, no seu uniforme de guerrilheiro com uma espingarda M-2 e um braço engessado.

Um mural de 108 m2 mostra em relevo as lutas de Che, Fidel e Camilo Cienfuegos na Sierra Maestra, em Escambray e Santa Clara.

O museu, com uma área de 391 m2, mostra as etapas da vida de Che desde o seu nascimento, através de fotos, objectos pessoais e documentos.

O mausoléu onde repousam os restos mortais de Guevara e dos seus companheiros mortos em combate na Bolívia em Outubro de 1967 é com certeza o momento solene e mais importante da visita a este local. As urnas estão dispostas numa espécie de cova inspirada na selva boliviana, com pouca iluminação, uma chama está permanentemente acesa e o silêncio é total. Não se pode fotografar ali.

O Memorial é um verdadeiro e sentido tributo do povo de Santa Clara ao Comandante Che Guevara.

Foi construído em 1987 e inaugurado em 28 de Dezembro de 1988 para comemorar o trigésimo aniversário da batalha da cidade.


Marta Abreu, a filantropa

Neste rescaldo da minha passagem por Santa Clara não poderia deixar de mencionar a figura de Marta Abreu Arencibia (Santa Clara, 13 Novembro 1846-Paris, 02 de Janeiro 1909), mulher nascida no seio de uma família rica, cuja vida se caracterizou pelos donativos para várias obras de beneficência e utilidade pública. Por ter bom coração e ser bondosa era conhecida pelo povo como “La Caridosa”.

Santa Clara deve a ela o Colégio San Pedro Nolasco, os asilos San Pedro e Santa Rosalia, ergueu o teatro de La Caridade, contribuiu com numerosos recursos financeiros para a luta pela independência de Cuba.

A Universidade central de Villa Clara tem o seu nome. Na biblioteca desta casa de estudos superiores existe uma colecção muito rara e valiosa de livros.


Por último…Francisco!

E nesta visita a Santa Clara tivemos o privilégio de conhecer o angolano mais famoso da cidade: o Francisco de Santa Clara! Um sobrevivente do massacre de Cassinga (04 de Maio de 1978), que foi adoptado na altura com 4 anos de idade por um militar cubano com o mesmo nome.

Viveu desde então em unidades militares com soldados cubanos e sob protecção do pai adoptivo. Cumpriu o serviço militar obrigatório, e com a retirada das tropas cubanas de Angola, foi para Cuba com a sua nova família. Hoje vive maritalmente com uma cidadã cubana e trabalha no sector do Turismo.

Uma grande figura e um exemplo vivo da fraternidade e amizade entre Angola e Cuba.

Francisco foi a grande estrela desta passagem por Santa Clara, e tal era a forma como era solicitado pelo pessoal para com ele tirar uma fotografia. “Aí granda Francisco!”, como gritou alguém, no grupo de ‘caimaneros’ em digressão.

Para se compreender a realidade de qualquer país ou mesmo de qualquer fenómeno social, é preciso conhecer e para conhecer não basta dizer que se esteve lá, e mais do que conhecer é necessário compreender o seu passado, as suas gentes e o seu processo histórico.

Esta foi na verdade uma viagem que nos levou a descobrir mais sobre Cuba e sobre nós mesmos. E por isso é que quem já lá foi tem sempre vontade de voltar... e eu com certeza voltarei! Na próxima semana viajaremos até à Ilha da Juventude. Hasta Siempre!

*Jornalista

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