sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O partido único em Cuba e a questão da soberania nacional

Por  Marta Harnecker  

Antes de abordar o assunto do partido único em Cuba, quero propor a seguinte tese: a existência de vários partidos ou de um só não é uma questão de princípio, não é um dogma; depende da forma concreta que a luta de classes adota em cada país, e que não é alheia à luta de classes no cenário internacional.

Considero que não devemos cair nem no fetichismo do pluralismo, nem no fetichismo do partido único. Há tipos de pluripartidarismo que são puramente formais. Isso ocorre quando há dois partidos diferentes com um programa muito semelhante, como é o caso dos partidos Democrata e Republicano nos Estados Unidos. Mas isso não quer dizer que seja sempre assim. Existem formas de pluripartidarismo em que os diferentes partidos realmente refletem diferentes interesses, como sucede em muitos países europeus e da América Latina. Do mesmo modo, o partido único, que foi um instrumento valioso em alguns países socialistas, pode descambar caso se exclua o debate interno e toda forma de controle popular sobre seus militantes., como ocorreu nos países socialistas do leste. Ali o partido perdeu o seu caráter instrumental para torná-se um objeto em si, desvinculado das massas.

E o que pensar do tão debatido tema do partido único em Cuba?

É preciso começar por esclarecer que o Movimento 26 de Julho, a organizaçao que conduziu o processo revolucionário à vitória, foi uma organização política criada por Fidel e um grupo de revolucionários cubanos, que não se inspiraram nos partidos comunistas clássicos, e sim nas ideias de Martí sobre organização.

José Martí, que lutou pela indepência de Cuba da Espanha, comprovou que os partidos patriotas não alcançavam seus objetivos libertários (Cuba foi o último país da América Latina que conseguiu sua indepência) porque existia desunião entre as forças independentistas. Essas divisões não ocorriam apenas no terreno político, mas também entre os que empunhavam as armas. Para superar esse problema, concebeu a ideia de unir em um só feixe todas as forças dispostas a lutar pela independência de seu país e, ao mesmo tempo, de Porto Rico. Surgiu assim a ideia do Partido Revolucionário cubano.

Anos mais tarde, Fidel, apesar de seu conhecimento marxista, não ingressou no Partido Socialista Popular, nome que o Partido Comunista adotara, mas no Partido Ortodoxo, que representava a pequena-burguesia radical anti-imperialista, e a partir dali começou a formar o núcleo inicial do Movimento 26 de Julho, inspirada na concepção martiana de partido.

Fidel, desde que começou a formar o M26, tinha a clareza de que era importante reunir todos os revolucionários. Em consequência, fez esforços para obter acordos unitários com outras forças da esquerda cubana: o Partido Socialista Popular e o Diretório Revolucionário. Posteriormente, poucos meses antes do triunfo, alguns quadros do PSP se integraram à luta guerrilheira. E uma vez obtido o triunfo, é importante destacar que os comunistas cubanos têm o grande mérito histórico de ter reconhecido a indiscutível liderança de Fidel.

Mas em Cuba, não só houve um gesto do PSP, como também houve um gesto de Fidel. O dirigente cubano deixou de pertencer, segundo suas próprias palavras, ao M26 e adotou como sua bandeira a revolução, que era muito maior que sua organização político-militar, porque dela participava todo o povo.

Uma vez concluída com exito a luta contra Batista, começou uma guerra mais longa e mais dura: a luta contra o imperialismo. E foi então que ganhou importância ainda maior a ideia martiana de agrupar as forças em um único partido. Naquele momento existiam três organizações opositoras importantes: o PSP, o Diretório e o 26 de Julho.

Fidel sabia que qualquer fissura nas fileiras do povo podia permitir ao imperialismo começar a solapar a revolução por dentro. Daí que, a medida que cresce a luta contra os Estados Unidos, acentua-se também seu esforço para dá uma estrutura única aos três partidos relacionados. A primeira tentativa foi a formação das Organizações Revolucionárias Integradas (ORI), dois anos depois do triunfo da revolução.

Nesse contexto, e como a opinião de antigos direigentes de seu próprio partido e de Fidel, foi que Aníbal Escalante, dirigente do PSP e secretário das ORI, cai em desvios sectários, tentando controlar o nascente organismo unitário, ocupando os cargos com dirigentes do PSP. Esse processo termina com a dissolução dessa primeira tentativa de unificação das forças revolucionárias.

Naquele mesmo ano teve inicio um novo esforço unificador, criando-se o Partido Unido da Revolução Socialista. Depois da experiência negativa das ORI, se decide que sejam as massas que selecionem os candidtos ao partido. Cerca de três anos depois, cria-se, em 3 de outubro de 1965, o Partido Comunista cubano (PCC). Essa é a história e o contexto em que nasce o partido único em Cuba

Está bem, poderão dizer vocês, essa é a história, mas por que, hoje, quando a direção cubana garante que Fidel tem o imenso apoio da população não se permite a legalização de outros partidos?

Permitir a criação em Cuba de outros partidos neste momento em que a correlação de forças mundial é desfavorável ao socialismo, significaria aceitar no território nacional uma cabela-de-ponte política que serveria para que, por esse canal, penetrasse toda a propaganda política e os recursos da contra-revolução instalada em Miami e do próprio governo dos EUA. Seria um absurdo que, depois de 40 anos de desenvolveimento independente e soberano, os cubanos, para satisfazer os desejos de alguns setores que se dizem "democratas consequentes", sedessem gratuitamente esse espaço à contra-revolução. Seria uma enorme ingenuidade política.

Quero esclarecer, no entanto, que falo da atual situação que vive o país. Se mudassem essas condições, se mudasse a correlações de força em npivel mundial, essa situação poderia mudar. Se dentro de certo tempo, em outra correlação mundial de forças, as massas cubanas pedissem a formação de outros partidos, penso que a direção cubana não se oporia que se discutisse essa questão. Mas ninguém que tenha um mínimo de credibilidade está pedindo hoje que se forme um outro partido em Cuba.
 
Nota:

É importante lembrar que hoje o PC cubano não é a única organização política a atuar em Cuba. Existem grupos formados por oposicionistas, como o Partido Liberal. Sem falar nas organizações terroristas que possuem ligação com cubano-americanos de Miame. Quando se fala em um sistema de Partido único em cuba, então, o que se quer dizer é que o PCC é o único partido legalizado no país, mas existem outros grupos que, apesar de não existirem oficialmente, agem livremente no país; é claro, com exceção dos grupos terroristas, que são combatidos.

Fora isso, é bom lembrar que o PC cubano não tem caráter eleitoral, ou seja, ele não indica candidatos, nem faz campanhas políticas. Em Cuba, os candidatos a cargos políticos nas eleições municipais são escolhidos por conselhos de moradores ou bairros, conhecidos como Assembleias de Nomeação. Em nível regional e nacional, os candidatos são escolhidos por um comitê formado pelas principais organizações de massa do país, como a Central sindical de tralhadores, a federação de mulheres e federações de estudantes.

Marta Harnecker é socióloga marxista chilena.

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