Castro com Amilcar Cabral, Mandela, Angela Davis, Thomas Sankara, Mengistu, Agostinho Neto, Samora Machel e Malcon X. |
Por Douglas Belchior na Carta Capital
Com a morte de Fidel Castro e a comoção da maior parte daqueles que se dedicam à luta social pelo mundo afora, alguns grupos e personalidades negras questionam o porquê de negros “idolatrarem” Fidel e seu regime “racista”.
Respeito os que criticam, mas preciso discordar e o faço com muita força.
Reconheço que esse debate é complexo. Mas preciso dizer que não se trata apenas de “muita gente do movimento negro idolatrar Fidel”, e sim de movimentos, organizações e personalidades negras de todo planeta reconhecerem o importante papel histórico de Fidel enquanto liderança que se contrapôs ao status quo mundial. Há controvérsias em sua atuação? Sem dúvida! Cuba pós revolução se curou do racismo? Evidente que não. Mas a essa experiência devemos, inclusive, parte da formulação da ideia de que a revolução necessária vai muito além do viés econômico e político, mas se ampliam também para os aspectos de raça, gênero, questões religiosas e sexuais.
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Roberto Trindade, negro brasileiro que viveu na Ilha por 7 anos e lá se formou médico, nos relata:
“Em Cuba o racismo existe sim, mas não é um racismo institucional, como estamos ‘acostumados’. É fruto de uma herança cultural de países escravocratas. Posso exemplificar com a ideia de que os santiagueros (Santiago de Cuba tem a maioria de sua população negra) são burros!!! Realmente a revolução não conseguiu desconstruir essa ideia vinda desde os tempos da colônia e essa persiste e se propaga nas ‘piadas’, ‘ditados populares’ e etc. Portando, o enfrentamento ao racismo continua a ser um desafio. Mas é preciso reconhecer que Cuba é o país onde os negros vivem melhor que em qualquer outro lugar previamente escravocrata. Existem as mesmas oportunidades e possibilidades, algo que pode parecer difícil de entender após eu confirmar que há racismo na Ilha, mas que é real. A revolução, plurirracial e de caráter nacional por si só já não permitiria que o racismo persistisse entre as esferas do governo”.
Vivi uma experiência que por si, seria suficiente para admirar Fidel e sua obra. Atuo no movimento de Cursinhos Populares há quase 20 anos. Entre 2006 e 2010 trabalhei em processos de seleção de jovens negros para estudarem medicina em Cuba. Esse programa, que garantia vagas na ELAM – Escuela Latino Americana de Medicinas, em Havana, durou alguns anos. Centenas de brasileiros, latino americanos e africanos negros e pobres foram beneficiados. Arrisco dizer que enquanto durou o programa, entre seu início e os primeiros resultados das políticas de acesso à universidade do governo Lula, Cuba formou mais negros brasileiros como médicos do que todas as universidades públicas do Brasil no mesmo período. Cleber Da Costa Firmino, José Cícero Da Silva e próprio Roberto Trindade – que nos fez o relato acima, viveram lá e se formaram médicos. Negros, pobres, moradores de periferias e alvo prioritário da violência policial, eles são, entre outras centenas de pessoas, a prova real do quanto a revolução cubana incidiu diretamente na vida de milhões de pessoas em todo o mundo.
É justo também lembrar o papel de Cuba e Fidel, no apoio à luta por libertação e independência de diversos países africanos frente a opressão colonial européia. Che Guevara, outro líder da revolução cubana, antes de ser morto enquanto guerreava na Bolívia, esteve a frente de seu batalhão cubano na guerrilha de luta pela libertação do Congo. A Argélia foi apoiada em 1961. Enquanto lutava contra o colonialismo francês, Fidel Castro, a pedido da Frente de Libertação Nacional fez chegar armas aos independentistas. Cuba apoiou a luta contra o Apartheid e enviou cerca de 300.000 soldados a Angola entre 1975 e 1988 para fazer frente à agressão do exército supremacista da África do Sul. Fidel apoiou e sempre esteve ao lado de importantíssimas lideranças responsáveis pelas lutas de independência dos países africanos. Entre eles Mengistu, presidente da Etiópia, Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso e conhecido como “Che Guevara” da África, Amilcar Cabral, líder na luta por independência da Guiné Bissau, Agostinho Neto, Presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola e primeiro Presidente de Angola entre 1975 e 1979, e Samora Machel, líder da Guerra da Independência de Moçambique, que se tornou o seu primeiro presidente de 1975 a 1986.
Em 1991, o maior expoente da luta contra o racismo em África, Nelson Mandela, rendeu um tributo a Fidel Castro:
“Desde os seus dias iniciais, a Revolução Cubana tem sido uma fonte de inspiração para todos os povos amantes da liberdade. O povo cubano ocupa um lugar especial no coração dos povos da África.”
Cuba foi, por décadas, refúgio de revolucionários de todo o mundo. Muitos aproveitaram sua estada para estudar e aprimorar suas capacidades de enfrentamento às ditaduras e ao colonialismo. Outros beberam da fonte da experiência prática cubana ante o desafio de enfrentar a maior potência bélica do planeta. Entre estes, podemos lembrar Malcon X, Angela Davis e Assata Shakur, esta última procurada pela CIA e FBI, exilada política recebida pelo regime de Fidel em 1984 e lá mantida, apesar das diversas tentativas de repatriamento tentada pelos EUA. Estes e outros acolhidos pelo Comandante em sua luta contra o racismo ianque.
Sempre que provocado a falar de Cuba e de Fidel, deixo a seguinte pergunta, já respondida acima, por Trindade: Seria exagero dizer que Cuba é o país em que os negros da diáspora vivem melhor, em todo o mundo? Depois de uma rápida pesquisa nos índices de Desenvolvimento Humano e Desigualdades Sociais na Ilha, desde a revolução, eu arriscaria dizer não seria exagero dizer que sim.
Há teóricos que condenam a experiência Cubana? Sim. Mas eu prefiro ficar com a posição de Malcon, Mandela, Angela, Machel, Shakur, Panteras Negras e tantas outras que sempre se identificaram com Fidel e que sempre puderam contar com El Comandante em suas lutas.
Fidel viverá para sempre!
Douglas Belchior é Formado em História pela PUC/SP, professor Rede Pública Estadual; Fundador e professor no Movimento Uneafro-Brasil.
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