sábado, 11 de maio de 2013

Cuba: direita quer a volta do capitalismo; esquerda quer mais democracia

Manifestação de apoio ao governo socialista de Raúl Castro | Foto: Granma

Por Valter Pomar na revista Teoria e Debate

Entre 28 de abril e 1º de maio de 2013, uma delegação do Partido dos Trabalhadores visitou Havana, em Cuba. O grupo foi composto por Rui Falcão, presidente nacional do PT; Iriny Lopes, secretária de Relações Internacionais; João Vaccari, secretário de Finanças; José Guimarães, líder do partido na Câmara dos Deputados; Ângela Portela, senadora; Francisco Campos e Valter Pomar, integrantes do Diretório Nacional.

A programação incluiu entrevistas aos meios de comunicação; reuniões com integrantes do Comitê Central do Partido Comunista, entre os quais José Ramon Balaguer e Machado Ventura; contatos com integrantes do governo e do Parlamento, entre os quais Marcelino Medina, vice-ministro do Ministério de Relações Exteriores, Ana María Mari Machado, vice-presidenta da Assembleia Nacional do Poder Popular, Marino Murillo Jorge, vice-presidente do Conselho de Ministros, Kenia Serrano, deputada e presidenta do Instituto Cubano de Amizade com os Povos (Icap), além de Miguel Mario Díaz-Canell, membro do Buró Político del Comité Central del Partido Comunista de Cuba e primeiro vice-presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros da República de Cuba.

A delegação também participou do V Encontro de Petistas e Núcleos do PT no Exterior; manteve contato com a Agência de Promoção das Exportações do Brasil (Apex) em Cuba e com o embaixador do Brasil no país, José Eduardo Martins Felicio; participou da reunião do Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo, realizou um intercâmbio com familiares dos cubanos presos nos Estados Unidos e esteve na comemoração do Dia Internacional dos Trabalhadores.

De abril de 1961 até hoje, Cuba busca construir o socialismo. Numa primeira etapa, tentou um caminho próprio, do ponto de vista tanto político quanto econômico. Simbolicamente, essa etapa “experimental” pode dar-se por finda em 8 de outubro de 1967, quando Che Guevara foi assassinado na Bolívia. Naquele momento ficou claro que, pelo menos temporariamente, estava encerrado um ciclo revolucionário latino-americano e caribenho, obrigando Cuba a depender do apoio soviético mais do que os cubanos certamente gostariam.

Numa segunda etapa, a transição socialista em Cuba tornou-se altamente dependente do modelo soviético. E, por decisão unilateral no período Gorbachev, essa etapa foi interrompida de maneira abrupta com a dissolução da URSS, em 1991.

Entre 1989 e 1991, entre a dissolução dos regimes socialistas no Leste Europeu e o fim da URSS, as exportações cubanas se reduziram em 62% e as importações caíram pela metade.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ampliaram o bloqueio e todo tipo de sabotagem contra a ilha, na expectativa de que Cuba tivesse o mesmo destino dos regimes dirigidos pelos partidos comunistas do Leste Europeu.

Durante essa terceira etapa, há um forte debate sobre como sobreviver e prosseguir socialista, nas terríveis condições dos anos 1990, com unilateralismo, neoliberalismo e colapso do socialismo.

O problema de fundo enfrentado por Cuba é clássico: uma revolução num país de baixo desenvolvimento capitalista, cercado e hostilizado pelo imperialismo, só pode realizar uma transição socialista exitosa se contar com apoio externo e/ou achar maneiras próprias de desenvolver sua capacidade econômica, suas forças produtivas.

O apoio externo, proveniente da União Soviética, entre 1961 e 1991, permitiu a Cuba manter um padrão de vida superior à sua própria capacidade produtiva. O desaparecimento da URSS obrigou a superestrutura cubana a depender de uma economia marcada por fortes limitações.

Cuba foi colocada diante da necessidade de substituir as importações baratas, oriundas principalmente da URSS e do Leste Europeu, por produção nacional e/ou importações caras vindas do mundo capitalista, alternativa que implicava gerar divisas em moeda estrangeira, para pagar as importações.

No curtíssimo prazo, as receitas (em moeda conversível) necessárias para isso vieram em parte do turismo, em parte de exportações. Mas, especialmente no contexto do bloqueio, o total arrecadado não era suficiente para financiar o funcionamento geral da economia, as políticas públicas e os salários bancados pelo Estado, o que foi gerando um crescente déficit.

Cuba segue, hoje, diante da necessidade de garantir segurança alimentar, autonomia energética e industrial.

Ao longo da terceira etapa (1991-2013), o governo cubano experimentou três políticas distintas. A primeira ficou conhecida como “período especial”, em que foi adotada uma “economia de guerra em período de paz”. O segundo tipo de política foi adotado quando teve início o ciclo de vitórias eleitorais das forças progressistas e de esquerda na América Latina e Caribe. E o terceiro começa depois que Raúl Castro assume o governo, devido ao afastamento de Fidel, por motivos de saúde.

A política atual está descrita num documento chamado "Lineamientos para la Política Económica y Social del Partido y la Revolución", um conjunto de orientações aprovadas pelo VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, em 2011.

Tendo como objetivo construir um “socialismo próspero y sostenible”, os “Lineamientos” reafirmam a propriedade social dos meios de produção fundamentais e falam em “atualização do modelo”.

A leitura dos “Lineamientos” e as ações práticas decorrentes não constituem, entretanto, uma mera “atualização”, mas sim o abandono de um determinado “modelo” de construção do socialismo, baseado na quase exclusiva propriedade estatal dos meios de produção, em favor de um caminho que, para desenvolver as forças produtivas indispensáveis ao socialismo, apela para diferentes formas de propriedade privada e relações de mercado.

Esse caminho, na medida em que busca dar uso produtivo para a capacidade de trabalho de amplos setores da população cubana, também implica legalizar e em alguns casos ampliar a desigualdade social – o que tanto resolve velhos problemas como cria outros.

As reformas (termo mais adequado que “atualização do modelo”) geram polêmicas. De um lado, a direita não gosta da reafirmação do socialismo nem da manutenção do Partido Comunista no comando do Estado: Raúl Castro deixou claro que não foi eleito para fazer Cuba voltar a ser capitalista. De outro, setores de esquerda não apreciam as “concessões ao capitalismo”, além dos que defendem maior debate e democracia popular para acompanhar o processo de reformas, inclusive para tratar das citadas desigualdades.

Além dessas polêmicas, há a conjuntura internacional e latino-americana. O resultado da eleição venezuelana de 14 de abril mostra, entre outras coisas, os riscos embutidos em qualquer dependência. Há o fator Estados Unidos, que mantêm o bloqueio, embora seu almejado fim contenha também perigos: uma invasão de dólares. Além disso, há as dificuldades em si do processo de reformas, entre as quais aquelas derivadas de mais de cinquenta anos de poder, com suas conquistas, mas também com suas debilidades, sentidas com muita força pelas gerações mais recentes.

Essas dificuldades exigem manter e aprofundar nossas relações com Cuba. Claro que as reformas na ilha abrem espaço para negócios que interessam a setores empresariais. Claro, também, que o fortalecimento de Cuba interessa à política de integração regional, que de fato constitui uma política de Estado, para além da esquerda. Mas, no caso específico do Partido dos Trabalhadores e de outros setores da esquerda brasileira, a decisão de manter e aprofundar as relações com o país incluem motivações de outra natureza.

Cuba é um dos pontos altos da luta anti-imperialista, pela soberania nacional, contra a ingerência externa, e essa luta nos diz respeito. Cuba constitui a primeira tentativa de construir um país socialista na nossa região do mundo, e essa luta também nos diz respeito. Portanto, o sucesso de Cuba é, pelo menos em alguma medida, também nosso sucesso.

Vale dizer que o governo cubano e o Partido Comunista apreciam tremendamente as relações com o governo Dilma e o apoio constante do PT. A recíproca é e deve continuar verdadeira.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo.

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