Alguns assuntos, ainda que passem anos ou décadas, não saem do noticiário. Nem do imaginário. Cuba é um deles. Desde que um bando de barbudos deu início à luta armada que levaria ao sucesso da Revolução Cubana em 1959, a ilha é motivo de debates apaixonados. Entre a utopia e o cansaço busca romper com essa tradição: não a do debate, mas a das paixões.
Os 22 textos aqui reunidos complexificam os principais tópicos de discussão sobre a realidade cubana. Homossexualidade, religião, racismo, protestos políticos, participação popular, as Forças Armadas, as reformas econômicas e monetárias, a imigração, as relações com Washington, a nova Constituição, a juventude.
A cada página, este livro se distancia da dicotomia estreita que, por um lado, destaca alguns aspectos da vida na maior das Antilhas como prova inequívoca de que o socialismo não funciona, ou, por outro, recorta a realidade de maneira a louvar apenas as evidentes benesses do regime. As análises, portanto, se baseiam em uma Cuba de hotéis luxuosos e casas caindo aos pedaços, atendimento médico universal e escassez de alimentos, educação para todos e apagões elétricos, partido único e Facebook.
Embora as vozes aqui reunidas tenham pontos de vista divergentes, nenhum dos autores e autoras desta compilação deixa de reconhecer a façanha do grupo de jovens revolucionários que, no quintal dos Estados Unidos, em plena Guerra Fria, derrubou a ditadura de Fulgencio Batista e depois repeliu uma invasão militar ianque com a força da vontade de um povo comprometido com o anti-imperialismo. Apesar dessa constatação, cada capítulo ressalta uma miríade de contradições que foram se acumulando ao longo de 65 anos de transformações nacionais, regionais e globais.
Cuba, afinal, é uma pequena nação socialista localizada nas imediações do núcleo irradiador do capitalismo internacional — e assim se manteve mesmo depois do colapso da União Soviética, do Período Especial e da morte de Fidel Castro. Mas, a que custo? E por quê?
Por que as moradias em Cuba estão tão deterioradas e os carros são tão antigos? Existe internet na ilha? Por que tantos cubanos emigram? Por que existiram duas moedas e como está o cenário econômico do país? Há racismo e machismo em Cuba? E quanto à desigualdade social? Qual a situação da comunidade LGBTQIA+? Quais dificuldades o país enfrenta desde a morte de Fidel Castro?
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Todo mundo que estuda Cuba já teve de se debruçar sobre o conjunto de contradições que cada uma dessas perguntas suscita. Para o pensamento conservador, da extrema direita ao liberalismo democrático, só há uma explicação pueril: o socialismo falhou. Resta ao militante de esquerda ou aos estudiosos do tema contrapor essa simplificação com uma argumentação que, apesar de calcada na realidade, tornou-se um lugar-comum: a evocação da eficácia dos sistemas de saúde e educação gratuitos, que rendem à ilha ótimas posições nos rankings mundiais, a qualidade da pesquisa farmacêutica e a persistência do bloqueio econômico e financeiro imposto ilegalmente pelos Estados Unidos contra o país. Esses dois polos, embora desiguais no método e na orientação política, cristalizam a discussão acerca de Cuba aplainando suas complexidades, o que bloqueia as possibilidades de construção de conhecimento e reflexão.
Nosso projeto nasce de uma tentativa engajada de enfrentar esse aplainamento. […] Para transmitir essas tensões, convocamos vozes cubanas, mas também de outros lugares da América Latina que, de diferentes maneiras, parecem exigir um acerto de contas com a utopia que a revolução encarna.
Os textos escolhidos são plurais e não refletem necessariamente as opiniões dos organizadores. No seu conjunto, esta investigação sobre uma Cuba contemporânea, em que carros dos anos 1950 rodam com aplicativos de 2020, convida a repensar o lugar que a revolução ocupa no imaginário daqueles que lutam pela emancipação social. E, talvez, a repensar o lugar que a própria noção de revolução ocupará no imaginário político do século XXI.
Sobre os organizadores
Aline Marcondes Miglioli é economista e professora da Universidade de Sorocaba. É formada em ciências econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestre em economia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp em parceria com o Centro de Estudos de Economia Cubana, em Havana. Pesquisa mercado imobiliário e economia urbana. Desde 2016, estuda o mercado de imóveis em Cuba.
Fabio Luis Barbosa dos Santos é doutor em história econômica pela Universidade de São Paulo (USP), professor do curso de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autor de Uma história da onda progressista sul-americana (Elefante, 2018), Além do PT: a crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana (Elefante, 2016) e Origens do pensamento e da política radical na América Latina (Editora Unicamp, 2016). É também co-organizador dos livros Fronteiras da dependência: Uruguai e Paraguai (Elefante, 2021), México e os desafios do progressismo tardio (Elefante, 2019) e Cuba no século XXI: dilemas da revolução (Elefante, 2017).
Vanessa Oliveira é doutora em ciências da informação e da comunicação pela Universidade Paris 8, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora do projeto de extensão Realidade Latino-Americana, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É jornalista com foco em editorias internacionais, tendo colaborado com veículos como TV Cultura, Rede Record e Radio France Internationale (RFI), da qual foi correspondente em Havana em 2013. É co-organizadora de De bala em prosa: vozes da resistência ao genocídio negro (Elefante, 2020), finalista do Prêmio Jabuti.
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