quinta-feira, 20 de setembro de 2012

MEDIDAS PARA MELHORAR O FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES BÁSICAS DE PRODUÇÃO COOPERADA (UBPCs)

Autonomia básica para a produção cooperativa
Por Sheyla Delgado Guerra e Anneris Ivette Leyva no Granma
Como parte da atualização do modelo econômico cubano, o país se tinha proposto conseguir uma gestão mais eficiente por parte das Unidades Básicas de Produção Cooperada (UBPCs), eliminando os obstáculos que enfrentaram durante muitos anos.

Com esse objetivo, o Comitê Executivo do Conselho de Ministros aprovou um grupo de medidas para legitimar a autonomia que essas entidades tiveram em sua concepção inicial, mas que somente ficou “nos papeis”, pois poucas vezes a conseguiram na prática. Entre elas, se prevê a aprovação de um novo Regulamento Geral, publicado na Gazeta Oficial da República e Cuba, em sua 37ª edição extraordinária.

Criadas em 1993, com o propósito de revitalizar o sistema agrícola e produtivo do país, as UBPCs surgiram a partir de fazendas estatais, com quatro pontos essenciais que deviam reger seu funcionamento: a vinculação do produtor à área, como incentivo trabalhista; a capacidade de auto-fornecimento dos trabalhadores e suas famílias; a correlação entre a produção e as receitas recebidas e o desenvolvimento efetivo da autonomia da gestão, princípios básicos que, ao amparo do Decreto-Lei nº 142, de 1993, atualmente continuam encaminhando seu destino.

Alguns dos pontos fortes das UBPCs, como novas estruturas que surgiam, eram a entrega de terras em usufruto, por períodos indefinidos; a aquisição dos meios de produção fundamentais; a contribuição da força de trabalho e saber que eram “donas” de toda a produção; unido à possibilidade de escolher os dirigentes em forma coletiva e operar suas contas bancárias, honrar as obrigações fiscais correspondentes, bem como reter e distribuir as utilidades entre seus membros. Isso era pelo menos na teoria...

Mas não foi possível articular organicamente essa “harmonia” quanto ao conteúdo. As empresas estatais começaram a manter com elas um relacionamento em que as UBPCs eram vistas como dependências imediatas. Por tal motivo, muitas vezes era “normal” a imposição de planos e dos dirigentes ou, por ocasiões, a autorização destas entidades que as atendiam para pagamentos salariais.

Resultado? A personalidade jurídica desta nova forma de produção cooperada ficou relegada ao plano da sujeição e não reconhecimento, ao ponto tal que não podiam estabelecer relações contratuais com outras entidades estatais.

Esta sujeição que se exercia na prática compreendia diversas arestas: desde as já mencionadas, até a aplicação de resoluções e procedimentos que nada tinham a ver com as UBPCs.

Além de todas estas práticas que travavam seu desenvolvimento, reiteradas deficiências de organização e produção — sem esquecermos as conseqüências de numerosas catástrofes naturais — ajudaram a incrementar as perdas e as dívidas herdadas de seus predecessores.

O QUE FORAM E O QUE DEVERÃO SER

“Em 1994, um ano depois de sua constituição, em Cuba existiam 2.519 Unidades Básicas de Produção Cooperada (UBPCs). Atualmente, apenas existem 1.989, a maioria pertencente ao Ministério da Agricultura (Minagri)”, comentou ao jornal Granma o diretor nacional de Atendimento às Unidades Produtoras, nesse ministério, Julio A. Martínez Roque.

Explicou que elas contam com uma área de mais de 1,7 milhão de hectares, aproximadamente 28% da superfície agrícola do país. Contudo, 23% das terras administradas pelas UBPCs se mantêm ociosas, exemplo claro da subutilização de seu potencial e, por conseguinte, das baixas produções registradas.

“Quando findou o ano 2010, aproximadamente 15% dessas entidades econômicas fecharam com perdas, e 6% nem sequer apresentou balanço econômico”, explicou Martínez Roque.

Afirmou, ainda, que, em sentido geral, as UBPCs receberam uma injeção financeira — do orçamento do Estado — acima dos 3,3 bilhões de pesos. Inclusive, o banco teve que fazer prorrogações para a liquidação das dívidas, além de reduzir as taxas de juros, para dar-lhes um “respiro”... e, com certeza, conseguiram respirar.

Segundo o funcionário, as UBPCs adstritas ao sistema do Ministério da Agricultura acumularam, no fechamento de 2010, dívidas estimadas em 1,22 bilhão de pesos, perdas de anos anteriores avaliadas em 680 milhões e mais e, se não bastasse, mais 203 milhões como “herança” de unidades que foram dissolvidas. Em resumo: um capital negativo de 2,112 bilhões de pesos! Quer dizer, “elas produziam de milagre”.

Após 19 anos de implementada a experiência, pela primeira vez, estas unidades foram submetidas a um rigoroso diagnóstico integral, que trouxe à baila suas fraquezas, estabelecendo as bases para projetar sua erradicação ou encaminhamento.

“Uma categorização preliminar permitiu classificar as UBPCs em três grupos essenciais. No primeiro, encontram-se aquelas com uma situação produtiva e econômica favorável, possuem capital humano necessário e estabilidade em suas estruturas de direção. Nessas condições existem 540 UBPCs (112 delas dentro do sistema produtivo do grupo açucareiro)”, comentou o diretor nacional de Atenção às Unidades Produtoras.

“O segundo grupo — continuou — compreende as que têm dificuldades de tipo organizativo, produtivo, econômico e financeiro, mas que podem resolver seus problemas mediante diversas medidas, para, desta forma, criar as condições para incrementar a produção. Neste grupo está a maioria das unidades (1.122), equivalente a 57%”.

“Finalmente, no terceiro grupo estão aquelas que apresentam uma situação crítica nos aspectos referidos e que não têm nenhuma possibilidade de recuperar-se. Neste grupo há 327 UBPCs, todas do esquema da agricultura”, explicou.

Graças a essa categorização foram reordenadas as unidades produtoras do sistema do Grupo Açucareiro, e começou o processo de reorganização nas correspondentes ao Ministério da Agricultura.

VERBAS PARA AS MUDANÇAS

Primeiramente, tornou-se imprescindível definir um tratamento financeiro para que as UBPCs, a partir de estimular e reverter seus resultados produtivos, pudessem liquidar, a médio prazo, o endividamento acumulado com os bancos, o setor fiscal e o setor empresarial.

“Como primeiro passo — explicou Martínez Roque — modificou-se o destino dos 116 milhões de pesos planejados no orçamento do Estado para o ano 2012, como capital de trabalho, que cobriria parte das perdas de anos anteriores das UBPCs, pertencentes aos grupos I e II descritos — uma quantia total ascendente a 332,1 milhões de pesos — bem como uma fração de suas dívidas com o Banco e com o setor empresarial.

“Os montantes que este saldo não abrange serão custeados mediante o pagamento, a partir de 2013, de um tributo de 5% sobre as receitas brutas que, arrecadado pelo orçamento do Estado, funcionará como fonte para a capitalização destas formas produtivas. No caso das dívidas bancárias, as mesmas serão renegociadas até um máximo de 25 anos”, comentou.

O plano elaborado também contempla que, para a redistribuição do financiamento concebido com tais propósitos, sejam priorizadas aquelas UBPCs com melhores resultados produtivos e financeiros.

Martínez Roque sublinhou que, a partir do ano próximo, o orçamento do Estado não continuará financiando as UBPCs, somente naqueles casos que sejam de interesse estatal. Contudo, serão exoneradas da declaração e liquidação do Imposto sobre Utilidades, previsto na recém aprovada Lei Tributária, por um período de até cinco anos, sendo-lhes perdoadas as dívidas vencidas com o fisco que, no caso das UBPCs dos grupos I e II, equivale a 7,8 milhões de pesos. Tudo isto para contribuir a seu fortalecimento financeiro.

AS UBPCs NÃO SÃO EMPRESAS ESTATAIS

O diagnóstico realizado deixou claro que os obstáculos para o desenvolvimento destas Unidades Básicas de Produção Cooperada (UBPCs) e as limitações para sua autonomia foram por causa da aplicação de práticas não amparadas na norma legal que lhes deu origem, apesar de terem estado bem concebidas, do ponto de vista jurídico e conceitual.

Desta forma, para estar a tom com o Decreto-Lei 142 de 1993 — pelo qual surgiram as UBPCs e que mantém total vigência — foi projetado um novo Regulamento Geral, incluído na Resolução 574ª, de 13 de agosto de 2012, do Ministério da Agricultura, publicado na Gazeta Oficial.

A norma, que entrará em vigência imediatamente, ratifica que as UBPCs são cooperativas e seu funcionamento é regido pelo Regulamento Geral, pelo Regulamento Interno e por sua Assembleia Geral, como máximo órgão de direção. Esta Assembleia tem faculdades para decidir a percentagem das utilidades a distribuir entre seus membros (exceto se têm perdas acumuladas, quando só poderão dispor de até 50% do fundo).

Também se estabelece que poderão comprar com cheques ou à vista, diretamente, produtos como sal, açúcar, vinagre e recipientes, na rede retalhista e atacadista do Ministério do Comércio Interior (Mincin), bem como materiais de construção, a preços sem subsídios, para a construção de moradias e outras instalações.

A licença para estas construções marca uma coerência com uma das restantes medidas referidas às moradias que, como patrimônio das UBPCs, estão em diferentes fases de acabamento: estas poderão ser avaliadas e vendidas aos parceiros para sua terminação por esforços próprios, ou terminadas com verbas da cooperativa.

O novo Regulamento Geral também esclarece que os controles estatais serão exercidos pelos órgãos, organismos e entidades do Estado com essas faculdades. A empresa a cujo sistema de produção esteja ligada a UBPC, somente controlará o cumprimento das normas técnicas dos processos produtivos e a contratação da procura estatal. Os produtos que não estejam contratados ou a produção excedente poderão ser comercializados livremente.

DINHEIRO EM SACO COSIDO

“Desde seu surgimento, as UBPCs receberam uma importante ajuda financeira. As novas medidas destacam porque, embora também tenham um alto conteúdo financeiro, estão acompanhadas de outras que garantem seu sucesso, ao tentar erradicar a origem do problema”. Desta forma resume Julio A. Martínez a essência das 17 ações projetadas que, de forma geral, insistem no reconhecimento das UBPCs como entes jurídicos, em igualdade de condições que o resto das modalidades de produção.

Por este caminho, sem mais imposições de uma empresa estatal mediadora, desde 2013 os números do Plano da economia serão desagregados até o nível das UBPCs, facilitando que estas possam relacionar-se com todas as pessoas naturais e jurídicas, sempre com base num contrato, para a compra direta de produtos e serviços, em correspondência com o plano aprovado, bem como para seu fornecimento interno — possibilidade também reconhecida no novo Regulamento Geral.

Também se especifica entre as decisões que os contratos com as empresas fornecedoras do Ministério da Agricultura e do Grupo Açucareiro serão assinados diretamente, sem a intervenção de nenhuma entidade, como também para a aquisição do combustível aprovado, no caso das UBPCs registradas no esquema produtivo do Ministério da Agricultura.

Para não deixar resquícios que possam limitar o cumprimento destas disposições, um acordo do Comitê Executivo do Conselho de Ministros indicou aos órgãos da Administração Central do Estado e aos Conselhos da Administração Provincial garantir que suas dependências e entidades de seus respectivos sistemas empresariais prestem serviços e vendam insumos diretamente às UBPCs.

Para reafirmar que nenhum erro se cometa por desconhecimento, entre as medidas também foi projetado um programa emergente de capacitação para os diretores e juntas de administração das UBPCs, bem como para os empresários e dirigentes estatais do sistema da agricultura. Os temas serão entregues como instrumentos de trabalho para as direções das UBPCs e para as entidades estatais.

Da mesma forma, será imprescindível desenvolver um processo de assembleias em cada Unidade Básica de Produção Cooperada, com o objetivo de estudar o novo Regulamento Geral e poder reelaborar os internos.

“Como parte desse plano serão fundidas ou dissolvidas aquelas UBPCs que não tiverem possibilidades de recuperação (quase 300). Finalmente, foi disposto o cumprimento destas disposições através dos mecanismos de controle do Ministério da Agricultura e do Grupo Açucareiro”, explicou Martínez Roque.

“Este processo demorou aproximadamente dois anos, surgiu a partir das inquietações da própria base produtiva, e não tem precedentes nas quase duas décadas que levam criadas as UBPCs”, declarou o funcionário. Afirmou, ainda, que as novas medidas serão extensivas, no que corresponder às Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs) e às Cooperativas de Créditos e Serviços (CCSs), pois se reconhece que, em muitos casos, estas outras estruturas também não estiveram isentas de limitações semelhantes em seu desenvolvimento.

“Agora o desafio está em que as UBPCs saibam vencer, na prática, a dependência histórica que tiveram com as empresas, e aproveitem ao máximo as novas chances; algo inexoravelmente ligado ao reconhecimento da autonomia destas formas cooperativas, por parte dos organismos e entidades restantes. A decisão de salvá-las é uma realidade”.

Um comentário:

  1. Creio que o problema maior das UBPC's não reside nelas, mas sim na economia cubana como um todo. De nada adianta tentar aumentar a "autonomia", a responsabilidade financeira, a "livre" compra e venda de insumos e produtos, etc, se todo o restante da economia, as demais empresas com que as UBPC's precisam se relacionar, seguir preso ao velho mecanismo de planos determinativos, lento e super-burocratizado. São dois polos extremos, de um lado a UBPC para quem (o que é espantoso!) não vai mais sequer existir plano algum, e de outro os compradores e fornecedores, que seguem atados a um Plano excessivamente centralizador e desestimulador da inovação e da eficiência. É por essa razão que, p ex, o setor agrário na Polônia, mesmo sendo inteiramente não-estatal, era tão ineficiente quanto as fazendas estatais soviéticas. Não pode haver um "sistema" pro campo e outro pra cidade, seis e sessenta ao mesmo tempo não dá certo! Ou se "atualiza" todo o sistema econômico ao mesmo tempo, ou a economia toda, e não só o setor agrícola, continuará patinando por mais 20 anos. A única solução é substituir o velho Plano determinativo por um Plano orientativo, geral para toda a economia (incluindo o campo), com metas e estimativas por setor e não mais por empresa, onde a autonomia destas seja exercida não por um diretor todo-poderoso, mais sim pelos próprios trabalhadores e onde o paternalismo seja eliminado priorizando o repasse de recursos para as empresas mais eficientes, sem que o Estado socialista deixe de intervir nas menos eficientes para não falirem. Penso que essas são as condições gerais necessárias, mas também será preciso concentrar mais energias na capacitação técnica dos cooperados e dos gerentes, além de um maior acesso a insumos e tecnologias de ponta.

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